15/09/2008 - 16:06

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Dipp: 'Grampo telefônico legal é prova essencial para Justiça'

Dipp: 'Grampo telefônico legal é prova essencial para Justiça'


Da Folha de S.Paulo

15/09/2008 - Considerado um dos maiores especialistas em combate à lavagem de dinheiro no país, o novo corregedor do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp, 63, afirmou em entrevista à Folha que o grampo legal "é uma prova essencial" e que ficar preso ao seu debate é "perder o foco". Disse que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, de 1979, é "obsoleta" e que as varas brasileiras especializadas em lavagem de dinheiro e combate à corrupção servem de "exemplo para o mundo".


Leia abaixo a entrevista do ministro Gilson Dipp

Na mesma semana em que o sr. assumiu a corregedoria do CNJ, o conselho aprovou a resolução dos grampos, sob críticas de que o ato poderia limitar a liberdade e autonomia dos magistrados. Isso tem algum sentido?

Em nenhum momento interfere na deliberação do juiz de deferir ou indeferir um pedido de interceptação telefônica. E não interfere no conteúdo dessas interceptações. O que a resolução pretendeu dar é uma uniformidade procedimental para os juízes de todo o Brasil, que não são apenas os juízes de varas especializadas criminais de São Paulo, de Porto Alegre, de Curitiba, Belo Horizonte. Mas todo o juiz que tiver competência criminal nesse imenso Brasil, que precisa, na solidão de seu gabinete, ter alguma diretriz de rotinas de procedimentos.


Mesmo assim, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) ameaça entrar no STF (Supremo Tribunal Federal), dizendo que o CNJ extrapolou sua função...

O conselho não fez nada de novo. Apenas formulou um ato normativo de procedimento, de rotina, exatamente para preservar o sigilo da investigação, para preservar a eficácia da instrução processual e certamente para beneficiar um julgamento mais justo, mais isento. A resolução foi editada para preservar a autonomia e independência do juiz. Não vejo maior procedência nessa crítica, porque, se tivesse um mínimo de indícios de interferência na decisão judicial, eu jamais teria votado pela aprovação. Até porque praticamente todas essas rotinas já são utilizadas há muito tempo.


Quais serão os critérios adotados pela corregedoria para julgar se houve excessos de um magistrado, analisando apenas as estatísticas?

Em primeiro lugar, as estatísticas que estão sendo divulgadas certamente não correspondem à realidade. Eu posso dar o exemplo de duas varas criminais federais especializadas em crimes financeiros e lavagem de dinheiro. A 2ª Vara Federal de Curitiba, onde existem 1.200 inquéritos e ações penais em andamento, e apenas duas interceptações telefônicas autorizadas, e a Vara Federal de Porto Alegre, com cerca de 900 processos e inquéritos sobre crimes complexos e duas ou três quebras de sigilos telefônicos. Agora, o conselho quer ter pelo menos o controle de quantas interceptações vem sendo feitas no Brasil e quantos ofícios foram expedidos para as operadoras. Para que, em caso de algum número que extrapole a média, saber do que se trate, não em pessoas ou conteúdo, mas saber se aquela investigação realmente diz respeito a um crime que mereça uma maior profundidade.


Mas o próprio presidente do STJ, Cesar Asfor Rocha, fez um mea-culpa, pelo excesso e o descontrole das interceptações legais...

Há um caso tópico que eu li na imprensa, no Rio, que merece um cuidado maior. Porque em uma comarca pequena tem um número excessivo de interceptações telefônicas. Mas isso é uma coisa que a corregedoria do Rio de Janeiro certamente está investigando. Eu só digo que o juiz brasileiro é competente, ele sabe discernir quando deve deferir ou indeferir uma interceptação telefônica, evidentemente o que não se pode é banalizar a interceptação telefônica como um início de prova, como uma prova prospectiva. Deve ser uma prova complementar, baseada já em outros elementos que indiquem a materialidade do delito. Também a interceptação não deve servir para furto de galinha. A interceptação telefônica é para crimes graves.


O sr. acredita que as interceptações estão sendo condenadas na sociedade, por conseqüência de grampos ilegais envolvendo autoridades?

O momento histórico social do Brasil leva a crer isso. Porque não se pode confundir grampos ilegais, promovidos ou por agentes públicos, desviados de sua função, ou por agentes terceirizados, com grampos deferidos judicialmente. Para as interceptações telefônicas judiciais há mecanismos legais de controle. Há recursos para que tribunais superiores possam ratificar ou modificar a decisão, como tem ocorrido.


A discussão sobre grampo não acaba tirando o foco de casos de corrupção e lavagem de dinheiro investigados pela Justiça brasileira?

Geralmente a opinião pública e a própria mídia dão muita importância para os efeitos colaterais. Não se pode esquecer que essa é uma prova essencial. Esse meio de prova constitucional não pode desviar o foco da conduta criminosa. Mas no momento em que nós desviarmos o foco para a licitude ou ilicitude da prova, para a verificação se o juiz está se excedendo ou não em autorizar interceptações telefônicas, se a polícia está ou não se excedendo nos pedidos, se o Ministério Público também está se excedendo, e às vezes tudo isso pode acontecer, nós também estamos de certa maneira esquecendo do interesse social da ordem pública, que é o desvendamento do ato criminoso que gera inúmeros prejuízos para a sociedade e para a democracia.


Neste mesmo debate, surgiram críticas ao trabalho das varas especializadas, principalmente que tratam de lavagem de dinheiro. O próprio ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, chegou a reclamar que muitas vezes os inquéritos são feitos a seis mãos.

Quando uma investigação precisa se prolongar por mais tempo, evidentemente o juiz terá um contato mais seguido com o membro do Ministério Público e com o delegado que comanda a investigação. Isso é inegável. Mas é preciso que o juiz tenha um ponto de equilíbrio entre o direito ao sigilo, à intimidade dos investigados, e por outro lado, o interesse público, social. Porque, tendo essa consciência, ele vai sopesar as suas decisões para não ser contaminado por qualquer informação. Agora, será que o juiz não fica também contaminado por ter o contato seguido com advogados de defesa? É a mesma pergunta que se pode fazer.


Então criticar o trabalho das varas de lavagem de dinheiro é um tipo de generalização?

Exatamente. Não se pode fazer do caso pontual, em que se pode ter havido um ou outro excesso, uma negação de que essas varas têm um desempenho fundamental na aspiração da sociedade, que é reverter a impunidade. Ninguém mais interessado em criticar essas varas do que aqueles que respondem por processos nelas. As condenações mais eficientes que se deram no âmbito do sistema financeiro e de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico internacional de entorpecentes, se deram nessas varas, que estão sendo um exemplo para o mundo.


Como o sr. vê a situação de magistrados que são afastados pela suspeita de irregularidades em suas funções, mas que enquanto esperam um desfecho, continuam recebendo salários?

Penso que temos uma Lei Orgânica da Magistratura obsoleta, quando permite que os processos administrativos disciplinares contra magistrados se prolonguem no tempo.


Mas para resolver isso só com uma nova lei.

Isso está sendo reexaminado por uma comissão do STF que está exatamente elaborando uma nova lei. Mas mesmo com a lei atual há sim mecanismos de gestão, de vontade política dos tribunais. Assim vai ocorrer aqui no CNJ, para que esses processos não se prolonguem no tempo.


De que forma?

As corregedorias locais e o próprio CNJ precisam de vontade política. Ou seja, vontade de finalizar o processo para que o juiz envolvido, tendo a ampla defesa e o devido processo legal contraditório, possa ter em tempo útil para si e para a sociedade uma solução para o seu caso. A própria Constituição tem meios para que possamos fazer uma investigação adequada, apropriada e em tempo hábil. É isso que vamos procurar no CNJ.


O conselho recebeu nos últimos anos críticas de que ficou preso a questões menores, individuais. O sr. concorda?

Concordo. O conselho, até como um órgão que ainda não tinha experiência de atuação, foi muito criticado porque se acreditava que seria um órgão de controle, inclusive da autonomia jurisdicional dos juízes, o que não ocorreu. Para esse órgão veio toda aquela demanda reprimida de queixumes das partes, da população, em relação ao Judiciário, que tem suas deficiências. E o CNJ, ao receber esse turbilhão de queixas, num primeiro momento não encontrou o seu rumo e se perdeu em querelas individuais e corporativas. Mas ele não foi feito para isso. Foi para apurar desvios de conduta sérios, para promover políticas públicas no Judiciário.


Como no CNJ, também chegam ao Supremo muitas questões individuais...

Isso é uma distorção do sistema, uma distorção da nossa lei processual, mas isso também é uma distorção de vontade política dos magistrados. A população brasileira está muito propensa a recorrer ao Judiciário, após ficar 20 anos inerte porque havia um regime ditatorial que não dava acesso à Justiça. Quando a Constituição possibilitou esse amplo acesso, não teve mecanismos para dizer que ela também se faz sem precisar esgotar todas as instâncias do Judiciário. A decisão de um juiz singular tem o mesmo peso de uma decisão do STF.

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