20/06/2023 - 15:17 | última atualização em 20/06/2023 - 17:41

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Artigo: A Justiça do Trabalho para quem precisa de justiça

Diretoria da OABRJ*



A Justiça do Trabalho, prima pobre do sistema Judiciário brasileiro, a Justiça “em mangas de camisa” como diziam os antigos doutos, sempre questionada em sua forma de ser e pelo conteúdo de suas decisões, está mais uma vez na berlinda. No resumo dos resumos, a controvérsia de agora opõe a sua importância histórica e social às necessidades “modernosas” de adequação às novidades ditadas pelas recentes formas de relações de trabalho. Nada de novo no front. 

É antiga essa verdadeira obsessão que setores do pensamento jurídico têm em remodelar a Justiça do Trabalho, biombo para, em verdade, levar a cabo a sua desconstrução e deslegitimação. Basta surgir uma forma inovadora de produção, própria do desenvolvimento de uma sociedade capitalista como a nossa pretende-se ser, que logo vêm os arautos das mudanças a pretextar com novas fórmulas contratuais substitutivas das “obsoletas” vinculações garantidoras de direitos básicos. 

Tem sido assim desde as reformas pretendidas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, com seu ideário neoliberal do estado mínimo, suas privatizações e flexibilização de direitos - quando surge a ideia binômica do legislado X negociado-, passando pelo advento da terceirização/precarização, mais recentemente com a Lei 13.467/17 e, neste momento, por conta das inovações tecnológicas a transformar o trabalho humano em meros ordenamentos de aplicativos. 

Nesse contexto, vemos surgir a intervenção do Supremo Tribunal Federal, que, à revelia da competência da Justiça do Trabalho, anuncia decisões deveras desvirtuadas do processamento normal que os casos examinados deveriam seguir. E no curso desse enfrentamento de correntes antípodas, emergem inversões de valores e conceitos, os quais, sinceramente, não ajudam em nada a situar a controvérsia em termos minimamente maduros para alcançarmos um ponto de equilíbrio – sempre possível quando a honestidade intelectual e de propósitos são as armas do debate. 

Veja-se que, no melhor estilo dostoievskiano, há parcelas de contendores que buscam culpados em todos para explicar as iras que recaem sobre a Justiça do Trabalho, clamando por arrependimentos que possam aplacar as maldições e obter o perdão pelos males praticados. Não é disso que se trata, por favor.

Estamos enfrentando a mais antigas das batalhas entre os que produzem e os que se apropriam da produção, cuja correlação de forças para um lado ou outro depende de inúmeras variantes e não pode ser encarada na pobreza da fórmula maniqueísta. Afastada essa premissa esquemática, não há espaços para bons e maus. Há, isto sim, um ambiente para discussão séria, honesta e elevada sobre o papel histórico que a Justiça do Trabalho desempenha em nosso país e quais são as suas tarefas atuais. 

Convém lembrar, em perspectiva, que no Brasil de tantas incertezas e desigualdades, o trabalho remunerado perde, em séculos, comparativamente ao degradante e abominável trabalho escravizador, que por aqui vigorou por pelo menos quatrocentos anos. Apenas nos fins dos anos 1800 e no início do século passado é que as demandas pela regulação/proteção do trabalho deixaram as páginas policiais para inserir-se no campo das preocupações sociais. E foi nesse ambiente de disputas de forças antagônicas que a Justiça do Trabalho surgiu, preponderantemente para atender necessidades da classe trabalhadora, desprovida de mínimas garantias que dignificassem sua existência. E isto só ocorre em 1941, precedendo a própria CLT, que é de 1943. 

Até então, leis esparsas até dispunham sobre trabalho infantil – que no início da industrialização do país chegou, vejam só, a superar o de adultos -, melhorias salariais e de condições de vida. Normativos resultantes, diga-se, de lutas e refregas violentas, com as forças do Estado sempre alinhadas aos interesses das forças do capital. 

Na consideração de seu histórico e de sua importância, a Justiça do Trabalho vem contribuindo para equilibrar e mesmo elevar a níveis civilizatórios as contradições entre essas duas forças do processo produtivo, independente do estágio de seu desenvolvimento, desde a era das primeiras máquinas até a atual de tecnologias mais sofisticadas. Afinal, na ponta de cada um desses meios de produção, há a pessoa humana, titular de direitos, obrigações e, sobretudo, merecedora de tratamento digno e respeitoso. 

Tudo somado, não há como afastar a Justiça do Trabalho e o arcabouço de direitos protetivos que nela são depositados como protagonista desse processo de crescimento social, tão necessário para finalmente vingar aquela sociedade prevista no preâmbulo da Constituição Federal, constituída de um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos.


* Artigo da Diretoria da OABRJ publicado em alusão ao Dia da Advocacia Trabalhista, celebrado nesta terça-feira, dia 20 de junho.

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