Na década de 1950, o extraordinário diretor Billy Wilder lançou o filme que, no Brasil, tomaria o título de A montanha dos sete abutres. Em inglês, Ace in the hole, expressão entre nós equivalente a “carta na manga”.

O filme narra a história de um jornalista fracassado que estaria sendo demitido por diversas razões, mas, atendido seu pedido de uma última chance, foi enviado a uma cidadezinha para cobrir matéria sem maior importância jornalística: uma corrida de cascavéis, tradicional em determinada região.

Como sempre, a pequena cidade fervilhava de turistas e aficionados da competição.

No entanto, um fato novo e grave acabou desviando a atenção dos apostadores: um nativo, conhecido caçador de tesouros, havia caído em uma velha mina localizada na chamada Montanha dos Sete Abutres, onde acabou ferido e sem condições de escalar de volta. 

Ao tomar conhecimento do acidente – em que via sua grande oportunidade de reabilitação –, o repórter vai até à abertura da caverna, apresenta-se ao acidentado, conquista sua confiança e, afinal, o convence de que ambos lucrariam muito se o resgate demorasse um pouquinho mais...

Rapidamente nosso anti-herói fez com que a pequena comunidade se transformasse no centro das atenções da imprensa nacional. Com o aumento de repórteres e curiosos, as hospedagens e lanchonetes – uma delas dirigida pela mulher do acidentado, convenientemente manipulada pelo repórter – estavam lotadas!

O plano estava dando certo. A venda de jornais, na estratosfera. Mas nosso personagem ainda não estava satisfeito. Aproveitando-se do fato de haver estabelecido uma ligação emocional com o acidentado, fez com que os bombeiros acreditassem que deveria ele mesmo assumir o comando das ações, e passou a usar táticas tendentes a retardar o resgate – do que resultou a morte do infeliz caçador de tesouros.

O plano desmoronou. Acabou a história. Acabou a matéria. Tudo deu errado.

Vemos agora nosso anti-herói a uma mesa, aparentemente vencido... mas eis que abre a gaveta da escrivaninha e de lá retira o objeto que, pensava ele, viabilizaria seu novo plano. Ele tinha uma carta na manga. Afinal, se uma cascavel escapara, onde estariam as outras? Para isto fora convenientemente conservada por ele aquela cascavel na gaveta. Novas revelações, novas reportagens...o medo faria o resto!

Quando tive a honra de servir à classe como membro do Tribunal de Ética e Disciplina na OABRJ, sempre me preocupava o risco de erro ao se suspender liminarmente um colega advogado, com base na chamada “repercussão” do fato na imprensa. 

Havia indícios outros que sinalizassem contra a conduta do colega? Os fatos eram realmente aqueles? A gravidade da imputação, por si só, bastaria para a suspensão preventiva, liminarmente? Estariam os jornais sempre certos? Até que ponto um caso rumoroso, alimentando a venda de jornais, bastaria para a suspensão liminar?

Para quem não viu o filme, desculpo-me por ter sido desmancha-prazeres, adiantando os fatos mais marcantes; mas, acreditem, vale a pena ver. Afinal, são imperdíveis a atuação de Kirk Douglas e a direção de Billy Wilder.

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