Recente noticiário sobre mal entendido entre cidadão e polícia, a respeito de recolhimento de custas para a prática de determinado ato da atribuição policial, fez-me lembrar interessante incidente protagonizado por um ex-aluno, que aqui chamarei Tomé. Inteligente, atento, interessado, questionador cartesiano, enfim, portador de todas as qualidades que faziam dele um bom profissional e excelente aluno. 

Naquela noite, a matéria era Inquérito Policial. Explicava eu que o artigo 20 do CPP deveria ser entendido cotejando-se seu teor com o do art. 7º do Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94. Vejamos. 

O art. 20 do CPP reza: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

Por seu turno, o art. 7º, inc. XIV, da Lei nº 8906/94 garante ao advogado o direito de “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade policial, podendo copiar peças e tomar apontamentos”. 

Compreensivelmente afetado por sua formação policial, Tomé defendia que o conhecimento do teor do inquérito pelo advogado poderia prejudicar o rumo da solução da investigação em andamento. Em resumo, para ele, “advogado na fase de inquérito só atrapalha”. Nenhum de meus argumentos era capaz de arredá-lo da equivocada convicção de que o teor do Estatuto era extremamente prejudicial ao bom andamento das investigações. Esgotados aqueles, lancei mão do argumento final, que a retórica talvez chamasse de argumento ad terrorem: “Hoje, Tomé, você tem a chave da cadeia. Amanhã, você pode não ter”; 

Passa-se talvez um ano. Toca o telefone. Era Tomé. Com a liberdade que nossa antiga relação aluno/professor permitia, perguntei, em tom de troça: “Vai me dizer que perdeu a chave da cadeia?” Pois é: naquele momento ele estava sem a primeira, e arriscava-se a ir parar na segunda... 

É que Tomé havia sido chamado para, em tal dia, depor na Corregedoria de Polícia, onde pesava contra ele investigação instaurada para apurar notícia de crime apresentada por pessoa dizendo-se vítima de “extorsão. Sem a menor ideia do que poderia ser, dirigiu-se à pessoa responsável pela apuração, mas esta lhe negara acesso aos autos antes do dia designado para sua oitiva. 

Dirigi-me à Corregedoria na condição de advogada, onde, sem qualquer obstáculo – como não poderia deixar de ser –, pude ver do que se tratava. A improcedência da acusação era de clareza meridiana, e poderia ser cômica, não fosse a acusação tão grave quanto injusta. 

Uma senhora estava sendo vítima de campanha difamatória anônima em determinado prédio naquela circunscrição e dirigiu-se à delegacia policial para registrar a ocorrência, onde foi atendida por Tomé. Ora, nem precisava ser ele o excelente aluno que havia sido para saber que se tratava de crime de ação penal de iniciativa privada. Para cuja apreciação e processamento, fosse em juízo, fosse na delegacia de Polícia, era exigido o prévio recolhimento de custas observados certos critérios, cujos valores – destinados ao Fundo Especial da Polícia Civil (Funespol) – ficavam afixados em quadro de aviso... Este havia sido o “crime” de Tomé. 

Em menos de cinco minutos, pude demonstrar à pessoa responsável pelo feito disciplinar que a acusação de extorsão beirava o ridículo e era de todo improcedente, hipótese de arquivamento liminar por clara e total improcedência da imputação. 

Aquele feito ridículo não poderia sequer ter sido instaurado. Mas foi. E, no que diz respeito ao nosso Tomé, foi preciso que sentisse o susto e o perigo na própria pele para que jamais duvidasse da importância da presença de advogado desde a fase investigatória.

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