04/09/2019 - 16:23 | última atualização em 04/09/2019 - 18:25

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Em ato, OAB e agentes da luta pela memória da ditadura prometem reação a desmonte de estrutura promovido por Bolsonaro

Clara Passi



Realizado pela OAB/RJ e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em conjunto com ex-integrantes da Comissão Nacional e a Estadual da Verdade, o ato público “Ditadura Nunca Mais” encheu o auditório da ABI na terça-feira, dia 3. 

Participaram ex-ministros, parlamentares, integrantes de órgãos governamentais, organizações de direitos humanos, artistas e parentes de vítimas do regime militar. 

Foi um protesto marcado por alta carga de emoção e revolta contra o desmonte perpetrado pelo governo de Jair Bolsonaro dos órgãos de Estado instituídos após a Constituição de 1988 para promover os direitos à memória, à verdade e à reparação. E também pelo senso de urgência de criação de um movimento mais amplo que impeça a volta do autoritarismo.

O ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e ex-membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos Paulo Vannuchi informou que existe uma “rearticulação de forças para resgatar a democracia no Brasil”. 

“Nada está parado. Haverá ações judiciais junto às mais altas instâncias, vamos acreditar até o último limite nos recursos judiciais e também promover ações na sociedade civil”, afirmou. 

“Estuda-se também se é o caso de elevar o grau das denúncias e formular petições formais à ONU e à OEA”.

A Ordem se fez representar por seu presidente nacional, Felipe Santa Cruz, cuja fala foi transmitida por vídeo; pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da Seccional, Álvaro Quintão, e pela vice do grupo, Nadine Borges. Borges presidiu a Comissão Estadual da Verdade, instalada em 2013. Os dirigentes afirmaram que a Ordem será aliada dessa luta, prestando assistência jurídica a quaisquer iniciativas e subscrevendo denúncias a organismos internacionais, se for o caso. 

Antes do ato, o presidente da OAB/RJ, Luciano Bandeira, recebeu, na Seccional, uma comitiva de organizadores do ato e de membros do Ministério Público Federal para assumir o compromisso institucional de apoiar o movimento no combate a retrocessos democráticos.

Luciano recebeu o grupo em seu gabinete / Foto: Lula Aparício

Felipe indicou que o desafio que se apresenta é não deixar que nossa juventude compreenda que a ditadura foi algo positivo: "Não foi. Tudo o que nós vivemos de liberdade e avanço é fruto da democracia e da luta dos que resistiram à ditadura militar. Contem com a Ordem nacional em todos os momentos dessa luta pela verdade histórica”.

Quintão registrou que, como em outras épocas, a Ordem dos Advogados não faltará à luta democrática e que “marchará junto com cada organismo da sociedade civil para que o momento difícil que estamos passando seja breve”. 

A fala de Dora Santa Cruz, tia de Felipe e irmã de Fernando Santa Cruz, cujo assassinato pelos agentes da ditadura foi questionado pelo presidente da República, foi um dos pontos altos da assembleia. Seu relato sobre o histórico de militância política da família oriunda de Pernambuco e desabafo contra a maculação da imagem dos desaparecidos políticos feita pelo presidente foram seguidos de longos aplausos e do coro: “Nem um passo atrás, ditadura nunca mais”. 

Apeadas de seus postos na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos (vinculada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), três dias depois de o presidente ter mentido a respeito da morte de Fernando Santa Cruz, e trocadas por militares e membros do PSL, Eugênia Gonzaga e Rosa Cardoso detalharam o esvaziamento do grupo. Esse grupo foi estatuído por lei em 1995 e em 2002. 

Gonzaga lembrou que o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana em 2010 a procurar os corpos das vítimas e reconhecê-los. “A sentença está em plena execução. Essa atitude demonstra que o governo não está a executando e vai ter que se explicar”. 

Vannuchi sugeriu que as entidades da sociedade mantenham o trabalho de identificação das vítimas da ditadura à revelia do apoio governamental - a exemplo do que fez dom Paulo Evaristo Arns no regime militar - até que se supere esta fase. Gonzaga disse que vai pedir ajuda à OAB para continuar a retificação das certidões de óbito de desaparecidos, por exemplo.  

As mães da vereadora Marielle Franco e do adolescente Marcos Vinícius, morto durante uma operação da Polícia Civil no Complexo da Maré, evidenciaram a noção de que a violência estatal não cessou em 1985 junto com a reabertura democrática. 

O presidente da ABI, Paulo Jerônimo (Pagê), o ex-ministro da Justiça e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, José Carlos Dias, a ex-conselheira da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça Carol Proner,  o ex-presidente do IAB, Técio Lins e Silva, a dirigente do grupo Tortura Nunca Mais Vitória Grabois, a filha do diplomata José Jobim, morto pela ditadura, Lygia Jobim; a ex-ministra da Cultura, Ana de Hollanda, o ex-presidente da OAB/RJ Wadih Damous, as atrizes Beth Mendes e Zezé Motta e estudantes da Escola Estadual Oswaldo Cruz foram alguns dos presentes.

Mobilizadores do ato concederam entrevista coletiva antes do evento / Foto Lula Aparício

Impedido de participar por um problema de saúde, Jânio de Freitas falou em nome dos jornalistas do país por meio de carta, que foi lida no palco. 

“É preciso despertar o sentimento democrático hoje refugiado na perplexidade ou no desânimo. Se eu pudesse estar aqui, lembraria que todo o avanço da civilização foi fruto de inconformismo. A liberdade, os direitos humanos, a cultura, onde existam, foram obras dos inconformados de todos os tempos. Sejamos inconformados. O Brasil democrático precisa do nosso inconformismo”, escreveu ele.

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