Os povos indígenas, também chamados de “povos originários”, são detentores de um vasto conhecimento – profundo e complexo, desenvolvido historicamente, referente a saberes variados. A proteção jurídica dessa comunidade tradicional reside na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção Americana de Direitos Humanos, na Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais (que enalteceu os direitos fundamentais dos povos indígenas como povos originários), na Convenção da Diversidade Biológica (que reconheceu a dependência dos recursos biológicos às populações indígenas), na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (buscando o reconhecimento da diversidade cultural e a proteção das minorias) e na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (que trata sobre questões bioéticas e de proteção dos vulneráveis).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, ao reconhecer os direitos humanos e fundamentais e a necessidade de sua efetivação, assegurou aos indígenas o direito à cultura, à diferença e à diversidade cultural. Esses direitos culturais foram previstos pela primeira vez no plano internacional com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que os qualificou como indispensáveis à dignidade e ao livre desenvolvimento da personalidade. A Constituição Brasileira, em seu artigo 215, prevê que o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. 

Diante do reconhecimento da sua importância, os direitos culturais entraram na agenda internacional especialmente através da iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, marco da internacionalização desses direitos, dispõe, no seu art. 22, que todo ser humano, como membro da sociedade, deve ter assegurados os direitos culturais, considerados indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Já o artigo 27 enfatiza o direito das pessoas de participar e fruir dos benefícios da cultura.

Em 1966, sob a coordenação da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), foi realizado o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que corresponde a desdobramentos da Declaração Universal, prevendo obrigações legais para os Estados-partes no caso de descumprimento dos direitos ali previstos. Além do pacto, outros instrumentos jurídicos internacionais foram criados, tais como a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972, e a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, de 2001. Com esses documentos, os Estados-partes passaram a ter a obrigação de construir políticas públicas para fazer frente à garantia desses direitos. Contudo, no Brasil, somente a partir da Constituição Federal de 1988, fruto da redemocratização do país, os direitos culturais foram explicitamente reconhecidos. Até então, o tema cultura aparecia de forma tímida, juntamente à pauta da educação.

No texto constitucional, é possível encontrar alguns exemplos do que a doutrina considera como direitos culturais, tais como o direito autoral (artigo 5º, XXVII e XXVIII), o  direito à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (artigos 5º, IX, e 215, §3º, II), o direito à preservação do patrimônio histórico e cultural (artigos 5º, LXXIII, e 215, § 3º, inciso I); o direito à diversidade e identidade cultural (artigo 215, caput, § 1º, 2º, 3º, V, 242, § 1º); e o direito de acesso à cultura (artigo 215, § 3º, II e IV).  

Os direitos culturais podem ser elencados como aqueles que dizem respeito à valorização e proteção do patrimônio cultural; à produção, promoção, difusão e acesso democrático aos bens culturais, à proteção dos direitos autorais e à valorização da diversidade cultural. São direitos que exigem um protagonismo por parte do Estado, estando intrinsecamente relacionados à consolidação da democracia, aos ideais de cidadania plena e ao fator de desenvolvimento.

As políticas públicas voltadas para os “Povos e Comunidades Tradicionais” são recentes no âmbito do Estado brasileiro e tiveram como marco a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada em 1989 no Brasil e trata dos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo. De acordo com o Decreto 6040¹ os povos e comunidades tradicionais são definidos como: "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição".

A Constituição Brasileira de 1988, denominada “Constituição Cidadã” pela Assembleia Constituinte que a promulgou, pois resultante do processo de redemocratização que o Brasil começou a viver depois de um longo período de 21 anos de ditadura militar, foi de todas as constituições brasileiras a que mais se preocupou com as questões indígenas. Os direitos dos índios como direitos difusos devem ser incluídos entre os direitos fundamentais de solidariedade, que mereceram acolhida na Constituição Brasileira como um dos objetivos fundamentais da República, no artigo 3º:  “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária.”

O sentimento de pertencer a uma comunidade indígena é o que define o índio no Brasil, ou seja, é índio quem se sente índio. E essa autoidentificação que se alicerça na identidade étnica com a continuidade de um grupo que carrega um legado histórico identificador é o critério fundamental para a definição do índio brasileiro.

Há de se ressaltar que a reprodução cultural indígena não é estática. Como qualquer comunidade étnica, sempre haverá mudanças e, portanto, a cultura indígena não será sempre a mesma, pois estará em contato com outras formas de cultura. E isso não destrói a identidade cultural da comunidade. Eventuais transformações não descaracterizam a identidade cultural da comunidade tradicional, pois serão mudanças dentro da própria comunidade étnica.

Contudo, é importante salientar a existência, mesmo nos dias atuais, no Brasil, de povos indígenas isolados na divisa ocidental do Brasil com o Peru, que têm de viver em fuga das devastações da extração ilegal de madeira, da mineração de ouro e, agora, também dos narcotraficantes.  Por toda a Bacia Amazônica, crescem as ameaças à segurança das estimadas 50 a 100 tribos indígenas isoladas, talvez umas 5 mil pessoas no total. Esses grupos constituem a maioria das tribos isoladas remanescentes no mundo, possivelmente as únicas dentre as chamadas “tribos não contatadas”.  Os números podem parecer modestos, mas os ativistas dos direitos indígenas dizem que está em jogo algo bem mais significativo: a preservação dos últimos vestígios de um modo de vida que praticamente desapareceu do planeta e sobrevive ainda fora da nossa economia industrial.

O artigo 231 da Constituição reconhece a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios, reconhecendo a existência de minorias nacionais e instituindo meios de proteção de sua singularidade étnica. A Constituição Brasileira fala em “populações indígenas” no seu artigo 22, inciso XIV, e também em “comunidades indígenas”, no artigo 232, como “comunidades culturais” que se revelam na identidade étnica. Os artigos 231 e 232 da Constituição Brasileira estabelecem os fundamentos constitucionais dos direitos indígenas no Brasil.

A denominação “indigenato” diz respeito à fonte primária da posse das terras originariamente pertencentes às comunidades indígenas, sendo um direito congênito que se diferencia da ocupação da terra que é um direito adquirido. O “indigenato” não necessita de legitimação, ao passo que a ocupação carece de requisitos que a legitimem. Graças a essa antiga instituição jurídica luso-brasileira, reservam-se aos índios as terras que lhes pertenciam. Estas não são devolutas, mas originariamente reservadas, ou seja, terras congenitamente possuídas pelos indígenas desde o primeiro instrumento jurídico que se tem conhecimento: o Alvará de 1º de abril de 1680, ratificado pela Lei de 6 de junho de 1775, que estabeleceu uma reserva de terras aos índios, considerados por essa legislação como senhores primários e naturais dessas terras.

No século XX, a legislação indígena no Brasil tornou-se mais robusta. A geratriz dessa proteção legislativa encontra-se no artigo 129 da Constituição Brasileira de 1934. Desde essa época, o Direito Constitucional brasileiro vem procurando proteger as terras que tradicionalmente são ocupadas pelos índios, evitando desapossamentos. 

Entre os diplomas legislativos destinados à preservação da cultura dos índios, podemos apontar a seguinte legislação: a Lei 6.001 de 19.12.1973 – Estatuto do Índio;  o Decreto 1.775 de 8.1.1996 – que dispõe sobre o processo administrativo de demarcação das terras indígenas; o Decreto 1.141 de 19.5.1994 – que contempla ações de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as comunidades indígenas; o Decreto 26 de 4.2.1991 – que trata da educação indígena no Brasil; o Decreto 564 de 8.6.1992 – que aprova o Estatuto da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); e o Decreto 3.156 de 27.8.1999 – que estabelece as condições para a prestação de assistência à saúde dos povos indígenas no âmbito do Sistema Único de Saúde, pelo Ministério da Saúde.

O instituto do indigenato vem a asseverar que as relações das comunidades indígenas com as suas terras excede o âmbito privatístico do Direito. A posse das glebas, tradicionalmente ocupadas pelos índios, vai muito além das normas de Direito Civil, porque há um sentido cultural, ecológico e humanístico nesse mister. Na realidade, as terras indígenas não têm natureza negocial, constituindo-se em habitat dessas comunidades, de modo divorciado das normas do Direito Civil. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União (artigo 20, XI, da Constituição Brasileira). São reconhecidos aos índios, pelo artigo 231 da Constituição, os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Essas terras se destinam à sua posse (artigo 231, § 1º). 

Faz-se necessário conceituar o que seja “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” pelo fato de a Constituição fazer reiteradamente a previsão destas. O conceito encontra-se no próprio § 1º do artigo 231. São quatro os alicerces que constroem o conceito, no esteio do magistério acadêmico do eminente Professor Doutor José Afonso da Silva, da Universidade de São Paulo. Essas terras devem ser pelos índios habitadas em caráter permanente; devem ser por eles utilizadas para as suas atividades produtivas; devem ser imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; serem necessárias à sua reprodução física e cultural em conformidade com seus usos, costumes e tradições.  O fato é que essas quatro considerações que alicerçam a construção do conceito devem ter como paradigma os valores dos índios. Essas condições não devem ter parâmetros advindos da visão tradicionalmente considerada como civilizada, mas, sim, segundo o modo de ser deles, a cultura deles, dos índios, respeitando-se o multiculturalismo, pois a Constituição Brasileira apresenta um forte caráter comunitarista, ressaltando seu aspecto progressista, que inclui, para além das proteções amplas dos direitos civis liberais, a centralidade dos direitos políticos de participação e o imperativo da atividade estatal na promoção de direitos sociais.

Sobre a questão da avaliação do caráter hipoteticamente multiculturalista de nossa Constituição, devemos levar em conta que o processo de “cidadanização” dos grupos discriminados não se esgota na proteção de suas práticas culturais, sendo necessário também promover sua inclusão política e econômica.  Conteria a Constituição Brasileira de 1988 dispositivos para essa promoção? A resposta parece ser afirmativa no que toca aos indígenas, particularmente se considerarmos que a Constituição de 1988 dedica todo o Capítulo VIII a esse grupo, prevendo várias medidas que visam à preservação de seu modo de vida, conforme dispõe, em especial, o artigo 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.  

Os índios possuem o usufruto exclusivo de suas terras, incluindo-se as riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes (artigo 231, § 2º). Esse usufruto ao qual a Constituição Brasileira faz referência não é a simples posse direta ou o poder de fato sobre a coisa (iuspossessionis), mas, sim, o poder de direito, já que os índios são senhores das terras que, por tradição, sempre ocuparam (iuspossidendi).

O simples poder de fato sobre as terras não pouparia os índios de aborrecimentos e ingerências externas, e, apesar de a Constituição Brasileira conferir-lhes o status de senhores dessas terras, nem assim gozam de paz para viverem com sua realidade.

Observa-se o desejo do governo de estabelecer o direito individual da terra de modo a desmantelar as organizações sociopolíticas dos povos indígenas. Se isso acontecer, cada indivíduo poderá fazer o que quiser com o seu pedaço de terra. E o indígena, vulnerável, desprotegido e empobrecido, irá para as periferias das cidades brasileiras engrossar a pobreza nesses lugares. A missão da Funai não é aculturar os indígenas, mas, sim, promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. A Constituição Brasileira garantiu a essa comunidade tradicional vulnerável uma saúde diferenciada, uma educação diferenciada e os direitos das minorias indígenas à cidadania. Uma cidadania livre dentro dos seus próprios valores culturais e não submetida a uma cultura dominante colonizadora.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm

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