Informante, X-9, alcaguete, traíra, rat, mouche... Assim são chamados, aqui e alhures, os que passam informações à polícia a troco de alguma recompensa ou facilidade. Não se pode negar que alguns casos são esclarecidos na fase policial com a utilização de informantes. Por outro lado, também são conhecidos episódios em que o alcaguete se traveste de policial, autorizado informalmente a participar de diligências, não raro criando sérios problemas.

Mas o personagem que agora nos interessa é o delator na forma da lei.

Em 2 de agosto de 2013 foi promulgada a Lei 12.580, que "define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal", altera o Código Penal e revoga a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995, entre outras providências. As novidades trazidas pela nova lei estão elencadas no art. 3º, assim: I - colaboração premiada - II - captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; III - ação controlada; IV - acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas; V - interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; VI - afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11; VIII - cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.

As palavras escolhidas - "colaboração", "colaborador" - são simpáticas, causam boa impressão para o que é, no fim de contas, uma alcaguetagem em nome da lei, erigida a começo de prova e, quando mal utilizada, verdadeiro meio de prova por si só. Simplificando, sustenta-se que o fim justifica o meio, e o instituto veio para ficar.

Não obstante, acaloradas discussões continuam, envolvendo não só a credibilidade, mas também a moralidade da delação premiada.

Alguns colegas sustentam que a delação premiada é imoral e, assim sendo, não se deveria aceitar a defesa da pessoa que deseje fazer uso da delação premiada, uma vez que se estaria traindo seu compromisso ético. De outro lado, colegas sustentam que, sendo o instituto previsto em lei, não haveria ferimento ao estatuto pois o que se rejeita são os meios ilegais da coleta de prova. E argumentam que a legalidade do instituto que pode levar à solução de casos que, de outro modo, não seria alcançada.

Em que pese o respeito devido a ambas as correntes, penso que o instituto pode ter seu valor, porém não com a amplitude de emprego que lhe confere a legislação atual.

É meu entendimento que a delação premiada somente deveria ser utilizada quando o objetivo não pudesse ser atingido através de outros meios de prova e - o que seria fundamental - que o bem-jurídico fosse de tal maneira superlativo que justificasse a aplicação de instituto de ética duvidosa, para dizer o mínimo, se utilizado indiscriminadamente. Como exemplo, lembro os crimes de sequestro e cárcere privado, extorsão mediante sequestro, incêndio criminoso, alguns casos de homicídio qualificado, perpetração de chacina e formação de quadrilha para tais fins.

Já nos casos de crimes contra a ordem econômica e financeira e de crimes contra a administração pública, são muitos os órgãos fiscalizadores - pelos quais o contribuinte paga altos impostos, é bom lembrar - nos âmbitos municipal, estadual e federal, e que detêm ou têm à disposição amplos meios de investigação, autorizados na própria lei especial. Relembremos os principais órgãos nacionais e controle: Controladoria Geral da União (CGU); Departamento de Polícia Federal (PDF); Tribunal de Contas da União (TCU); Ministério Público de Contas (MPF) e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

E há mais, pois dispõe-se ainda da Rede Nacional de Informações e Estratégias para o Controle Externo das Contas Públicas. 

No plano estadual, usando o Estado do Rio de Janeiro como exemplo, tem-se a Rede de Controle da Gestão Pública, com o objetivo de "ampliar e aprimorar, de modo expresso e efetivo, a integração entre as instituições e órgãos públicos partícipes, nas diversas esferas da Administração Pública com atuação no Rio de Janeiro, com o intuito de aderir à Rede de Controle da Gestão Pública ao diagnóstico e combate à corrupção, ao incentivo e fortalecimento do controle social, ao tráfego de informações e documentos, ao intercâmbio de experiências e à capacitação de seus quadros", com vigência, ao que se saiba, pelo menos até o último dia 29/06/2019.

Com tudo isso, com todos esses órgãos e custo para a administração, ainda precisamos de delação premiada para esclarecimento de casos de crime de corrupção? De que vale todo o investimento nos órgãos de controle, sustentados com os tributos pagos pelo cidadão? 

Estou convencida de que a delação premiada do "arrependido" pode ser reservada para os casos de risco iminente de perecimento de vidas, conforme acima registrado. No mais, o instituto deve ser banido, seja pela possibilidade de controle e verificação através dos meios acima citados, seja em nome da ética. É essa postura que devemos cobrar dos políticos que elegemos e cujos vencimentos pagamos. Digo não ao caminho adotado pelo legislador, caminho estreito, mas de duvidosa moral: a do delator na forma da lei.

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