24/01/2008 - 16:06

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Governo de SP decreta fim de firma reconhecida e cópias autenticadas

Governo de SP decreta fim de firma reconhecida e cópias autenticadas

 

 

Do Jornal O Globo

 

24/01/2008 - O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), decretou ontem o fim das exigências de firma reconhecida e cópias autenticadas nas transações realizadas com a administração pública estadual. A medida deve entrar em vigor hoje e faz parte de um pacote de medidas contra a burocracia em São Paulo. Além de acelerar os mecanismos entre cidadãos, empresas e Estado, o governo paulista quer reduzir o "custo-cartório" nas transações.

 

"Agora, reconhecimento de firma só quando for expressamente regido por lei. O servidor público só poderá reclamá-lo, por escrito, indicando ao cidadão o dispositivo legal onde ele está previsto. A gente sabe que a burocracia emperra a vida das pessoas, dos empreendedores e das empresas e atravanca o dia-a-dia do Estado", disse Serra.

 

Ele afirmou que a ação poderá reduzir o tamanho da economia informal, agilizar a abertura de empresas e fortalecer micro e pequenas empresas: "De alguma maneira, pessoal e cotidianamente, todos padecemos dos malefícios da burocracia. Mas não há dúvida de que as maiores vítimas são as empresas e os profissionais. Ela atrapalha o ato de produção".

 

Outros projetos de desburocratização estão em andamento. Um deles, segundo Serra, prevê que a partir de janeiro de 2009, após unificar e informatizar os cadastros municipais, estaduais e federais, o tempo para a abertura de empresas no estado seja reduzido de 152 dias para 15 dias. O processo poderá ser feito pela internet, no Portal Poupatempo.

 

O empresário Khalil Scaff, de São José dos Campos, interior de São Paulo, esperou quatro meses para regularizar sua loja de produtos árabes. Um dos motivos do atraso foi que, entre a pilha de documentos exigidos pelos órgãos públicos, um não fora autenticado:

 

"Passei duas vias do contrato social autenticadas. O contrato tinha 16 páginas. Mas uma das páginas ficou sem autenticação. O que ocorreu? Tive de retornar tudo. Pensei que seriam 45 dias para abrir a empresa, mas foram 120 dias".

 

O Sebrae-SP estima que para abrir uma pequena ou microempresa em São Paulo são feitos 60 procedimentos, entre formulários e entrega de documentos a 15 órgãos das três esferas públicas. Uma pesquisa do Banco Mundial sobre o assunto mostrou que, em 2006, no estado, uma pessoa levava 152 dias para abrir sua empresa.

 

O secretário estadual de Trabalho, Guilherme Afif Domingos, estima que entre a assinatura do decreto, ontem, e sua aplicação em 100% da máquina, serão necessários cerca de 90 dias. Os funcionários públicos terão que ser treinados para que a medida realmente funcione. A exigência de cartórios pode ser feita pelo segundo escalão, sem que o secretariado perceba.

 

"O servidor tem a figura da fé pública e não precisa recorrer a cartórios para verificar documentos. Mas o fato é que o servidor preferiu terceirizar a fé pública para os cartórios. Isso favorece mais a indústria dos cartórios", disse Afif, que coordena o Programa Estadual de Desburocratização (PED).

 

 

"Não declaramos guerra", diz Afif Domingos

 

Segundo ele, o governo estadual encomendou uma pesquisa à Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), ligada à USP, para avaliar o impacto dos custos dos cartórios na vida de pessoas e empresas. Dependendo dos resultados, que devem chegar em 60 dias, o governo paulista passará a estudar medidas mais severas: "É impossível sabermos os custos, as arrecadações dos cartórios, porque os orçamentos deles são caixas-pretas, ou, no mínimo, obscuros. Embora trabalhem à custa de concessões públicas, suas tarifas são muito elevadas".

 

Perguntado se o governo desencadeou ontem uma guerra aos cartórios, respondeu: "Não declaramos guerra. Só estamos perguntando quanto eles custam aos cidadãos. Perguntar não ofende, não é?".

 

Serra demonstrou estar preparado para a briga e ironizou as críticas dos cartórios: "Ninguém quer perder privilégios", afirmou, referindo-se à menor receita que os cartórios terão com a dispensa de firmas reconhecidas e cópias autenticadas pelos órgãos do governo.

 

Se depender dos planos do secretário Afif, os cartórios perderão mais dinheiro: "Com a pesquisa, poderemos ver que muita gente não consegue registrar imóveis por causa dos preços. Poderemos rever algumas regras".

 

 

"Donos de cartório são os maiores lobistas do país", diz Piquet Carneiro

 

A rotina brasileira de reconhecer firma e autenticar quase todos os documentos importantes em cartórios vale apenas teoricamente, pois não tem profundidade legal nem garantias reais. É o que diz o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, presidente do Instituto Hélio Beltrão, para quem a prática alimenta financeiramente um dos mais poderosos lobbies do país: concessionários públicos de cartórios.

 

Piquet Carneiro atua no programa de desburocratização do estado de São Paulo. De 1979 e 1986, foi braço-direito do então ministro Helio Beltrão no Programa Nacional de Desburocratização.

 

Ele lembra que em 1979 Beltrão extinguiu a exigência dos procedimentos na esfera pública federal, e os estados seguiram a orientação. "Entre 79 e 89, ninguém exigia isso e não tivemos problemas. A partir de 90, a exigência foi voltando. Há lobby dos donos de cartórios. Com isso, as empresas foram seguindo órgãos públicos e virou exigência de novo. Mas nem o novo Código Civil exige a figura da procuração em cartório".

 

E segue: "A burocracia nos cartórios cresce como mato no Brasil", afirmou Piquet, acrescentando que é mais fácil começar a desburocratização pelos estados e municípios que pelo governo federal, como foi feito no governo Figueiredo.

 

Piquet avalia que os donos de cartório reagirão negativamente a mudanças. "Eles são os maiores lobistas do país", disse.

Para Piquet, o cidadão não deve se arriscar sozinho a enfrentar a burocracia. E frisa que a autenticação de documentos é "faz-de-conta", porque os funcionários não lêem linha por linha dos documentos. Outra bobagem, segundo ele, é a exigência de rubricas nas páginas anteriores à que firma os contratos: "Não se reconhece firma das rubricas, só assinatura. Se alguém trocar páginas anteriores, apenas rubricadas, não será reconhecido. As assinaturas são comparadas superficialmente", disse ele, explicando que falsários podem alterar documentos com firma reconhecida.

 

Ele exemplifica que, no mercado, as pessoas se regulam sem a exigência de cartórios: "No Brasil, você paga com cheque, as pessoas confiam na sua assinatura. Se a gente refletir criticamente, percebe que essa exigência é surrealista".

 

Ele diz que, por lei, não é necessário reconhecer firma. "Órgãos federais não poderiam obrigar pessoas a reconhecer firma, mas quem brigar pode se dar mal. É uma indústria e há conivência com isso".

 

Ele frisa que, em outros países desenvolvidos, o sistema é diferente e muito mais barato. "Nos Estados Unidos, os advogados têm poder de notário e não cobram pelo serviço. É ajuda à ordem jurídica".

 

 

No Rio, autenticação é feita pelos servidores

 

No Estado do Rio, uma lei sancionada sem alarde pelo governador Sérgio Cabral em julho de 2007 tornou dispensável nos órgãos públicos estaduais a exigência da autenticação de cópias de documentos em cartório.

 

De autoria da ex-deputada Andreia Zito, a Lei 5.069 prevê que servidores públicos confiram a cópia com o documento original, atestando que se trata de reprodução fiel por meio de um carimbo. A medida não se aplica a casos que envolvam órgãos federais ou municipais, ou relativos a licenciamento de veículos, segurança pública e identificação civil e criminal.

 

Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, os cartórios realizam por mês 1,5 milhão de autenticações e 457 mil reconhecimentos de firma. A autenticação custa R$ 4,61 por folha, e o de reconhecimento de firma, R$ 4,50 por assinatura. Nos cartórios não-informatizados, os valores são de, respectivamente, R$ 1,88 e R$ 1,77. Por mês, pelo menos R$ 3,6 milhões são arrecadados pelos ofícios de notas do estado com os dois serviços.

 

No ano passado, projeto de lei reajustando as custas dos cartórios em até 1.100% foi encaminhado pelo presidente do TJ, desembargador Murta Ribeiro, à Assembléia Legislativa. Foi arquivado, depois de receber parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça.

 

Para o presidente do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio, Sérgio Batalha, autenticação de documentos e reconhecimento de firma são inúteis e oneram processos administrativos. Ele afirma que os dois serviços só não são extintos porque representam fonte de enriquecimento para cartórios. "Quem quer adulterar documento falsifica a autenticação. Cabe às partes tomar cuidados e, se houver falsificação, comunicar às autoridades".

 

Procurador-geral da seccional Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), o advogado Ronaldo Cramer tem visão diferente. Para ele, os dois serviços são imprescindíveis em negócios particulares. Quando os documentos são públicos, diz ele, deveria ser dispensada a exigência de autenticação. "Se os documentos vêm do poder público, já gozam de presunção de veracidade. Não vejo por que exigir autenticação nessa hipótese".

 

 

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