25/08/2008 - 16:06

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Artigo: 'Inocência é regra' - Ulisses César Martins de Sousa

Inocência é regra


Ulisses César Martins de Sousa *

Já há algum tempo o meio jurídico nacional debatia a polêmica iniciativa da AMB de divulgar uma lista de candidatos a cargos eletivos que respondem a processos criminais e ações de improbidade. Em paralelo, discutia-se o acerto ou não da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que, em junho de 2008, reconheceu que os candidatos que respondem a processo criminal podem concorrer, independentemente das acusações que pesem contra eles ou das condenações criminais em primeira ou segunda instância.

A polêmica ressurgiu com o ajuizamento, pela AMB, da ação de descumprimento de preceito fundamental, visando a obter o reconhecimento de que a vida pregressa dos candidatos poderia levar à inelegibilidade, ainda que inexistindo condenação transitada em julgado.

Felizmente, não prevaleceu o sensacionalismo barato. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, por maioria, que apenas a condenação criminal transitada em julgado pode ser considerada causa de inelegibilidade. Não poderia ser diferente num país que tem como princípio a presunção de inocência.

O julgamento do STF, que talvez contrarie a opinião pública, como disse em seu voto o ministro Eros Grau, foi um verdadeiro divisor de águas "no sentido de reafirmar peremptória, incisiva e vigorosamente as garantias democráticas". Em momento algum a Constituição admite que se presuma que o cidadão é culpado. Ao Estado é atribuído o ônus de provar a acusação. A inelegibilidade, que é um obstáculo ao exercício da cidadania, é sempre exceção. A elegibilidade é a regra. Porém, assusta o argumento de alguns que pretendem apenar o cidadão antes de um julgamento definitivo. A justificativa seria a demora na tramitação dos processos.

Ora, quer dizer que o cidadão, ante a demora no tramitar dos feitos na Justiça, seria tratado como culpado ante a incapacidade do Estado de fazer chegar ao fim os processos que lhe são levados à apreciação? Isso é no mínimo absurdo. Há de se levar em conta não ser recomendável, nem legal, que um cidadão seja privado de seus direitos políticos com base numa condenação ainda não definitiva. Felizmente, ainda existem juízes em Brasília.


* Ulisses César Martins de Sousa é advogado e conselheiro federal da OAB

Artigo publicado no jornal O Globo, 23 de agosto

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