Constituição manda, mas ninguém faz João Camilo Penna* A Constituição completou 20 anos. Em 1988 a sociedade pedia redemocratização e havia problemas, pois, em meio a dificuldades mundiais, o crescimento caía e a inflação subia. Seguiuse a Constituinte. A Constituição de 1988, notável no social, firma a livre empresa, mas desconhece a globalização. Cidadã, não é competitiva - aumenta despesas e tributos e cristaliza privilégios. Muitas disposições não regulamentadas foram ou são desobedecidas. Algumas: O artigo 23 trata de funções comuns dos entes federados e indica que uma lei disporá sobre relação entre agentes. Não foi regulamentada e sobram indefinições, por exemplo em relação ao meio ambiente; Ela manda o governo obedecer a critérios de moralidade e eficiência. Ora, há corrupção, despesa alta e investimento baixo; O artigo 37, inciso VII, manda que se formule uma lei de greve no serviço público. Não foi atendido: há greves em áreas essenciais; O inciso X dita vencimentos públicos. Ora, casta indiana, servidores federais estáveis recebem acima do mercado e aposentadoria paritária. (Centenas concorrem a uma vaga no serviço público, que paga, por exemplo, R$ 3.600 ao mês para físicos e R$ 20 mil mensais para advogados!). Houve um concurso na Chesf, com 856 mil inscritos que aprovou 316 mil (sem vagas !); O inciso XII diz que vencimentos no Legislativo e no Judiciário não podem ser superiores aos pagos no Executivo - letra morta; A Carta manda racionalizar o ser viço público. No mês passado, premido pela queda de arrecadação na crise, o governo federal iniciou estudos para atender aos artigos 37 e 39. Já temos 62 emendas à Constituição. O PIB cresceu 4.4% a.a. de 1901 a 1980, recorde mundial, e caiu a 2.5% a.a. de 1981 a 2008, com 5% a.a em 2008. A carga fiscal em 25% do PIB de 1970 a 1988 cresceu a 37% em 2008; - de 1988 a 2008, a parte da União cresceu de 43% a 60% e a dos estados caiu de 41% para 25%. De 2004 a 2007, o gasto não financeiro da União cresceu 77%; a inflação, 26% e o PIB, 18%! O IDH (renda, saúde e educação) de 1988 a 2007 cresceu 14%. Regulamentara Constituição será básico para o desempenho.Hoje, temos o décimo produto do mundo - crescimento menor que o de Rússia, Índia e China. Temos a maior carga tributária, os maiores juros e o menor investimento. Temos uma demografia favorável, democracia forte, território e mercado interno valiosos; bons empresários; sistema e matriz energética eficazes; o singular etanol; cuidados com o meio ambiente; um banco central capaz, reservas altas e regulação competente; sistema bancário seguro, mas caro; exportação diversificada; boas contas externas; dívida pública em queda em relação ao PIB.Carga tributária e despesa pública, juros altos e baixa escolaridade freiam o desenvolvimento. Em 2008, chegou ao Brasil a crise recessiva mundial. Está em queda o crescimento. Por ironia, a grande despesa do governo e a Selic alta podem ser usadas nesta crise.Criam espaço para que o governo reduza e congele despesas e baixe juros que pesarão menos sobre as dívidas pública e privada. Seriam liberados recursos para infra e superestrutura, para reduzir impostos e atacar a recessão.Perfeição é utopia e seria um tédio. Porém são necessárias reformas política, fiscal, judiciária, educacional, trabalhista e previdenciária para corrigir falhas de governos como: desatenção à austeridade e à ética; despesa pública e carga tributária altas; privilégios e desperdícios; esforço educacional e tecnológico insuficientes; Parlamentos e Justiça caros e lentos; corrupção e impunidades; não manutenção de bens públicos; poupança negativa e investimento mínimo; transporte e saneamento precários; procuradores apressados; licenças ambientais lentas. Resultam em baixo capital por trabalhador e baixa produtividade. A mídia denuncia corrupção exuberante, mas para combatê-la faltam enérgicos procuradores. (Um romano dizia: "É confiável, pois é corruptível"!) O Congresso poderá regulamentar a Constituição e preparar reformas. O presidente Lula, pragmático e ativo, que continuou a política econômica e governou com reformas de FHC, para enfrentar a crise poderá promover suas reformas. Bons resultados virão! *João Camilo Penna foi ministro da Indústria e Comércio Artigo publicado no jornal O Globo, 30 de março de 2009