15/01/2009 - 16:06

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Bancas chegam aos poucos à China

Bancas chegam aos poucos à China


Do jornal Valor Econômico

15/02/2009 - Em 1979, apenas 212 advogados atuavam na China - todos representando o próprio governo chinês. Passados 30 anos, o país já conta com 143 mil deles espalhados por 13 mil escritórios. A expansão do meio jurídico acompanhou o processo de abertura e as reformas promovidas na China, que desde o início dos anos 90 permitiu o ingresso de advogados estrangeiros no país. Hoje, de acordo com dados do Ministério da Justiça chinês, há 131 bancas estrangeiras nas onze principais cidades chinesas - número elevado se comparado, por exemplo, à cidade de São Paulo, onde há somente nove bancas estrangeiras com registro na seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).

Dessas, ao que se sabe, apenas duas são brasileiras, que devem se somar a uma terceira, no aguardo de aprovação para abrir sua filial no país. À atuação direta do setor jurídico brasileiro na China somam-se diversas bancas que, por meio de parcerias com escritórios chineses ou internacionais, acabam por cumprir a tarefa de auxiliar seus clientes em negócios que envolvem o país.

O interesse dos escritórios de advocacia estrangeiros pela China acompanhou a necessidade de suas clientes de fazerem negócios com o país, mas também a implantação do novo sistema jurídico chinês. Até os anos 80, o Poder Judiciário esteve completamente submetido ao governo local. As decisões judiciais eram precárias - a maioria não era documentada, já que as sentenças proferidas eram orais - e grande parte dos juízes, aliados políticos do governo, sequer tinha formação jurídica. Nos últimos anos, no entanto, a legislação do país passou por uma série de reformas, em especial por conta de sua entrada, em 2001, na Organização Mundial do Comércio (OMC) - a partir de 2005, destacam-se as novas leis de contrato de trabalho e de imposto de renda de pessoa jurídica.

Entre os advogados brasileiros, a percepção é a de que o sistema jurídico chinês mudou radicalmente em pouquíssimo tempo, assim como a própria cultura da população. "Ajuizar uma ação era algo raríssimo", diz Alberto Mori, sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, associado ao gigante Baker & Mackenzie International, que possui escritórios em Pequim, Xangai e Hong Kong.

"Hoje a China vive a sua primeira enxurrada de processos." Segundo o advogado, a tarefa da banca que atua no país, seja por meio de filiais ou de escritórios associados, é a de preparar seus clientes para lá se instalarem, orientando-os em relação às peculiaridades chinesas - como a acirrada guerra fiscal entre as províncias e os tipos de investimentos permitidos pelo governo. "As empresas brasileiras enfrentam uma verdadeira via crucis ao começar seus negócios por lá, pois é preciso pleitear uma série de autorizações governamentais", diz Mori. Alertar sobre os costumes de cada região e sobre os idiomas - na China há cerca de 80 dialetos - são outros serviços oferecidos pelo escritório aos empresários. "Nosso trabalho é uma espécie de atalho para a entrada das empresas na China."

A atuação dos advogados estrangeiros na China, no entanto, é restrita, assim como acontece na maior parte dos países, incluindo o Brasil. É proibido a eles exercer qualquer atividade que envolva a legislação chinesa e atuar em litígios na Justiça. Bancas estrangeiras podem se estabelecer como "escritórios de representação", formados unicamente por profissionais estrangeiros, sendo vetada a obtenção de lucro. Os escritórios funcionam como uma ponte entre as empresas estrangeiras e chinesas nos mais variados negócios - além da assessoria jurídica, os advogados fazem pesquisas de mercado para as empresas e auxiliam no rompimento de barreiras culturais e até políticas.

Essa tem sido a tarefa do Noronha Advogados, a primeira banca latino-americana a se estabelecer na província de Shanghai, no centro do país, onde está a maioria dos escritórios de representação. O advogado Bento Delgado Kardos, que comandou a filial chinesa do Noronha Advogados nos últimos dois anos, conta que auxiliar empresas brasileiras e de outros países a investirem na China não envolve somente elaboração e revisão de contratos comerciais, mas também adaptação às exigências do governo chinês. "Não é uma condição sine qua non para a empresa se estabelecer por lá, mas é importante por uma questão cultural manter um bom relacionamento com o governo", diz Kardos. Hoje, a filial, instalada em 2000, conta com seis advogados brasileiros que vão para lá em um sistema de rodízio.

A 1.463 quilômetros dali, em Pequim, se localiza a outra banca brasileira presente na China: o Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados. Desde 2002, a advogada Heloísa Bonciani Nader Di Cunto passa quatro meses do ano no local, escolhido por ser o centro político do país, onde estão os órgãos do governo, o que facilita contatos com as autarquias. Uma das atuações principais da banca tem sido a captação de empresas chinesas interessadas em investir no Brasil. "O contato pessoal tem dado muitos resultados em negócios para o escritório no Brasil", diz Heloísa.

A articulação com escritórios chineses na divisão de trabalhos envolvendo procedimentos jurídicos nos dois países tem sido uma alternativa muito utilizada pelas bancas brasileiras que não possuem escritórios de representação. Algumas, inclusive, nem almejam tê-los. É o caso do Veirano Advogados, que possui parceria com três escritórios chineses desde 2004. De acordo com o advogado Reinaldo Ma, a estratégia da banca não é a de abrir escritórios de representação por conta das limitações na atuação. Ao encaminhar clientes para os escritórios parceiros, a banca funciona como uma ponte em litígios envolvendo empresas brasileiras na China, fornecendo subsídios para o escritório parceiro. Recentemente o Veirano acompanhou o caso de uma organização brasileira que ajuizou uma ação contra um fornecedor chinês que, segundo o advogado, não estaria cumprindo as regras do contrato. "Em esquema de parcerias com bancas estrangeiras já atendemos em 90 países", diz Ma.

O escritório Azevedo Sette é outro que também achou mais vantajoso atuar na China por meio de uma parceria com uma banca chinesa de grande porte. "O mercado chinês é bem fechado e levaria muito tempo para penetrarmos na cultura local", diz o sócio Ricardo Azevedo Sette. Segundo ele, as atividades têm se concentrado no auxílio a empresas brasileiras do ramo de mineração - tanto as que desejam migrar para lá quanto as que importam matéria-prima da China.

Outro atrativo para as parcerias internacionais é que, normalmente, o processo de abertura de um escritório de representação na China não é simples, por conta de um série de exigências feitas pelo governo - como o histórico do trabalho da banca em seu país de origem. O Duarte Garcia teve que aguardar cerca de um ano e meio para obter sua autorização. Já o escritório Felsberg e Associados fez o pedido em maio do ano passado e ainda espera sua permissão. A estrutura da banca em Shanghai já foi montada e ela atua no país por meio de uma parceria com uma chinesa.

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