A segurança jurídica no contexto dos acordos de leniência no Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi a tônica do terceiro painel do seminário que a ESA realiza em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), nesta segunda-feira, dia 5. Mediada pela advogada, coordenadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) Rio e mestranda pela UFF Carmen Felipe a mesa de debates contou com o professor de Direito da FGV Rio, doutor e mestre em Direito pela PUC-Rio e pós-doutor pela Columbia Law School Thiago Bottino; e com a referência do Direito Penal Alexandre Dumans. O programa de clemência, como o acordo de leniência também é conhecido no meio jurídico, usa como base as leis de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011) e/ou de Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) para prever punições menores a companhias nacionais ou estrangeiras que confessarem atos ilícitos contra a administração pública - uma espécie de delação premiada de pessoas jurídicas. Dumans diz que, embora o acordo de leniência alcance o Direito Civil e o Administrativo, o Direito Penal atravessa esses pactos. “Por que faria um acordo de leniência para produzir provas contra mim mesmo e, assim, submeter-me a uma ameaça de ser condenado com uma pena de privação de liberdade?”, questionou o advogado. “A delação premiada é uma espécie de dizer o crime sem contar quem o praticou. Então, o mais importante é sabermos que o Direito Penal serve para a contenção do poder punitivo ou ele não serve para nada. A função do poder penal é conter esse poder punitivo, e não devemos perder essa premissa de vista”. O criminalista trouxe para o contexto a Lei de Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e a Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013) e a forma como estas são executadas no âmbito penal. “Essas leis são parceiras no espaço e no tempo e trazem um pacote de crimes em que está incrustada a possibilidade de acordos de não execução penal. O Estado não tem competência, mas atribuição de cuidar dos acordos de leniência". O professor de Direito da FGV Rio comparou a legislação brasileira com a americana, origem do uso desse mecanismo. “A ideia de você ter um acordo entre a parte acusatória e a defesa nunca integrou nossa tradição jurídica. O Brasil trouxe um mecanismo norte-americano acreditando que funcionaria às mil maravilhas aqui, sem a preocupação de adaptá-lo para a realidade jurídica brasileira e avaliar quais seriam os atores a participarem desse tipo de negociação”, ponderou Bottino. “Lá [nos Estados Unidos], o Ministério Público tem legitimidade para falar pelo povo e, no Brasil, não é bem assim. Aqui, os profissionais são concursados, com independência e autonomia da vontade popular, não são representantes da população justamente por não terem essa liberdade para representá-los”. Bottino aprofundou-se sobre os desafios de se importar o modelo de segurança jurídica de outro país à prática brasileira. “Os acordos de leniência não são acordos de natureza criminal, mas trazem uma série de questionamentos para esta área. O principal desafio da promoção da segurança jurídica é, exatamente, fazer funcionar o instrumento dentro do sistema jurídico. Ainda temos um longo caminho para aprender a usar os acordos de leniência e outros tipos entre o particular e o ente público”, disse o professor. Ao final do painel, Carmen Felipe abordou a subjetividade na avaliação de uma prova digital nos processos criminais. “Diante do fenômeno punitivista, os acordos de leniência trazem um medo de processo para a empresa que assombra os funcionários e seus empregos”, argumentou a advogada criminalista.