27/03/2009 - 16:06

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Artigo: Crise ou oportunismo? - Rita Cortez

Crise ou oportunismo?

 

Rita Cortez*

 

 

A crise gerada pela falta de regulamentação dos mercados financeiros, divorciada da economia real, tem como agravante os próprios projetos neoliberais desencadeados a partir de 1970. A "crise" nos impõe repensar o modelo de capitalismo em vigor, incluindo a fórmula brasileira de "crescimento econômico sustentável".

 

Ocorre que, para o cidadão comum, a crise ainda é uma incógnita. Não conseguimos discernir, com suficiente clareza, quais são os seus reais reflexos nos diferentes setores produtivos e alguns indicadores econômicos demonstram que tais repercussões não ocorrem de maneira uniforme. Apesar disto, a "crise" já se incorporou ao nosso cotidiano.

 

No Brasil, os efeitos da crise financeira, bem como as propostas para sua superação, parecem estar sendo tratadas de forma oportunista. Instalou-se no país um verdadeiro clima de terror. Tudo se move ou acontece por conta dela. Assim, crescem, rapidamente, ameaças de dispensas coletivas, enquanto na política dissemina-se o pânico (desemprego). Em seguida, vem o discurso sobre a necessidade de revisar a legislação trabalhista, flexibilizando e eliminando direitos.

 

O objetivo é reduzir o "custo do trabalho", ao mesmo tempo em que se obtém benefícios fiscais do governo. A teoria dos altos custos do trabalho no país como fator de atraso para o desenvolvimento econômico, apesar de falso - na medida que estão entre os mais baixos do mundo, segundo analistas - havia perdido fôlego, diante da onda otimista de crescimento em vários setores da economia e do aquecimento do mercado interno.

 

Antes, as propostas de flexibilização e desregulamentação de direitos trabalhistas atrelavam-se à imprescindível modernização das relações de trabalho. Movimentos realizados, neste sentido, para a preservação dos níveis de emprego foram desmistificados: terceirização, banco de horas, trabalho temporário, prevalência das negociações coletivas. Agora, as mesmas propostas são elementos de combate à crise financeira. Mas a política de colocar os direitos dos trabalhadores em patamares mínimos, hoje, chega a ser irresponsável: se houver mais redução na remuneração dos trabalhadores, vai haver mais retração do consumo, com direta repercussão no sistema produtivo.

 

É inaceitável, por exemplo, que o governo (chamado a intervir, numa lógica inversa da teoria neoliberal do Estado mínimo), injete dinheiro público, através dos vultuosos empréstimos concedidos pelo BNDES, sem que haja contrapartidas para manter os empregos. A promoção de dispensas em massa e a redução salarial sem comprovada motivação são injustificáveis. Os trabalhadores não podem ser perversamente excluídos ou desestimulados de participarem das discussões sobre as melhorias de suas condições sociais, como mero desdobramento da política do medo. Cabe aos trabalhadores defender o Estado Democrático de Direito, onde o emprego é um bem público.

 

A Justiça do Trabalho, nesta conjuntura sócio-econômica, merece destaque. Magistrados trabalhistas estão adotando as novas teorias do direito constitucional e direitos humanos para coibirem abusos pautados na crise econômica. Impedem demissões coletivas e estabelecem limites às reduções salariais e de direitos trabalhistas, exigindo provas do real estado de saúde financeira de empresas "abaladas pela crise". Freiam interesses econômicos imediatos e remetem a solução dos problemas às negociações coletivas entre os sindicatos. Todavia, inexistindo regras legais que promovam o equilíbrio de forças nessas negociações, os trabalhadores tendem a chegar ávidos por firmarem acordos sob a ótica do "mal menor".

 

Demanda-se, neste momento, uma nova postura dos órgãos jurisdicionais responsáveis por dirimir conflitos e impasses formados nas negociações coletivas (Seções Normativas), resolvendo-os com o mesmo espírito de justiça social assumido nos julgamentos de ações coletivas movidas na defesa dos salários e do trabalho como valores sociais e que, por isto, devem ser protegidos. A Justiça do Trabalho precisa estar consciente que pode contribuir, e muito, para impedir os oportunismos, buscando soluções que não contribuam para aprofundar os efeitos da crise financeira onde e quando, verdadeiramente, existirem.

 

 

*Conselheira e presidente da Comissão de Relações de Trabalho da OAB/RJ.

 

Artigo publicado no Jornal do Brasil, em 27 de março de 2009.

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