14/05/2009 - 16:06

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Artigo: A demora e o atraso no Judiciário - Oscar Argollo

A demora e o atraso no Judiciário


Oscar Argollo*

Desde jovem tenho o hábito de ler jornal, diariamente e pela manhã. Passo os olhos nas manchetes, assuntos do momento, mazelas da sociedade, algumas colunas, esportes, enfim, quase todo o jornal, porque logo após tenho que trabalhar e não há tempo para a leitura integral.

No trabalho, na militância da advocacia há mais de 30 anos, também me deparo com o Poder Judiciário diariamente. Vez por outra, tenho audiências judiciais. Compreendo vários problemas existentes na Justiça e deles conheço, não só pela advocacia que exerço nas mais distantes comarcas do País, mas, também, através de minha experiência profissional, pois, pela OAB, tive a honra de ser escolhido membro na instalação do Conselho Nacional de Justiça, em 2005.

Quero dizer que, afeito aos problemas judiciários, por muito tempo verifico as infindáveis discussões sobre a demora na Justiça, o infindável tempo que perduram processos judiciais, um tema que jamais será efetivamente solucionado se não houver uma mudança maior no modelo do Poder Judiciário que utilizamos. Recentemente, deparei-me com um artigo da jornalista carioca Cora Rónai, sob o título As delongas da lei. Evidentemente, não resisti, mesmo em razão do pouco tempo que disponho pela manhã, e passei a ler o referido artigo, com um texto muito simples, honesto, de uma enorme delicadeza, mas profundamente sincero e revelador.

O texto versa sobre a intimação e o comparecimento da articulista, como testemunha, num juízo da comarca, aludindo sobre - digamos - uma certa falta de educação que ela presenciou. Na verdade, apenas um reparo merece ser feito no referido artigo. A articulista diz que quando uma pessoa se apresenta como testemunha e vítima de assalto, deveria ser tratada com a máxima gentileza pelas autoridades... Expressões simples, como desculpe e por favor (sem falar em obrigado por virem dar seu depoimento), fariam toda diferença.

O reparo está no obrigado. Todo cidadão deve prestar depoimento como testemunha. Sei que a população tem ojeriza e verdadeiro pavor ao ser convocada para depor em juízo, normalmente alegando não quero me meter nisso; não tenho nada com isso, etc.. São expressões comuns, mas que demonstram o desconhecimento dos cidadãos, não sabedores de que depor em juízo é um dever, um dever da cidadania, obrigação de prestar auxílio ao Poder Judiciário, à Justiça, razão pela qual, sendo um dever do cidadão, não parece necessário agradecer pelo cumprimento de um dever. Dizer obrigado, no Poder Judiciário, faz-se necessário somente pela educação social do cidadão.

Aliás, quando lecionava, dizia aos alunos que é comum se ver um advogado, ao sustentar defesa num tribunal, ao final do discurso e antes de se retirar da tribuna, agradecer aos desembargadores. Na verdade, nada mais dispensável, uma vez que os magistrados estão ali cumprindo seus deveres de ofício, aos quais não é necessário nenhum agradecimento.

Deixando de lado o reparo, devo dizer que fiquei surpreso, agora, com a publicidade do artigo, ao revelar outro problema sério no Poder Judiciário. A propósito, confesso que entendo ser o grande, único e fundamental problema brasileiro a educação, o respeito. Cora Rónai conta que a magistrada, a quem teria que prestar o depoimento marcado para uma determinada hora, chegou atrasada, sem que ninguém lhe desse alguma satisfação. Ah, cara jornalista - me permita a colocação apenas pontual - a senhora não sabe de nada.

Nas varas criminais, normalmente, as audiências são marcadas num mesmo horário e, como são várias audiências no mesmo dia, é necessário ficar aguardando a vez, rezando para que não haja nenhum réu preso, pois ele tem preferência para prestar depoimento. Quando escrevo essas linhas, pela manhã tive uma audiência na Justiça do Trabalho. Cheguei a comentar com um colega: Estou me sentindo em Londres. Ele deu boas gargalhadas. As audiências estavam marcadas de três em três minutos. Minha audiência estava marcada para as 10h12. Nada mais britânico, mas por óbvio não se realizou no horário fixado.

Nas varas comuns também temos problemas. São audiências marcadas com espaço de tempo que não é compatível, pois sabemos que na hipótese de depoimentos, sobretudo de várias testemunhas, o tempo passa e sua audiência, por vezes, retarda mais de hora e meia.

Portanto, prezada Cora Rónai, a senhora não sabe como nós, os advogados, que temos muitos afazeres, sofremos com isso. As partes - coitadas - sofrem mais, pois não estão acostumadas. O que se vê, portanto, através de seu artigo, é essa antiga figura, a do atraso no Judiciário. Desculpe o reparo que fiz, mas apenas teve um cunho informativo, porque a ilustre jornalista não sabe o tamanho de minha alegria, ao vê-la se manifestando sobre esse tipo de problema, que muito nos aflige há anos, mas que não é divulgado na mídia.

Quanto à falta de educação, devo dizer que isso é o pior: um problema nacional. A sisudez da magistratura é algo espantoso. O inebriante poder que encerra a magistratura e a nossa triste cultura fazem com que um grande número de magistrados se apresentem de forma fechada, arrogante e, às vezes, atrabiliária.

Quanto aos serventuários, especialmente os da Justiça comum no Estado do Rio de Janeiro, há sete anos teve início a contratação da grande maioria que atualmente trabalha no tribunal. Deixo expresso que não faço nenhuma discriminação contra pessoas que são aprovadas em concursos e ingressam na Justiça, mas que advêm de outras carreiras. São professores, dentistas, psicólogos, etc. Nada contra eles, apenas lamentando que não possuam formação jurídica, muito menos judicial.

E pior, jornalista Cora, sequer passam por algum curso que lhes permitam entender sobre os atos processuais e sobre as personagens que povoam o mundo judicial. Sabem que o magistrado é o todo poderoso, mas parece que não sabem que tanto o magistrado como o advogado são iguais. Isso mesmo, eles são iguais, cada um na sua respectiva função, mas são iguais. Assim diz a lei, ainda que alguns magistrados pareçam não acreditar nisso.

Quanto aos advogados, a população não tem ideia do que os servidores fazem. Há uma enorme falta de respeito e consideração com o advogado, que se sente um inoportuno, um cara que está pedindo processo, pedindo informação, enfim, um chato, que está ali atrapalhando o serviço. Incrível, mas é assim que está funcionando, pelo menos no meu querido Rio de Janeiro.

*Oscar Argollo é advogado, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça

Artigo publicado no Jornal do Commercio, 14 de maio de 2009

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