29/03/2009 - 16:06

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CNJ revela conluio entre juízes e polícia

CNJ revela conluio entre juízes e polícia

 

 

Do jornal O Estado de São Paulo

 

29/03/2009 - Os mutirões carcerários e vistorias nos tribunais estaduais e varas de Justiça, realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), têm revelado surpreendentes caso de burla das leis. No Piauí constatou-se que policiais diziam a alguns juízes da capital, Teresina, quais criminosos deveriam permanecer presos, independentemente de condenação ou denúncia do Ministério Público. O código estabelecido entre eles era simples: os inquéritos dos presos que os policiais consideravam perigosos eram remetidos dentro de capas pretas.

 

A prática já foi abolida, por ordem judicial. Mas continua sendo citada como símbolo dos erros que se encontram nas vistorias. "É um mundo de horrores a Justiça criminal brasileira", classificou o presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes, que também preside o Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Durante todo o ano passado, foram realizados em Teresina apenas nove julgamentos de júri. A explicação mais provável para isso é a "Justiça da sentença da capa preta".

 

O conselho identificou irregularidades e produziu relatórios pormenorizados em todos os Estados por onde passou. No Maranhão, policiais requisitados pelo Tribunal de Justiça faziam a segurança da casa de desembargadores. Alguns, de acordo com relatos de juízes do CNJ, ajudavam nas compras de supermercado.

 

Ainda no Piauí, um juiz guardava num cofre processos que já deveriam ter sido julgados - fato que deu origem à suspeita de que poderia negociar com as partes a demora do julgamento. No mesmo Estado apareceram relatos de que processos disciplinares contra magistrados eram entregues aos investigados. Alguns desses casos nunca foram julgados.

 

No Maranhão foram encontrados indícios de que juízes fraudavam a distribuição de processos para beneficiar empresários da região.

 

O problema mais comum encontrado pelos técnicos do CNJ nos seis Estados vistoriados foi o descontrole processual e administrativo em varas e tribunais. Isso resulta em processos perdidos ou confisca dos por advogados e promotores, julgamentos que esperam quatro anos para ter os acórdãos publicados, autores de crimes graves que nem sequer são procurados pela Justiça, gastos supérfluos e decisões que nunca são executadas e poderiam se converter em receita para os cofres públicos. Um exemplo: a Prefeitura de Teresina deixou de arrecadar R$ 280 milhões em processos fiscais porque as decisões não são executadas.

 

Em poucos dias no Maranhão, o CNJ identificou pagamentos de salário a funcionários fantasmas, milhares de processos parados há anos, casos de nepotismo e a permanência nos presídios de pessoas que já deveriam ter sido liberadas.

 

No Pará, o cenário não foi diferente. Em algumas das varas, como a de Marabá, mais de 2 mil processos estão parados, alguns desde 2005. Em Belém, há centenas de processos retirados por advogados e promotores desde 1998 que nunca voltaram para as mãos dos juízes.

 

Na Bahia, "há dezenas de milhares de processos aguardando despachos, decisões e sentenças". Alguns estão lá há vários anos. Outros, nos juizados criminais, já prescreveram.

 

 

Mais vistorias

 

Diante dessa realidade, o conselho aprovou uma série de orientações que já começaram a ser cumpridas pelos tribunais nos Estados. No Maranhão, parentes de magistrados começaram a ser demitidos. Paralelamente, foram abertos processos administrativos para apurar irregularidades cometidas por juízes e o pagamento a funcionários fantasmas foi suspenso.

 

Em outra frente, o CNJ aprovou também resoluções para tentar coibir a repetição dessas irregularidades. Uma delas é a determinação para que os tribunais sigam um plano plurianual, estabelecendo um cronograma de gastos por períodos de cinco anos. A intenção é reduzir a disparidade entre os tribunais e as varas do interior dos Estados.

 

Outra resolução obriga os juízes a enviar trimestralmente relatório com dados das prisões temporárias. Com isso, o CNJ quer reduzir os casos de presos temporários que cumprem penas superiores ao previsto para os crimes que cometeram.

 

Nos próximos meses, o conselho fará novas vistorias. Em abril, serão vistoriados os presídios do interior do Amazonas, assim como tribunais e varas de Alagoas e Paraíba.

 

 

O que a Corregedoria do CNJ achou em apenas seis estados

 

Processos roubados

 

Essa é uma prática comum encontrada pelo CNJ na Justiça dos Estados: advogados e procuradores retiram processos para analisar as investigações, mas nunca mais os devolvem aos juízes. No Pará, um advogado retirou um processo da 7.ª Vara Cível de Belém em 1998 para estudar como defenderia seu cliente. Passados 11 anos, o processo ainda não foi devolvido e, naturalmente, nada foi julgado. Como esse caso, há outros 748 processos na mesma vara que já deveriam ter sido devolvidos. Na 2.ª Vara do Júri, o CNJ ouviu relatos de que 25 processos foram extraviados e estariam nas mãos de uma juíza aposentada.

 

No Maranhão, foi o Ministério Público que retirou 280 inquéritos e ações penais da 8ª Vara Criminal para análise.

 

Todos estão com prazo vencido e já deveriam ter voltado às mãos dos juízes - o mais antigo datava de 2005.

 

Na 9ª Vara Criminal de São Luís, um processo está com o advogado desde 2004. E os juízes só percebem que devem cobrar a devolução dos autos quando a outra parte da ação reclama.

 

 

Devagar, quase parando

 

Na Bahia, milhares de processos criminais prescrevem todos os dias por falta de julgamento. Outros não são concluídos e ficam aguardando reclamação das partes para que sejam julgados. Há também milhares de processos que aguardam há anos o cumprimento de despachos rotineiros, como uma simples intimação.

 

No Pará, centenas de processos permanecem nas prateleiras à espera da reclamação das partes. Um exemplo é a 3.ª Vara de Marabá, com mais de 2 mil processos parados,alguns desde 2005. A situação se repete no Maranhão, onde mais de 5 mil cartas precatórias estão encaixotadas.

 

O CNJ constatou também o atraso na elaboração de laudos periciais, especialmente para avaliar sanidade mental. Em alguns casos, há demora de até um ano para a marcação do exame, que é feito apenas seis anos depois.

 

 

Rapidez suspeita

 

Na 6.ª Vara Cível de São Luís (MA), apesar de alguns processos estarem paralisados há mais de um ano, a execução de um título judicial de R$ 1,5 milhão foi julgada em poucas horas. A sentença, apesar do tempo exíguo de duas horas, tinha 20 laudas.

 

O CNJ investiga tamanha rapidez. O CNJ levantou também a identificação de juízes que deixam certos processos parados por até 5 anos, mas aceleram a tramitação de outros recém-protocolados.

 

Há suspeitas, ainda não comprovadas, de favorecimento de empresários no Estado do Amazonas, por exemplo.

 

 

Máquinas de escrever

 

Na era da informática, os computadores ainda não chegaram a determinadas varas do interior do Piauí e do Amazonas - apesar das verbas orçamentárias previstas para a aquisição de computadores.

 

As máquinas de escrever ainda são o principal instrumento de trabalho de alguns juízes.

 

Em Belém, a 12.ª Vara Criminal não dispõe de máquina copiadora - os juízes precisam apelar ao prédio vizinho para copiar documentos. Em algumas comarcas, as provas da prática de crimes são guardadas sem o devido cuidado. No Piauí, um assassinato cometido com uma pedra ainda estava à espera de julgamento - a pedra, prova do crime, era deixada no chão do cartório. Na mesma sala, desguarnecida de seguranças ou de cofre, são armazenadas as armas de fogo usadas em outros crimes. O mesmo problema enfrenta a Justiça de Belém e a Justiça Militar do Rio Grande do Sul.

 

 

Ricos e pobres

 

No Piauí, a corregedoria do CNJ se deparou com cartórios judiciais privatizados. Alguns desses cartórios foram divididos para prestar atendimento diferenciado à população rica e à população pobre. Para a população pobre, a estrutura é precária.

 

 

Sem concurso, só amigos

 

Enquanto determinadas varas da Justiça contam com apenas um funcionário, desembargadores do TJ do Maranhão têm à sua disposição até 18 servidores, num total de 426 comissionados - nenhum deles é concursado. Os gabinetes não têm estrutura física suficiente para comportar esses servidores. Por isso, é preciso dividir os servidores em dois turnos: parte trabalha de manhã e outra parcela, à tarde; mas não há controle de frequência. De acordo com a presidência do tribunal, as indicações dos comissionados estariam amparadas pela legislação estadual e por uma resolução do tribunal. O CNJ tem outra interpretação: a lei, de fato, permite a reserva de cargos em comissão, mas não prevê que ocupem cargos nos gabinetes dos desembargadores.

 

 

Nepotismo continua

 

Apesar da proibição da contratação de parentes no Judiciário desde 2005, há vastos indícios da prática de nepotismo. Nos gabinetes dos desembargadores do Maranhão, além da falta de servidores concursados, há evidências da contratação de parentes e de nepotismo cruzado. Na Justiça Militar do Rio Grande do Sul, há cinco casos de nepotismo sob investigação. Outros cinco ocupantes de cargos em comissão no Ministério Público e no Tribunal de Contas são parentes de juízes.

 

No Pará, há indícios que corroboram a prática de nepotismo direto e cruzado. Por determinação do CNJ, o tribunal investiga as denúncias. Alguns diretores já foram afastados. No Piauí, integrantes do TJ admitiram a contratação de parentes. Podem ser mais de 100.

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