02/03/2009 - 16:06

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CNJ e escritórios juntos pela advocacia voluntária

CNJ e escritórios juntos pela advocacia voluntária


Do jornal do Commercio

03/03/2009 - A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de estimular a advocacia voluntária no País tem tudo para dar certo. Antes mesmo de o órgão editar a Resolução nº 62, no mês passado, para regulamentar essa prática, escritórios e advogados individualmente já se mostravam abertos à prestação de assistência jurídica gratuita ou mesmo à participação em projetos na área social. Exemplos disso não faltam.

Um deles é o Instituto Pro Bono (IPB) - criado em 2001, em São Paulo, e que já conta com a participação de 400 advogados e 27 bancas de médio e grande porte, que oferecem gratuitamente serviços jurídicos a entidades do terceiro setor. O diretor do IPB, Marcos Fuchs, explicou que a instituição foi criada após a Seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) editar uma resolução com as regras para o desenvolvimento dessa prática, em 2001.

Na época, a regulamentação teve como objetivo acabar com a polêmica em torno da chamada advocacia pro bono e evitar confusões em relação à assistência jurídica gratuita para pessoas físicas que, pela Constituição, deve ser prestada pelo Estado. Pela norma, havendo honorários, os mesmos serão revertidos à entidade beneficiária dos serviços, por meio de doação celebrada pelo advogado ou sociedade de advogados prestadores da atividade pro bono.

Fuchs contou que diversas entidades são beneficiadas atualmente. O trabalho pro bono é fundamental para o melhor acesso à Justiça e para uma democracia que se preocupa com o direito do cidadão de ter acesso digno à Justiça. Esse é o nosso grande desafio e objetivo: fomentar a advocacia solidária e voluntária, disse.

De acordo com Fuchs, esse tipo de assistência se faz necessária em um país com enorme déficit de acesso à justiça para grande parcela da população brasileira. Segundo afirmou, somente em São Paulo, a proporção é de um defensor público para cada 58 mil pessoas necessitadas de assistência jurídica gratuita, uma vez que ganham menos de 3 salários mínimos. Por essa razão, ele comemorou a resolução editada pelo CNJ. Tentamos já há mais de oito anos conseguir uma regulamentação nacional para advocacia solidária de interesse público e para pessoas físicas. Apenas com o CNJ isso se tornou viável, afirmou.

Em nível regional, escritórios e advogados fazem o que podem para serem solidários. Exemplo disso é o Posto Avançado de Proteção Integral, que presta assessoria jurídica gratuita na área da infância e juventude, no Rio de Janeiro. Idealizado pela advogada Tânia da Silva Pereira e financiado pela Seccional fluminense da OAB, o projeto conta com o apoio de 15 profissionais da área jurídica, mais estagiários, que atuam como voluntários.

A advogada Cecília San Martin Freitas é uma das integrantes do projeto. Ela explicou que o posto funciona de segunda a quinta-feira, dentro da Vara da Infância e Juventude da Capital. Cada voluntário trabalha uma vez por semana, numa espécie de plantão, acompanhando as causas desde o início até o desfecho, tal como defensores públicos. O atendimento é feito por ordem de chegada e começa por volta das 9h da manhã. São atendidas cerca de 10 pessoas por dia.

Acho esse trabalho muito importante. Sempre levantei a bandeira do serviço voluntário e não apenas na área jurídica. O trabalho voluntário faz com que fiquemos mais humanos, disse Cecília, que participa do projeto há quatro anos.

Outro escritório a praticar a advocacia pro bono é o Gouvêa Vieira Advogados. Uma das entidades beneficiadas pela banca é o TASK - The Abandoned Street Kids do Brasil, instituição inglesa de apoio a crianças abandonadas, que atende em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. O advogado Jorge Eduardo Gouvêa Vieira contou que começou a prestar assistência gratuita para a entidade há seis anos, depois que um cliente que apoia o projeto lhe disse que a instituição precisava de serviços jurídicos. A casa atende hoje 30 crianças.

Ajudamos em questões relacionadas à contratação ou rescisão de trabalhadores, registro de doações e registro de obras de ampliação da casa, explicou Vieira, lembrando que o escritório sempre foi a favor da chamada advocacia solidária. A política do escritório é estimular. Estimulamos os advogados a se envolverem nesses projetos, acrescentou.

O Instituto Ling é outra instituição que conta com o apoio do Gouvêa Vieira Advogados. Criada em 1995, a entidade patrocina parte dos estudos de brasileiros em universidades do exterior. A banca colabora justamente com a seleção e o financiamento dos estudantes.

O Instituto Ling foi criado pela família Ling, do Rio Grande do Sul, que é produtora de Soja. Eles oferecem bolsas de estudos em várias universidades do mundo para alunos que não tem condições de pagar. Financiamos até 30% da bolsa com o compromisso de que ele irá estornar a entidade, para que possamos financiar outros estudantes, explicou o sócio José Francisco Gouvêa Vieira, sobre o funcionamento do projeto. De acordo com ele, o trabalho do instituto possibilitou a revelação de muitos talentos que apenas precisavam de uma oportunidade.

Uma instituição também beneficiada é o Viva Rio. O sócio Jorge Hilário Gouvêa Vieira integra o conselho da entidade e é presidente da VivaCred, empresa de crédito para comunidades carentes. Para mim, esse trabalho não é sacrifício nem uma realização, é uma prática normal. O advogado deve sempre prestar esse tipo de serviço sem esperar contrapartidas, afirmou.

REGULAMENTAÇÃO. Um dos empecilhos à advocacia pro bono no País era justamente a falta de regulamentação em nível nacional. Antes da iniciativa do CNJ, a advocacia esperava que as regras viessem do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Um projeto de resolução nesse sentido tramita no órgão desde 2002. José Guilherme Carvalho Zagallo, integrante da Comissão de Acesso à Justiça, afirmou que o texto final deverá ser entregue neste mês.

Segundo o advogado, a resolução deverá trazer regras sobre o cadastramento de advogados e fixação de convênios com instituições de ensino para estimular a prática da advocacia solidária. Uma das preocupações da Ordem e evitar a capitação ilícita de clientes ou mesmo a autopromoção das bancas.

Zagallo disse que a OAB nacional não é contrária a iniciativa do CNJ de estimular a advocacia voluntária no País, mas criticou a resolução do órgão, por regular questões sobre as quais não teria competência. Temos dois problemas com a orientação do Conselho. A primeira, é que ela excede um pouco sua competência do CNJ. O Conselho tem poderes administrativos sobre o Judiciário. Sobre o exercício da advocacia, então, não poderia regulamentar, afirmou o advogado, para quem o Conselho também poderia ter estabelecido um diálogo maior com Ordem, antes de editar a orientação.

De acordo com ele, embora a iniciativa de estimular a prática no País seja positiva, é preciso haver cuidados. A advocacia pro bono é uma atividade muito comum em todo o mundo e pela qual a OAB tem muita simpatia. Achamos importante incentivá-la, mas com parâmetros. Não queremos transformar a advocacia pro bono em uma política alternativa à falta de defensores públicos. Uma coisa não substitui a outra, afirmou.

Enquanto a regulamentação do Conselho Federal não vem, iniciativas para nortear as bancas sobre o melhor método para desenvolver a prática é o que não faltam. Rubens Naves - do escritório Rubens Naves, Santos Jr. e Hesketh Advogados - presidente do Comitê de Advocacia Comunitária e de Responsabilidade Social do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados. Ele explica que o órgão tem como uma de suas funções justamente orientar sobre a melhor forma de estruturar a advocacia pro bono.

Esse comitê procura disseminar normas e a política do escritório em relação a essa prática. Por exemplo, o ideal é que a sociedade assuma a advocacia pro bono e que remunere o advogado que prestar assistência a entidade. Também que essa prática não seja desenvolvida de forma solta, mas que reflita o valor e a filosofia do escritório, afirmou.

O escritório de Naves também desenvolve a advocacia pro bono. A banca atende quatro entidades do Terceiro Setor. Entre elas, a Artigo 19 Brasil, que defende a liberdade de imprensa. Recentemente, a sociedade ingressou como amicus curie em nome da entidade em uma ação que questiona artigos da Lei de Imprensa no Supremo Tribunal Federal (STF).

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