10/06/2019 - 14:44 | última atualização em 12/06/2019 - 11:24

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‘Erros na segurança pública freiam crescimento’, diz Luciano Bandeira

Luciano Bandeira: “Não vai haver solução para a segurança do Rio sem que tenha solução do sistema penitenciário”

do Valor Econômico

No Rio de Janeiro que tenta superar a crise econômica e a violência, o presidente da seção estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), Luciano Bandeira, de 49 anos, tem uma causa em comum com Wilson Witzel — a entidade atua como “amicus curiae” na defesa do Estado pelos royalties do petróleo no Supremo Tribunal Federal (STF) — mas guarda uma série de reservas à política de segurança do governador. 

As diferenças para o estilo “xerife” de Witzel aparecem sob a forma de uma concepção que não seja simplista ou inconstitucional, afirma, como a permissão de se abater criminosos portando fuzis. A medida é criticada pelo advogado que assumiu a presidência da OAB/RJ neste ano, com mandato até o fim de 2021. Bandeira lamenta a continuidade da opção pelo confronto, mais fácil e “eleitoreira”, em vez de se atacar as causas da criminalidade. 

“O que me preocupa mais é a repetição de políticas que não deram certo: a política do confronto, da morte e da prisão”, diz o advogado, para quem o uso dos atiradores (“snipers”) em operações policiais vai contra a Constituição de 1988 e segue a linha de governos anteriores. Ele cita o de Marcello Alencar (1995-1998), cujo secretário de Segurança Pública, general Nilton Cerqueira, criou a “gratificação faroeste”, uma bonificação por chamados “atos de bravura” que aumentou a violência policial. 

“Se matar bandido e prender fosse solução, o Rio era o lugar mais seguro do mundo, porque temos a polícia que mais mata, a que mais morre e índices de população carcerária elevadíssimos. Pelo amor de Deus, é preciso uma discussão séria, porque não é isso que resolve a criminalidade. São soluções simples, para questões complexas”, diz Bandeira, sublinhando não ser contrário ao policiamento ostensivo, na rua. “Tem que ter combate à criminalidade, mas já se provou que não pode ser fim em si mesmo para haver uma segurança pública de verdade, de qualidade.” 

A OAB/RJ já se posicionou de forma contrária ao uso de “snipers”, um expediente que Bandeira considera inconstitucional, já que a Carta de 1988 não permite execuções. Nem mesmo pena de morte, o que se daria por processo legal, assim como uma pena perpétua, lembra. “O que a lei autoriza é a legítima defesa de terceiros. Teria que haver uma grave ameaça a terceiro, e não é essa a política que me parece estar sendo implementada”, diz. Para o presidente da OAB fluminense, é difícil até avaliar o alcance da medida, pela falta de transparência. “Queremos saber a informação: alguém já foi atingido com tiro de ‘sniper’? Tem que apresentar esses dados para a sociedade. Não vi nenhuma divulgação do Estado nesse sentido”, diz. 

Para além da questão legal e de direitos humanos, o advogado afirma que o recurso não chega perto de atacar o problema: “[A polícia] Vai dar o tiro na cabeça de um, o fuzil vai cair e outro vai pegar na mesma hora”. Isso se inocentes portando, por exemplo, uma furadeira ou um guarda-chuva — como já aconteceu em operações — não forem confundidos com bandidos", destaca. 

Bandeira defende posições que o colocam na contramão da onda conservadora trazida pelas eleições de Witzel e do presidente Jair Bolsonaro. É contra a redução da maioridade penal, da ampliação da posse e do porte de armas, e dos “excessos” das prisões provisórias, mais criticadas após a Operação Lava-Jato. 

“Nunca foi um problema porque era coisa de preto e pobre e agora virou um drama porque passou a atingir a classe média e alta. Aí vemos o racismo institucionalizado brasileiro”, aponta. Sobre a objeção ao porte de armas justifica: “Até porque temos um caso interessante com o presidente da República. Ele era um militar, com treinamento militar, estava armado de moto e foi roubado. Levaram a arma e a moto. Me parece então que a solução não é estar armado”. 

O advogado é a favor da unificação das polícias civil e militar, da liberação das drogas como vem sendo feito em vários Estados americanos — “O Colorado arrecadou tanto imposto que chegou a devolver dinheiro aos contribuintes no fim do ano fiscal”, diz — e da reforma do sistema penitenciário, que destaca como ponto central para a segurança pública. Para ele, a violência não será reduzida enquanto a situação dos presídios não for melhorada e as unidades prisionais permanecerem sendo centros de recrutamento para facções, em vez de lugar para reabilitação. 

Ele defende o modelo de celas individualizadas, três refeições diárias, condições de estudo e de trabalho para que o preso fique “dois anos e nunca mais volte”. “Temos masmorras, não presídios. Onde deveria haver cinco presos, há 50. Isso fortalece o crime. O Estado não dá condição mínima. Se o cara comer, quem banca a comida? É a facção. Se você é da facção, você come, bebe, usa droga, não é estuprado, mas, como não há almoço grátis, a facção exige que você vá ali e mate aquele cara.” 

Acrescenta que não “adianta botar o chefe da facção no presídio se ele tem celular e continua comandando o crime organizado lá de dentro”. “A corrupção só existe porque o sistema é falho.” 

Para o presidente da OAB, “não vai haver solução para a segurança pública do Rio sem que tenha solução do sistema penitenciário”, com investimento em presídio, “diferentemente do que esse pessoal da solução fácil diz, que ‘bandido bom é bandido morto’, que ‘eu não vou cuidar de preso’, que ‘preso não está de férias’. “Não existe uma coisa sem outra. Não digo conforto. Não é ter peninha de bandido. As pessoas não entendem que a condição do preso vai afetar a sua vida. Justiça criminal não é instrumento de vingança; é instrumento de pacificação social, sempre com a perspectiva de recuperação. Isso é fundamental. Todas as experiências disso no mundo são positivas, não há uma negativa”, defende. 

Bandeira argumenta que num país como a Suécia faz sentido discutir “ter ou não se ter pena de bandido”, mas que no Brasil a realidade social é “absolutamente adversa, desproporcional”. “Você acha que alguém que nasceu no Complexo do Alemão tem a mesma oportunidade? Aí vem aquelas demagogias: ‘Ah, eu conheço a empregada doméstica que teve filho engenheiro...’. Mas quantos outros morreram no tráfico?”, questiona. 

O advogado considera que o Ministério Público do Rio está “fazendo um trabalho muito bom, elogiável” no combate às milícias. Mas é contra a demanda do MP de se priorizar outras evidências de crime devido à dificuldade de haver prova testemunhal. Para Bandeira, “as milícias são ainda mais prejudiciais para o tecido social do que o tráfico” e se aproveitam justamente da política de combate tradicional para se expandir. “Tem o confronto com os traficantes e eles normalmente ocupam o território depois da operação policial. Não estou dizendo que é coisa combinada. A milícia é muito mais perigosa porque se mistura ao tecido social, se ramifica na política, em tudo. O traficante fica preso à favela”, diz. 

O presidente da OAB/RJ afirma que o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) falhou ao não levar serviços essenciais às comunidades, como saúde, educação, saneamento, regularização fundiária, cultura e lazer. Mas que o investimento, no curto prazo, deve ser na polícia, com treinamento, equipamento e salário melhor, além de ações planejadas. 

Para Bandeira, se discute muito o déficit da Previdência, “com razão”, mas a informalidade no mercado de trabalho e a insegurança pública também são obstáculos ao crescimento econômico. “Há quanto tempo se mata gente e se investe dinheiro numa política antidrogas sem resultado. Parcela produtiva da população está morrendo nos confrontos com a polícia e isso tem uma consequência econômica profunda”, diz.

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