23/10/2007 - 16:06

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Lei de Responsabilidade Fiscal: União quer flexibilizar regras

Lei de Responsabilidade Fiscal: União quer flexibilizar regras

 

 

Do jornal Valor Econômico

 

23/10/2007 - O governo federal vai propor ao Congresso, ainda este ano, um projeto de lei desvinculando as operações de crédito solicitadas por governos estaduais do cumprimento dos limites previstos para Legislativo, Judiciário e Ministério Público em relação a gastos com pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), disse, em entrevista ao Valor, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. O desrespeito aos tetos, na hipótese de aprovação da proposta, só impediria o Estado de tomar novos empréstimos se ocorresse no âmbito do próprio Poder Executivo.

 

Augustin assegura que a mudança em estudo não representará, porém, qualquer flexibilização das regras de controle das despesas com pagamento de servidores públicos. Ao contrário, o que haverá, avisa, é um endurecimento, pois o governo vai propor também que o descumprimento dos limites por qualquer um dos poderes, isoladamente, entre na lista de crimes fiscais da lei 10.028/2000. A idéia é que, na ausência de providências para reenquadramento, o chefe do respectivo poder - seja Executivo, Legislativo ou Judiciário - possa ser pessoalmente responsabilizado e punido. O mesmo valeria para União e municípios.

 

O projeto de lei, que vai alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal e a lei 10.028, começou a ser elaborado depois que o Tesouro Nacional foi obrigado a rejeitar pedidos de autorização feitos por alguns governadores para contratação de novos empréstimos, junto a bancos no Brasil e no Exterior, em função do descumprimento dos limites de gasto com pessoal por outros Poderes que não o Executivo.

 

A LRF, em vigor desde 2000, estabelece que os Estados podem gastar com pessoal no máximo 60% de sua receita corrente líquida por ano, cabendo a cada segmento zelar por uma parcela desse limite global. Para o Poder Executivo, excluído o Ministério Público, o subteto é de 49%. O Poder Judiciário pode gastar até 6% da receita corrente líquida (RCL), o Poder Legislativo, incluído Tribunal de Contas, até 3% e o Ministério Público, até 2%.

 

Para os municípios, que não têm Poder Judiciário, o limite também é de 60% da receita corrente líquida, sendo 54% para o Executivo e 6% para o Legislativo. No âmbito federal, cujo limite global é de 50%, o governo pode gastar com pessoal no máximo 40,9%, o Judiciário até 6%, o Legislativo até 2,5% e o Ministério Público até 0,6% da receita corrente líquida da União.

 

Apesar da existência desses limites específicos, Augustin considera que, sob o ponto de vista do controle de gastos com pessoal, a legislação em vigor é "falha". Quando algum dos Poderes da União, Estado ou município ou o Ministério Público (que é parte do Executivo, mas goza de autonomia) ultrapassa o limite estabelecido, a LRF dá prazo de oito meses para reenquadramento. Se, terminado esse período, a relação entre despesa de pessoal e receita persistir acima do máximo admitido, aplica-se uma punição. O problema é que essa punição não recai sobre as autoridades responsáveis e sim sobre o ente federativo, na forma de impedimento para contratação de novos empréstimos e recebimento de transferências voluntárias da União, no caso de Estados e municípios.

 

Além da população, que fica sem os projetos que seriam financiados com aquele dinheiro, o governador ou prefeito é o único chefe de Poder que acaba sofrendo algum tipo de punição, indireta e politicamente, na medida em que é sobre ele que recaem as cobranças dos eleitores por investimentos públicos. Mesmo quando não é o Executivo que ultrapassa o respectivo limite, nada acontece com os chefes dos demais Poderes.

 

A falta de providências para restabelecer o respeito ao limite fixado na Lei de Responsabilidade Fiscal, no prazo legalmente previsto, até consta na lei 10.028, mas não na lista de crimes fiscais, e sim como infração administrativa. Para os crimes (como contratação de crédito sem os requisitos legais exigidos), a pena é de detenção ou de reclusão da autoridade responsável. Já as infrações administrativas devem ser punidas com multa equivalente a 35% do salário anual da pessoa que for responsabilizada.

 

A mesma lei prevê que cabe aos tribunais de contas processar e julgar a infração. Embora pelo menos quatro Estados já estejam há mais de oito meses em situação irregular no que se refere a limites de gastos com pessoal, não se tem notícia de que algum tribunal de contas tenha multado alguma autoridade por esse motivo. Em três dos quatro casos, é o Legislativo que está acima do limite. E os tribunais de contas pertencem ao Poder Legislativo.

 

O secretário do Tesouro Nacional lembra que, originalmente, a LRF continha um mecanismo eficaz de prevenir descumprimento dos subtetos em órgãos fora do alcance do comando dos governadores. O parágrafo 3º do artigo 9º da lei autorizava o Poder Executivo a limitar o repassse de recursos ao Legislativo, Judiciário e Ministério Público, segundo os critérios fixados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias do respectivo ente federativo, na hipótese de não haver correção do excedente no prazo estabelecido. Esse dispositivo, porém, foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O tribunal entendeu que ele feria o princípio constitucional de independência entre os Poderes.

 

A tentativa de incluir na legislação outras formas de coibir o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal nesses segmentos do setor público vai de encontro ao que defenderam técnicos e autoridades de orçamento de todas as esferas de governo, durante um seminário, no início do mês, em Brasília. O documento preliminar que resultou do seminário também aponta a necessidade de responsabilização individual dos chefes dos Poderes.

 

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