02/12/2019 - 13:17 | última atualização em 02/12/2019 - 13:19

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Diante de ataques ao direito de defesa, nada a comemorar no Dia da Advocacia Criminal, dizem Nilo Batista e Técio Lins e Silva

Clara Passi

Um dos clichês que cercam a advocacia criminal é o do advogado que se imiscui nos delitos do cliente, como se comparsa fosse. Tal noção seria inofensiva se povoasse apenas roteiros de ficção, mas o que se vê são tentativas reiteradas de cerceamento da atuação do criminalista por parte das autoridades, que fragilizam o direito de defesa do cidadão e o Estado democrático de Direito. Exemplos recentes são o Projeto de Lei 442/2019, do deputado Rubens Bueno (PPS/PR), apresentado em fevereiro, que equipara o recebimento de honorários advocatícios à lavagem de dinheiro, e a quebra do sigilo bancário do escritório do advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira pela Justiça Federal de Brasília, também em fevereiro, duramente criticada pela Ordem. Mariz foi advogado do ex-presidente Michel Temer até dezembro de 2018, sem cobrar honorários. 

Nesta segunda-feira, dia 2, Dia da Advocacia Criminal Brasileira, o Portal da OABRJ pediu reflexões sobre o tema a dois dos mais respeitados nomes da área: o presidente do Instituto Carioca de Criminologia e ex-presidente da Seccional (1985-1986), Nilo Batista, e o ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) Técio Lins e Silva, ambos professores de Direito Penal. 

Quais são as principais dificuldades de se exercer a advocacia criminal hoje? 

Técio Lins e Silva: Igualar o advogado ao cliente é uma visão com a qual sofríamos na  ditadura, quando defendíamos os inimigos do governo, os presos políticos. O poder nos tratava também como inimigos e os clientes acabavam preferindo outros advogados menos comprometidos. Hoje, há um retorno a esse modo de nos olhar. Antes, havia repressão política. Hoje, é a repressão pela repressão. A advocacia tem um pedaço de culpa nisso na medida em que chega na porta do tribunal e aceita levar “uma geral”, aceita que o juiz não o receba e vai deixando para lá para não criar caso. Fomos lenientes. Não poderíamos ter permitido o mínimo de desrespeito à profissão. Esse desmedido e inexplicável poder que o Ministério Público pensa que tem e exerce, os mandados de busca e apreensão em escritório de advocacia eram inimagináveis. No auge da ditadura, o lugar mais seguro era o meu escritório. 

É grave a legislação proposta que trata da interceptação da comunicação do advogado com o cliente na prisão [O pacote de reformas penais apresentado pelo governo Bolsonaro em fevereiro quer permitir a gravação de conversas entre advogados e clientes presos, mesmo que o defensor não seja investigado. O projeto do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, altera a Lei 11.671/2008, que regulamenta os presídios federais de segurança máxima]. 

Trata-se de grampo oficial da conversa com o preso. Quer coisa mais brutal e violenta?

Nilo Batista: Reconheço uma conjuntura desafortunada para a advocacia criminal, pois o país vive uma doença que é acreditar na pena como fator de transformação social e de aperfeiçoamento humano. Tem quem acredite nisso. Gente muito ignorante, é claro. Todos os avanços que a humanidade conseguiu foram feitos contra a pena. Infelizmente, no apogeu dessa doença nacional, a advocacia criminal sofre particularmente porque sobra para ela o punitivismo redentor. Acaba recaindo no lombo do advogado aquilo que se dirige contra o cliente.

Como a advocacia criminal pode se proteger? 

Técio Lins e Silva: É preciso reagir ao mínimo sinal, manter uma postura de inconformismo. No Supremo Tribunal Federal você é submetido a uma revista que não tem paralelo com a que se realiza na cadeia. Protestei na tribuna quando foi julgada a Ação Declaratória de Constitucionalidade sobre prisão após condenação em segunda instância. Era advogado do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), que atuou como amicus curiae. Nós, os advogados, não levamos pedras nos bolsos do paletó, mas cláusulas pétreas. 

Nilo Batista: Temos que ser muito vigilantes, zelosos com as prerrogativas, que não beneficiam a nós, já que a advocacia é o pulmão e o diafragma do Estado democrático de Direito. 

E como a Ordem pode contribuir para mudar essa cultura?

Técio Lins e Silva: A Ordem tem a responsabilidade de agir. A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) lançou a campanha “Assim, não, excelência”, que insta os colegas a se insurgirem contra violações de prerrogativas. No Superior Tribunal de Justiça, tem juiz que não recebe advogado ou o faz em condições precaríssimas. Você não consegue, como representante do cidadão, falar com o servidor público que pensa que está acima da lei. No Rio, até juízes oriundos do Quinto Constitucional dificultam o acesso. Só Freud explica. 

Nilo Batista: É preciso que a OABRJ continue a luta que o presidente Luciano Bandeira travou tão bem à frente da Comissão de Prerrogativas. E que mais colegas valorosos se juntem a ela.

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