28/04/2008 - 16:06

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Empresas pautam Justiça no interior

Empresas pautam Justiça no interior

 

 

Do Valor Econômico

 

28/04/2008 - São cerca de 60 audiências por dia, 12 horas diárias de trabalho e oito mil ações que aguardam uma decisão da Justiça. A rotina descrita não surpreende quando se trata do Poder Judiciário brasileiro. Neste caso, no entanto, a situação chama a atenção por dois motivos: as ações referem-se a uma única empresa - a Vale. E tratam basicamente de um mesmo assunto: o pagamento do tempo de deslocamento dos trabalhadores entre Parauapebas - município de 95 mil habitantes no Estado do Pará - e as minas de Carajás e Sossego, de propriedade da empresa.

 

A situação não é exclusividade de Parauapebas. O fenômeno se repete em cidades que nasceram ou se desenvolveram a partir da presença de uma grande empresa na região. E, assim como influência o cotidiano destes municípios, também tem reflexos sobre o Judiciário. Em locais com estas características, a presença de uma única empresa e suas terceirizadas na pauta do Judiciário é comum em mais de 50% dos casos em tramitação. Um exemplo é o município de Macaé, no Rio de Janeiro. Em certas épocas do ano, cerca de 80% de ações que entram na pauta de julgamentos da Justiça trabalhista no município são contra a Petrobras e suas prestadoras de serviços. Em Volta Redonda, também no Rio, o mesmo ocorre com a presença maciça da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e suas terceirizadas nas ações propostas na Justiça do Trabalho local. A empresa aparece entre 60% a 70% dos julgados.

 

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Cláudio Montesso, afirma que esta é uma situação que normalmente caracteriza a Justiça do Trabalho no interior do país, onde há a presença preponderante de uma determinada atividade econômica. Segundo ele, no interior de São Paulo, por exemplo, nas regiões de produção de açúcar e álcool, a pauta do Judiciário é dominada por ações de trabalhadores das usinas. "A pauta é monotemática, são sempre os mesmos assuntos. É como enxugar gelo", afirma.

 

No exemplo de Parauapebas, há três anos a Justiça trabalhista no município atende basicamente a demanda dos trabalhadores da Vale e de suas prestadoras de serviço. Em 2006, a vara do trabalho, que possui capacidade para receber 1.500 ações, recebeu 3,5 mil processos. No ano passado foram 4,8 mil ações. A projeção para este ano, conforme o juiz Jônatas dos Santos Andrade, titular da 1ª Vara Trabalho do município, é de 8 mil ações. A demanda tem sido tamanha que em 2007 uma nova vara foi instalada em Parauapebas em razão do aumento de processos. A primeira instalada, em 1994, foi criada em função do aumento da demanda na região, até então atendida pela Justiça trabalhista instalada no município vizinho de Marabá. "A região vive em função da exploração mineral, a cidade nasceu em razão desta atividade", afirma Andrade. "Estamos sendo absorvidos por estas ações.". De acordo com o juiz, das dez mil ações referentes à Vale e suas prestadoras de serviço propostas nos últimos dois anos e meio, pelo menos em 60% já foram proferidas sentenças e os valores médios de cada ação são de cerca de R$ 5 mil - a maioria favorável aos trabalhadores.

 

O pedido principal dessas ações refere-se às chamadas horas "in itinere". Os trabalhadores reclamam o pagamento do tempo que gastam de deslocamento entre a cidade e as minas onde trabalham, período que, segundo o Ministério Público do Trabalho, seria de uma hora e meia. O procurador Francisco José Pinheiro Cruz, do Ofício de Marabá, afirma que a maior parte das ações é de trabalhadores terceirizados. "Quando termina o contrato da empresa com a Vale, o trabalhador entra com a ação contra a empresa terceirizada para a qual trabalhava e também contra a Vale. Como há uma rotatividade alta nas terceirizações, isto alimenta a chuva de ações", diz.

 

O juiz Fernando Reis de Abreu, da 1ª Vara do Trabalho de Macaé, no Estado do Rio, afirma que a enxurrada de ações contra a Petrobras também ocorre quando os contratos com as empresas terceirizadas são finalizados. "Acaba o contrato, a empresa vai embora e não paga a conta", diz. O magistrado afirma que muitas vezes a própria Petrobras arca com os valores que deixaram de ser pagos aos trabalhadores. "Em alguns casos ela retém o que deveria ser repassado para a empresa e paga os trabalhadores", afirma.

 

Em Parauapebas, o Judiciário trabalhista local deverá ter um alívio significativo. Isto porque em março o Ministério Público do Trabalho propôs uma ação civil pública contra a empresa e suas prestadoras de serviço na qual pede o pagamento destas horas de deslocamento e de R$ 100 milhões a título de danos morais. A ação foi aceita, mas ainda não há decisão. Com isto, a Justiça de Parauapebas suspendeu os processos individuais que tratam do mesmo assunto. Agora, o pedido dos trabalhadores dependerá da ação coletiva. Se a decisão for favorável, bastará ao interessado se habilitar na fase de execução do processo.

 

A Vale, por meio de uma nota, afirmou respeitar todos os trabalhadores envolvidos em suas atividades, assim como a legislação trabalhista. A empresa informa que está comprovado no processo, por meio de farta documentação, a existência de transporte público coletivo necessário para o deslocamento dos trabalhadores ao local de trabalho. Segundo a empresa, todas as empresas demandadas requereram a realização de perícia técnica para apurar a existência de transporte público coletivo, as distâncias e o tempo de deslocamento durante o transporte dos empregados. A Petrobras, procurada pela reportagem, não retornou os contatos.

 

Pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no caso de áreas de trabalho não servidas por transporte público, ou de difícil acesso, ou ainda se o deslocamento for fornecido pela empresa, o tempo gasto pelos trabalhadores deve ser computado na jornada de trabalho.

 

 

Em Volta Redonda, CSN é parte em 60% das ações trabalhistas

 

As três varas do trabalho de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, recebem em média três mil ações por ano cada uma. Atualmente, o acervo de cada vara corresponde a 15 mil processos. Do total dessas ações, 60% envolvem, de alguma forma, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), seja diretamente ou como responsável subsidiária em processos que envolvem alguma prestadora de serviço da empresa.

 

A rotina da Justiça do Trabalho no município espelha o que ocorre em outras cidades do país com o mesmo perfil. À medida que a CSN cresceu ampliando seus quadros, aumentou também o número de processos trabalhistas referentes a ela presente no Judiciário local. Segundo a juíza Linda Brandão, titular da 1ª Vara do Trabalho de Volta Redonda, um fator que colabora para este crescimento são as terceirizações, promovidas após a privatização da empresa. "As empresas terceirizadas, com raríssimas exceções, não cumprem os deveres trabalhistas", diz. Linda afirma que a história se repete: a terceirizada encerra o contrato com a empresa e não paga os empregados.

 

Por este motivo, processos que envolvem essas prestadoras de serviços e, por conseqüência, a CSN, são uma constante. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é no sentido de que a empresa contratante responde pela dívida subsidiariamente caso a prestadora de serviço não arque com suas responsabilidades ou não tenha meios financeiros para quitar o débito. Além dos processos dos terceirizados, a companhia ainda responde por situações relativas aos processos de empregados anteriores à privatização. É o caso da discussão sobre planos de saúde para os aposentados por invalidez. "Recebemos cerca de 700 processos somente sobre isto", diz. Procurada pela reportagem, a CSN preferiu não se manifestar.

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