03/08/2022 - 16:10

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Contrato de namoro pautou debate na OABRJ

Evento marcou posse da Comissão de Assuntos Cartoriais e Registros Oficiais Compulsórios da Seccional

Felipe Benjamin


Uma plateia que lotou o Plenário Evandro Lins e Silva, na sede da Seccional, acompanhou, na manhã desta quarta-feira, dia 3, o evento "Advocacia extrajudicial - escritura de namoro, de união estável e seus efeitos". O deabte marcou a cerimônia de posse da Comissão de Assuntos Cartoriais e Registros Oficiais Compulsórios (CAC) da OABRJ, que em sua palestra inaugural discutiu os efeitos dos contratos de namoro nas relações afetivas e questões previdenciárias e de sucessões. 

"O namoro antigamente, numa sociedade patriarcal, era apenas o início de uma relação que se estabilizaria com o casamento", afirmou a presidente da CAC, Daniela Galvão. "Hoje, nesse novo modelo de sociedade, com o empoderamento feminino, o namoro pode ser, e muitas vezes é, um fim em si mesmo, sem projetos futuros, e que deve ser já esclarecido e entabulado entre as partes porque as questões patrimoniais vão tomando vulto nas relações. A pandemia ajudou a Humanidade a encarar sua finitude e a necessidade de discutir nossos relacionamentos de um ponto de vista mais concreto e objetivo".


Na abertura do evento, a vice-presidente da OABRJ, Ana Tereza Basilio, saudou a mesa e destacou o trabalho da comissão.

"Talvez um dos assuntos mais delicados na área da família seja a questão das relações humanas que não são travadas mediante matrimônio", afirmou Ana Tereza. "Confesso que, embora seja juridicamente recomendável celebrar um contrato de namoro, se eu estivesse num relacionamento e recebesse essa sugestão, teria um constrangimento imenso, porque o namoro, por sua própria essência, é algo informal. Depois que o Supremo Tribunal Federal deu a igualdade de condições hereditárias para as uniões estáveis, surgiu essa necessidade de delimitação das relações. Trata-se de um tema delicadíssimo, mas também importantíssimo, e dou aqui os parabéns a todos os membros da comissão por trazerem esse debate".

Compuseram a mesa o defensor público do Estado do Rio de Janeiro e presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Luiz Paulo Vieira de Carvalho; o procurador-geral da OABRJ, Fábio Nogueira; a tabeliã do 15º Ofício de Notas da Comarca da Capital, Fernanda de Freitas Leitão; a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e vice-presidente da Comissão de Magistrados de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), Andréa Pachá, e o conselheiro federal da OAB, Eurico Telles.

"Sempre defendi o contrato de namoro", afirmou Luiz Paulo. "Nele, as pessoas expressam essa manifestação de vontades através de um negócio jurídico bilateral especial de Direito de Família. Todos nós temos autonomia da vontade para decidirmos se queremos constituir família ou não. Deve haver essa intenção, porque a família produzirá efeitos pessoais e patrimoniais absolutamente relevantes. Séculos atrás já existia essa previsão. Diziam as ordenações filipinas que 'todos aqueles que estejam vivendo em fama de cama e mesa, como se marido e mulher fossem, estabelecem uma família'. A Revolução Soviética de 1917 também estabelecia que a formação da família acontecia com o registro civil ou quando o casal passasse a viver como marido e mulher".

As mudanças nas relações familiares e afetivas nas décadas mais recentes foi um dos temas abordados pela desembargadora Andréa Pachá em seu discurso.

"Não é recente a alteração da nossa percepção das relações familiares e do Direito que as rege", afirmou Andréa. "Eu era advogada em um tempo no qual um homem que tinha um filho fora do casamento era proibido de reconhecer esse filho, porque a ordem constitucional vigente protegia o casamento. Em nome do interesse do matrimônio nós negligenciamos todos os direitos da parentalidade e do afeto, e isso era encarado de forma muito natural. Essa era uma realidade até pouco tempo no Brasil. Quando passamos a inserir o afeto e o amor na conjugalidade, muitas questões emergiram. Hoje, ninguém imagina uma mulher sendo oferecida em casamento a um companheiro e tendo que se submeter a essa situação. A patrimonialização do Direito de Família hoje ocupa o lugar que antes era da afetividade. Os conflitos nas varas de Família hoje dizem respeito a patrimônio, e essa é a mudança mais significativa no Direito familiar. Temos visto conflitos absolutamente disfuncionais por conta da falta de clareza na orientação e na normatização das relações sucessórias decorrentes desses vínculos".  

O uso do contrato de namoro como instrumento e proteção patrimonial foi defendido pela tabeliã Fernanda Leitão.

"Por que as pessoas vão a cartórios fazer escrituras de namoro? Porque querem deixar claro quais as intenções das partes, e estabelecer que aquela relação afetiva não é uma união estável. O problema surge na questão sucessória, e é com esse receio que as pessoas vão aos cartórios. Fazer um contrato de namoro é se planejar para evitar problemas no futuro e deixar as coisas muito claras. Mas temos um problema cultural. Falar de dinheiro sempre leva uma das partes a pensar que não tem a confiança do parceiro. Deixar as coisas expressas é um mecanismo de planejamento sucessório e o documento público é o que eu aconselho para as partes".

A desembargadora Andréa Pachá destacou, ainda, a necessidade de evolução nos sistemas sucessórios.

"O contrato de namoro, embora seja uma excrecência romântica, não é um aborto jurídico", afirmou a desembargadora. "Vejo muitas mulheres autônomas, com renda própria, que querem namorar a vida inteira e não querem casar, e não conseguem fazer isso sem esse fantasma da união estável pairar sobre a cabeça do casal. Esse fantasma existe porque duas pessoas adultas, autônomas e livres se veem compelidas a condição de cônjuges. Essa discussão sobre namoro ou união estável não existiria se admitíssemos que as pessoas vivessem juntas sem as obrigações decorrentes do casamento, em nome da preservação do patrimônio. É importante que os advogados fortaleçam a autonomia de vontade na hora da elaboração de um documento como esse. Precisamos discutir um sistema que seja seguro, igualitário e que afirme esses direitos, porque continua sendo imensa a injustiça provocada pela falta de clareza no sistema sucessório que se dissociou dos sistema familiar".

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