23/08/2019 - 19:00 | última atualização em 24/08/2019 - 08:55

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Em evento, especialistas criticam uso irrestrito da delação premiada

Debate foi realizado pela Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da OAB/RJ

Nádia Mendes

Ao longo de toda esta sexta-feira, dia 23, a OAB/RJ sediou uma série de debates sobre a delação premiada, instituto jurídico também chamado de colaboração premiada. Na abertura, o presidente da Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da OAB/RJ (CDEDD), Luis Guilherme Vieira, que organizou o encontro, afirmou que o tema está em voga no Brasil, e vem suscitando debates acirrados dentro da doutrina e da jurisprudência, o que fez com que a Ordem sentisse a necessidade de debater o assunto.

O presidente da OAB/RJ, Luciano Bandeira, reforçou a importância da mobilização da advocacia para que se evite o veto da Lei de Abuso de Autoridade. "Essa lei também versa sobre a criminalização da violação de prerrogativas. Não somos punitivistas, mas acredito que nesse momento do país essa lei é muito importante. Não podemos aceitar o veto e, caso ocorra, precisamos nos mobilizar para derrubar o veto no Congresso Nacional", disse.

As exposições dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis, mediadas por Luciano Bandeira, encerraram o dia de debates, que foi transmitido pelo Canal da OAB/RJ no Youtube em duas partes. Reis entende que o tema não é objeto de qualquer consenso.

“Confesso que a delação não me agrada. Não vou entrar na discussão ética, mas me incomoda saber que alguém que cometeu crimes por anos seja, ao final de tudo, recompensado”, afirmou.

Segundo ele, antigamente os criminosos procuravam não deixar rastros. Agora, já pensando na delação, os crimes são documentados. “O pensamento é que, se amanhã ele for preso, ele tem munição para ser solto, usando as informações que coletou como uma arma”, disse, pontuando que, em razão disto, a delação deveria ser usada com muita parcimônia. “A lei já prevê que só seja utilizada em situações excepcionais”, reforçou. Para ele, o Supremo Tribunal Federal, que homologa grande parte das delações, principalmente aquelas que tratam de crimes de colarinho branco, tem alguns problemas decorrentes do uso exagerado das delações para resolver

Crítico, ele questiona até onde vai o limite do Estado de abrir mão do seu direito de punir. Ele citou a chamada "delação do fim do mundo", acordo assinado entre 77 executivos da Odebrecht e a Procuradoria-Geral da República.

“Será que compensa deixar de punir 77 pessoas para punir duas ou três? Será que elas são tão relevantes a ponto de abrir mão de punir mais de 70 pessoas?”, disse.

Em sua exposição, o ministro Saldanha Palheiro falou um pouco sobre a jurisprudência em relação à colaboração premiada, apresentando algumas decisões tanto no STF quanto no STJ. “No STF existe um acórdão realmente denso, do Ministro Tófolli, que vai esmiuçando as perplexidades do instituto e ali ele dá um direcionamento ainda que, ao meu sentir, muito embrionário. O que eu sinto é que a colaboração premiada é importada do Direito Americano, mas lá ela se insere em um contexto global do direito dos precedentes”, explicou.

Ele exemplificou que se um membro do Ministério Público Americano trocar uma palavra com o colaborador torna o acordo nulo.

“Não estou dizendo se está certo ou errado, mas é fato que nós importamos um mecanismo isolado daquele sistema. No Direito Penal Americano a delação premiada é usada com determinadas regras muito rígidas, muito bem estabelecidas, com balizamento estreito”.

Necessidade de defender princípios constitucionais norteiam palestras da manhã

Na primeira palestra do dia,  a juíza aposentada Maria Lúcia Karam fez um histórico da delação premiada no Brasil e criticou profundamente a adoção deste instituto. 

"A delação premiada representa um elemento de destruição de garantias fundamentais inerentes a um processo penal minimante compatível com os fundamentos de estados democráticos", criticou.

Para ela, atualmente a confissão foi reconduzida "ao trono de rainha das provas" e que com a delação premiada o réu investigado acaba renunciando ao seu direito de exercitar plenamente as garantias advindas do devido processo legal, aceitando receber uma pena vendida como mais vantajosa como recompensa pela confissão.

Karam acredita que a democracia atravessa sua pior crise desde os anos 1930. "Vemos um crescente desapego pelas regras básicas dos estados democráticos, manifestados a nível global. O Brasil, natural e infelizmente, vem sendo um dos claros exemplos de tal tendência", disse. "Nesses tempos sombrios, torna-se ainda mais importante a intransigente defesa, sem quaisquer concessões, dos respeitos às normas garantidoras dos direitos fundamentais descritas nas declarações internacionais e constituições democráticas", concluiu.

Em seguida, o professor Juarez Cirino dos Santos, que é presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal, também criticou a delação premiada.

“É a violação da confiança, o ato mais reprovável do ser humano. A traição é uma atitude que é desprezada e odiada em todos os níveis, mas que é promovida pelo estado capitalista inético”, afirmou.

Completaram a mesa de abertura o vice-presidente da CDEDD, José Ricardo Lira, e o ex-presidente da OAB/RJ Wadih Damous. 

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