10/03/2008 - 16:06

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Direito Penal: projeto de lei do Senado visa à extinção da prescrição

Direito Penal: projeto de lei do Senado visa à extinção da prescrição

 

 

Do Jornal do Commercio

 

10/03/2008 - Em janeiro deste ano, chegou ao Supremo Tribunal Federal o recurso de José Francisco Cabral Filho. O lavrador, de 62 anos, requeria o fim da pena de nove anos em regime fechado, a que fora condenado por estupro mediante violência presumida. A alegação da defesa era de que a infração teria prescrito. Ao analisar o caso, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito ponderou que, por se tratar de um crime hediondo, a pena deveria ser acrescida de mais três anos, como prevê a legislação específica.

 

Assim, o réu não foi posto em liberdade, pois o prazo prescricional também sofreu alteração com a ampliação da pena. A possibilidade de isto ocorrer, no entanto, levantou a ira dos críticos mais ferrenhos da prescrição. Dada a morosidade da Justiça brasileira, a reclamação é a de que o instituto - que permite a extinção da punição quando o Estado não age contra o criminoso no tempo legal - ajuda a perpetuar a impunidade.

 

Com o objetivo de mudar este quadro, não faltam propostas legislativas em curso no Congresso nacional. A maioria visa a suspender ou ampliar a prescrição em situações específicas, tanto no Direito Penal, como no Civil ou do Trabalho. Uma, entretanto, visa a acabar com o instituto para qualquer tipo de crime. De autoria do senador Gerson Camata (PMDB-ES), o projeto de lei 519/2007 modifica o Código Penal para estabelecer que a ação penal e a execução da pena não se submetem a nenhuma forma de prescrição.

 

Na avaliação do senador, não há mais lugar para o instituto da prescrição penal. "Não nos parece moralmente aceitável premiar a fuga ou a capacidade que o agente tem de esconder os traços do crime por ele cometido. Em vez de postergar o problema, alargando os prazos prescricionais, preferimos enfrentá-lo com a única solução verdadeiramente digna do ponto de vista da legalidade, qual seja, extinguir o instituto da prescrição penal", afirmou Camata, em seu projeto.

 

De acordo com o parlamentar, a medida visa a fortalecer a cultura da legalidade. "O que é melhor para a segurança dos cidadãos, admitir-se a prescrição dos crimes ou saber que eles serão punidos, seja quando for? Consagrar a regra da impunidade ou o compromisso perene de punição dos atos ilícitos?", indagou ainda.

 

Para especialistas, propostas como essa representam um equívoco. "O crime resulta da vida em sociedade, e o tempo modifica as relações sociais. Então, não tem sentido retornar muito no tempo, para julgar um fato ocorrido preteritamente, quando as relações já são diferentes", explicou Sérgio Mazina, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), sobre o porquê da criação do instituto.

 

De acordo com ele, na medida em que a Justiça é uma função do Estado, é natural que haja a prescrição. Isso também acontece no Direito Civil, ou seja, nas relações privadas. "Exemplo é o princípio do usucapião. Se o Estado não realiza a Justiça em um tempo hábil, nada mais natural que ele perca o direito de julgar esse indivíduo pelo decurso do tempo", ressaltou o especialista, acrescentando: "É preciso compreender que a pena não é aplicada como uma vingança, mas como forma de evitar a repetição de um crime. Então não faz sentido retomar isso depois de passado muito tempo desde que o crime aconteceu. A situação já se modificou", argumentou.

 

Segundo Mazina, a prescrição é uma regra quase que unânime entre os que atuam no Direito Penal, além de ser praticada em todo mundo. "O tempo legal para o julgamento de cada tipo de crime é o que varia de um país para o outro", explicou o especialista. De acordo com ele, nem sempre o instituto é aplicado a todos os tipos de crimes. Muitas nações elencaram infrações imprescretíveis, com base em fatos históricos e culturais.

 

No Brasil, constituí crimes inafiançáveis e imprescritíveis, segundo a Constituição, a prática de racismo e as ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. As demais infrações estão submetidas ao prazo legal, estabelecido pela própria Constituição. Mazina explicou que, se um crime tem uma pena máxima de um ano, a prescrição ocorre em dois anos, mas se a punição máxima for maior a 12 anos, a prescrição ocorrerá sempre em 20 anos.

 

"Isso é pacífico. Para você acabar com a prescrição de um crime, somente com uma emenda à Constituição. E isso é algo difícil porque a imprescritibilidade está entre os direitos e garantias individuais. Tem toda uma questão jurídica que torna quase impossível aumentar o rol de crimes imprescritíveis", disse Mazina, comentando que a lei não pode aumentar o rol de crimes imprescritíveis, mas apenas mudar o tratamento legal dado à prescrição.

 

 

Deveres

 

Na avaliação do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo, e também advogado criminalista, Luiz Flávio Borges DUrso, a prescrição é um meio de obrigar o Estado a cumprir os deveres os seus deveres. "A prescrição é um instrumento que serve para compelir o Estado a tomar atitudes, cumprir suas obrigações dentro de um prazo razoável, impedindo que se perpetue e eternize uma eventual perseguição criminal contra o cidadão", disse o advogado, acrescentando: "Muito mais que proteger o cidadão, a prescrição é um ônus que o Estado suportará como verdadeira punição caso não movimente a sua estrutura no tempo estabelecido em lei para concluir o processo criminal", afirmou.

 

O desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e professor de Direito Processual Penal da Universidade Católica de Petrópolis Miguel Pachá afirmou que a prescrição é um instituto necessário. "Da mesma forma que o Estado tem o direito de processar, o cidadão tem o direito de não ver o Estado iniciar uma ação contra ele e deixar que ela se perpetue", disse o ex-magistrado, que hoje atua como advogado do escritório Tostes e Associados Advogados. Para Pachá, 20 anos é tempo mais que suficiente para se processar e julgar uma ação. "Não será a ampliação do prazo para 25 anos, por exemplo, que vai modificar isso", acrescentou.

 

Na avaliação do desembargador, qualquer eventual mudança que se faça deveria ocorrer em relação o prazo prescricional em concreto, ou seja, que é aplicado segundo a pena determinada pelo Judiciário. Segundo Pachá, o prazo prescricional é sempre contado em função da pena. Assim, até que a sentença se torne definitiva, se é aplicada a prescrição em abstrato: aquela em que a pena máxima é utilizada como base em virtude da inexistência da sentença condenatória especificando o tempo da punição.

 

"Assim, o prazo prescricional em abstrato ocorre até a decisão definitiva. Depois, aplica-se a prescrição correspondente à pena determinada pelo Judiciário. As partes podem recorrer e pedir a revogação da sentença se verificado que esse prazo prescricional em concreto expirou. É com base na pena estabelecida é que se vai analisar se o prazo foi obedecido entre a ocorrência do fato e o oferecimento da denúncia. Se não foi obedecido, a prescrição ocorre", comentou Pachá, para quem os prazos precricionais aplicado à pena em concreto poderiam ser modificados. "O legislador poderia ampliar esses prazos", afirmou.

 

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