Conceituado colega criminalista patrocinava a defesa de acusado rico e famoso, que respondia por atropelamento com resultado de morte, na condução de veículo automotor.

No dia designado para a Audiência de Instrução e Julgamento (AIJ), advogado foi surpreendido com a presença, nos autos, de Laudo de Exame de Local de Acidente, sem que tivesse sido intimado para ciência e eventual pedido de esclarecimento.

Reconhecendo a falha, o juiz designou nova data para a realização da AIJ e determinou abertura de vista à defesa.

Tanto bastou para despertar a ira de respeitado âncora de um telejornal, que disparou contra o advogado de defesa forte carga de injustificáveis críticas, culminando com a observação de que “esse advogado vendeu a alma ao diabo”.

Notem que o âncora não atacou o sistema. Não criticou o serventuário do cartório responsável pelo processo. Não se insurgiu contra o promotor de Justiça que, na condição de “fiscal da lei”, concordou com o adiamento. Tampouco contra o juiz que o deferiu, saneando o processo.

O pecador era o advogado!

Voltando no tempo. O saudoso notável criminalista Evaristo de Moraes, por haver aceitado patrocinar a causa de um réu tão famoso quanto rejeitado pela população, sofreu veementes ataques não apenas de leigos, mas de colegas criminalistas! Aqui, o componente era político: o ex-presidente Collor era o “diabo” da vez.

A incompreensão era de tal ordem que o advogado escreveu e tornou público o texto de palestra que faria em determinado evento: “Advogado criminal – este desconhecido”.

Tantos anos passados, continuamos “desconhecidos”. Persiste a errônea, enganosa confusão de causa e causídico. Inobstante, o direito de defesa, independentemente de culpa ou inocência, é dos mais sagrados direitos – pedindo perdão por repetir esse truísmo. É absolutamente enganoso dar por provado o que cabe ao devido processo legal provar.

Não estou falando nenhuma “novidade”... Pois é, amigos leitores, mas apesar de não ser nenhuma “novidade”, é quase senso comum ainda hoje que o advogado, com suas “artimanhas”, “tumultua” a prestação jurisdicional. Sua função, de defesa de direito inalienável, confunde-se com atividade “demoníaca”.

Por isso mesmo, termino lembrando que o âncora que amaldiçoou o advogado ao dizer que ele vendera a alma ao diabo, provavelmente ignorava o fato de que até o diabo tinha direito a advogado, nos processos de inquisição ou beatificação, ou canonização...e mais, a função da defesa do cão era de atribuição de um “Promotor Fidei”.

Voltando aos nossos dias, tempos de delações premiadas decididas mais nos porões do que em Juízo, na impossibilidade de “excomungar” o advogado, acharam meio de “criminalizar” seus honorários, obrigando-o a “extorquir” do cliente informações sobre a origem do dinheiro que pagará seus honorários. Há pelo menos três projetos de lei neste sentido.

Deus nos livre e guarde. Amém.

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