29/04/2008 - 16:06

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Governo e centrais querem alterar relações trabalhistas

Governo e centrais querem alterar relações trabalhistas

 

 

Do Valor Econômico

 

29/04/2008 - Depois de uma reunião que durou quase três horas, na noite de quinta-feira, com a participação dos dirigentes de seis centrais sindicais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, bateram o martelo numa agenda mínima para promover "mudanças radicais" nas relações entre capital e trabalho no Brasil. As transformações visam reduzir drasticamente a informalidade no mercado de trabalho, reverter a queda da participação dos salários na renda nacional e reformar o regime sindical.

 

A partir do diagnóstico de que o regime trabalhista criado nos anos 40 do século passado por Getúlio Vargas, embora tenha trazido avanços à sua época, tornou-se obsoleto ao deixar a maioria dos trabalhadores fora de sua proteção, Mangabeira e sua equipe vêm debatendo o tema há oito meses com as centrais, sindicatos patronais e grandes empresários. O objetivo é encontrar pontos de convergência e, a partir daí, formular propostas e enviá-las ao Congresso até o fim deste ano.

 

Da reunião com as centrais (CUT, Força Sindical, UGT, CGTB, NCST e CTB), da qual também participaram os ministros Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência da República) e Luiz Marinho (Previdência Social), além de um representante do Ministério do Trabalho, surgiram, segundo Mangabeira, as primeiras convergências. Elas constam do documento intitulado "Diretrizes a Respeito da Reconstrução das Relações entre o Trabalho e o Capital no Brasil", que será divulgado oficialmente hoje.

 

O documento, antecipado ao Valor com exclusividade, traz as primeiras propostas de mudanças. "Não se trata de um amontoado de propostas, mas de um modelo institucional coerente. Houve um grau surpreendente de convergência. É o retrato esperançoso de uma negociação", observa Mangabeira Unger. "Nunca foi nosso objetivo construir unanimidades. O propósito final é definir um ideário objetivo que oriente a agenda legislativa."

 

O ministro, que é professor licenciado da Universidade de Harvard, diz que a economia brasileira corre o risco de ficar presa entre economias de trabalho barato e aqueles de tecnologia e produtividade elevadas. O risco é agravado pelo fato de economias de trabalho barato, como a China, estarem se transformando, em alguns setores, em economias de alta produtividade. O interesse do país, sustenta Mangabeira, é valorizar o trabalho e o aumento da produtividade.

 

O regime trabalhista, criado por Vargas e instituído pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é um obstáculo a esses dois objetivos. Ele nunca incluiu a maioria dos trabalhadores em seu sistema de proteção, uma vez que a maior parte da População Econômica Ativa (PEA) atua no mercado informal. "A maioria não só está fora, como está também condenada à indignidade, à injustiça e à insegurança do trabalho informal. Essa é uma calamidade brasileira - econômica, social e moral", critica o ministro. "O modelo institucional estabelecido das relações entre o capital e o trabalho, em vez de ser parte da solução, revelou-se ser parte do problema."

 

No debate atual, lembra o ministro, há dois discursos que acabam paralisando tentativas de mudança. Um é o da "flexibilização" dos direitos trabalhistas, defendido pelos empresários, interessados em reduzir os custos de produção. O outro é o discurso do "direito adquirido", a defesa renhida, diz Mangabeira, do regime da CLT como baluarte contra a campanha para flexibilizar direitos.

 

Esse discurso protege os trabalhadores que estão dentro do sistema, mas ignora a grande maioria que está fora dele. "O problema está em descobrir como soerguer os assalariados que estão fora dos setores intensivos em capital sem minar a posição dos que estão dentro desses setores", diz o ministro.

 

Para enfrentar o problema, governo e centrais sindicais concordaram que é preciso resgatar a maioria dos trabalhadores da economia informal. Para fazer isso, é preciso desonerar a folha de salários. Mangabeira conta que não foi fácil encontrar uma convergência de como se fazer isso. Mesmo depois de concluída a reunião da última quinta-feira, havia centrais contrárias ao resultado do encontro.

 

Atualmente, as empresas recolhem ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), a título de financiamento da Previdência Social, o equivalente a 20% da folha de pessoal. A idéia é acabar com essa contribuição, criando em seu lugar uma outra fonte para o INSS. Inicialmente, os sindicalistas defenderam, nas reuniões com Mangabeira, a substituição por um tributo que incida sobre o faturamento das empresas. O problema é que ela causa distorções numa economia que pretende estar na vanguarda da produtividade mundial.

 

"Nossas longas discussões consideraram preocupantes os dois maiores defeitos dessa fórmula. O primeiro é a incidência desigual sobre as empresas - maior sobre as intensivas em capital. Essas empresas empregam relativamente menos, mas representam vanguarda na escalada da produtividade. O segundo defeito é compartilhar aspectos de um imposto declaratório e ser, portanto, suscetível de evasão", revela o ministro.

 

Mangabeira diz que o regime trabalhista que inibe o acúmulo de tecnologia e a aceleração da inovação tecnológica pode beneficiar parte da força de trabalho a curto prazo, mas prejudica os trabalhadores como um todo a médio e longo prazo. "São os trabalhadores os maiores beneficiários do aumento da produtividade (desde que fortalecidos os mecanismos institucionais para que se possam apropriar de parte do excedente econômico) e as maiores vítimas de estancamento na elevação da produtividade."

 

O debate com as centrais evoluiu para uma "solução radical": o financiamento da Previdência Social por meio de impostos gerais. O plano é fazer isso por meio de imposto que distorça menos os preços relativos. Chegou-se a falar na CPMF, mas o tributo foi extinto no fim do ano passado. Depois, na criação de um imposto sobre transações financeiras. No fim, convergiu-se para o IVA federal, a ser instituído pela reforma tributária em discussão no Congresso Nacional - se o IVA não for criado, a contribuição patronal sobre folha será substituída por outro imposto geral já existente. "IVA é, por definição, o tributo mais neutro", sustenta Mangabeira.

 

O ministro diz que as mudanças no financiamento da Previdência não serão negociadas no bojo da reforma tributária, mas de forma paralela. Do contrário, adverte, elas não acontecerão. Ele defende também que a nova fonte de financiamento da Previdência assegure o mesmo volume de recursos recebidos hoje pelo INSS. É preciso assegurar, defende Mangabeira, que o progresso na organização do trabalho não sirva de pretexto para um retrocesso no ordenamento da Previdência.

 

Outra desoneração da folha de pessoal, negociada com as centrais, diz respeito ao salário-educação e às contribuições das empresas para o Sistema S. Ambos sairão da folha e passarão a ser financiados também por impostos gerais. Já os benefícios diretos dos trabalhadores, como 13º salário e férias remuneradas, ficarão na folha. "Ao menos, por enquanto", assinala o ministro.

 

Um outro desafio, segundo Mangabeira, é reverter a queda dos salários na renda nacional, um fenômeno que ocorre, no Brasil, na contramão da tendência internacional, há meio século. "As limitações no aumento da produtividade do trabalho não bastam para explicar esse resultado. Há muito tempo que a subida do salário real no Brasil costuma ficar aquém dos avanços da produtividade", explica.

 

Para mudar esse quadro, diz o ministro, não basta adotar políticas que buscam elevar o salário nominal, como o governo Lula vem fazendo com o salário mínimo. Segundo ele, iniciativas como essa são facilmente anuladas pela inflação e por políticas monetárias comprometidas em manter a estabilidade da moeda. Por isso, ele defende a adoção de medidas institucionais. "São as instituições que ajudam a determinar a fatia do bolo", aposta.

 

As propostas debatidas com as centrais prevêem um conjunto de medidas para as três faixas salariais, sem a definição, ainda, dos valores das mesmas (ver quadro). Entre as iniciativas a serem tomadas, está a proteção legal dos trabalhadores temporários e terceirizados. "No Brasil, como em todo mundo, eles representam parcela crescente da força de trabalho. É a mudança dos paradigmas de produção, e não apenas o enfraquecimento da posição institucional dos trabalhadores, o que também explica essa tendência", justifica o ministro.

 

Mangabeira diz que a busca de convergência com as centrais e os empresários - "as minorias organizadas", segundo suas palavras - é a única forma de avançar em prol da modernização das relações entre capital e trabalho no país. "A minoria dos trabalhadores organizada vai sempre conseguir barrar a flexibilização de seus direitos", avisa.

 

Nas discussões que o governo vem promovendo, fica claro que os dois lados terão que ceder em algumas áreas. O ministro reconhece as dificuldades políticas da empreitada. "Os dirigentes sindicais e os líderes empresariais consultados não menosprezam os dissabores dessa reorientação. A maior parte, porém, vê nela a maneira mais direta, clara e corajosa de resolver problema que ameaça nosso futuro nacional", assegura.

 

Mangabeira diz, no entanto, que o governo, na busca da "superação do regime de Vargas", não atuará como "secretário" das elites sindicalistas e patronais. Na falta de consenso, debaterá sua proposta com a sociedade e o Congresso. Na reunião de quinta-feira passada, conta, o mais empolgado com os avanços contidos nas propostas era o presidente Lula.

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