15/07/2019 - 08:21 | última atualização em 19/07/2019 - 17:39

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Em livro, juristas propõem reflexões sobre Direito, cinema e sociedade

'Os advogados vão ao cinema' pretende estimular consumo de cultura e humanizar o mundo jurídico

Nádia Mendes e Cássia Bittar

O mundo jurídico é visto, muitas vezes, com um certo distanciamento por parte da sociedade. Para mudar essa ideia, o advogado José Roberto de Castro Neves convidou profissionais consagrados do meio jurídico para analisar, em 39 ensaios inéditos, alguns de seus filmes preferidos em 'Os advogados vão ao cinema', livro lançado em maio deste ano pela Editora Nova Fronteira. A ideia é, além de estimular a cultura, mostrar que independentemente da profissão, estamos todos vivendo um mesmo mundo e compartilhando emoções semelhantes, mesmo com opiniões divergentes.

Segundo Castro Neves, para que o Direito seja bem exercido, ele precisa estar em sintonia com a sociedade. “Com a arte é possível entender o que as pessoas pensam e quais são os valores da nossa sociedade. O livro pretende trazer essa harmonização entre Direito e sociedade, já que um depende do outro”, disse, pontuando que uma das ideias do filme foi humanizar a profissão. Os ensaios estão em linguagem acessível, “sem juridiquês e ‘data vênia’, mas com discussões fundamentadas e questões tratadas com muita inteligência”, reforça.

Veja a lista de dez títulos que o Portal da OAB/RJ selecionou:

A dama dourada - Selma Ferreira Lemes

O filme é sensível e comovente e, ao mesmo tempo, triste e dramático. Retrata um passado doloroso, desumano e vexatório: os horrores praticados contra os judeus pelo nazistas - o Holocausto. O filme registra este ponto sombrio da história mundial e nos conclama a refletir sobre os direitos humanos e a igualdade de direitos, independentemente da fé que se professe, cor da pele ou gênero. [...] O filme é, antes de tudo, um acerto de contas da história e da arte para que prevaleça a justiça!

O sol é para todos - Francisco Antunes Maciel Müssnich

"Mesmo diante de toda a adversidade existente, o advogado [se referindo ao personagem do filme] se mantém firme em seus propósitos e crenças, ignorando os diversos insultos e boicotes. Segundo uma de suas falas no filme, e esta é a primeira grande lição de O sol é para todos: 'Coragem é quando você sabe que está derrotado antes mesmo de começar, mas começa assim mesmo e vai até o fim, apesar de tudo. Raramente se vence, mas isso pode até acontecer'"

A história de Qiu Ju - Ellen Gracie Northfleet

O filme põe em relevo, sobretudo, a surpreendente dinâmica da vida que a estrutura processual é incapaz de acompanhar. O resultado perseguido pela via judicial revela-se de todo indesejado e inadequado quando, afinal, concretiza-se em sentença inexorável. A angústia da protagonista é manifesta quando vê seu benfeitor - e agora amigo - sofrendo as consequências da denúncia apresentada por ela mesma, num momento em que estava tomada pelo desejo de vingança. A vida e suas circunstâncias já haviam superado inteiramente a desavença original e não fazia sentido, para os envolvidos, aquela punição imposta pelo Estado.

As pontes de Madison - Ricardo Brajterman

“(...) a história de Francesca deveria permanecer secreta, restrita somente aos filhos? Ou eles teriam o direito de revelar ao mundo uma face oculta da própria mãe? Poderiam, por exemplo, como uma forma de contestar os valores sociais, tornar públicas as cartas que a mãe recebeu em vida, revelando seus segredos e sentimentos mais íntimos?  Se não se tratasse de uma ficção, além da pertinência ou não de se divulgar a história, que só caberia aos filhos, teríamos uma questão jurídica bastante interessante: quem, afinal, é o dono das cartas; quem envia ou quem as recebe? É, de fato, uma questão muito pertinente a um advogado que vai ao cinema.”

Justiça para todosLuis Guilherme Vieira 

“A abnegação profissional de Arthur Kirkland é latente em Justiça para todos. No entanto, leva à sua vida pessoal os transtornos da profissão, tal qual acontece no mundo real. (...) O longa metragem desnuda o verdadeiro dever do criminalista: o imperativo do exercício do contraditório e da ampla defesa para a consolidação do Estado democrático de Direito. Ele se dá por intermédio, sobretudo, da defesa do próprio direito de defesa no exercício férreo dos interesses processuais dos seus clientes, independentemente dos crimes eventualmente cometidos por eles”

Negação - Gustavo Binenbojm e Leticia Binenbojm

“Ao término dos debates, o juiz faz uma pergunta desconcertante para o advogado de defesa: seria possível que uma pessoa fosse honesta e sinceramente antissemita? Seria possível que seus pontos de vista e suas opiniões fossem realmente expressão de sua visão de mundo e dos fatos? No caso de David Irving, seria possível admitir que ele era um historiador bem-intencionado e que, portanto, apesar de equivocado, teria diso de fato difamado [grifo dos autores] pela professora Deborah Lipstadt?”

Star Wars - Anderson Schreiber

“O que Star Wars tem de peculiar, de característico, de genuinamente seu é que, embora contando uma trajetória heróica, não se rende a uma contraposição simplista entre o bem e o mal (...) pode-se dizer que, bem vistas as cosias, temos em Star Wars heróis não tão heróis e vilões que não são tão vilões assim. E que diabos isso tem a ver com a advocacia? Tudo. Ser advogado é, em essência, enxergar os fatos e as pessoas sem os rótulos que um primeiro olhar atrairia. O advogado é, por definição, um estudioso da natureza humana. A primeira versão, a mais óbvia, nunca o convence. É preciso compreender cada acontecimento em seus múltiplos aspectos porque somente a compreensão plena pode nos fornecer a correta chave de leitura dos fatos.”

A pele que habito - Guilherme Calmon Nogueira da Gama

“A história nos permite refletir sobre os avanços da Biotecnologia e os limites éticos e jurídicos que devem ser observados. Mesmo que uma pessoa se disponha voluntariamente a servir de ‘cobaia’ para determinadas experiências científicas, isso não significa que ela deixa de ter dignidade e possa ser tratada como objeto. Entretanto, na hipótese de não haver consentimento, no caso, para servir como ‘cobaia’ em experimentos científicos, com muito mais razão os princípios bioéticos da beneficiência, da não maleficiência, da autonomia (liberdade) e da justiça se revelam aplicáveis de modo a não admitir, em hipótese alguma, que possa haver qualquer tipo de exploração de pessoas para fins de experimentação científica”

Legalmente loira - Anna Maria Trindade dos Reis

"Ainda que estereotipado, o filme é uma comédia de costumes e demonstra como o Direito permeia a vida das pessoas. (...) Outra questão abordada no filme é o espaço das mulheres no mundo jurídico. A despeito de as mulheres ingressarem cada vez mais nos cursos de Direito, e muitas ocuparem hoje cargos importantes no Judiciário, a sua representatividade é ainda muito baixa e, ainda pior, muitos olham com desconfiança a atuação feminina. (...) No filme, por exemplo, cria-se a narrativa com o preconceito com loiras ricas e sua provável e consequente futilidade. Mas a situação, por óbvio, é bem pior para as negras, as de classe social baixa e as de orientação sexual não heteronormativa"

The Post - A Guerra SecretaCaio Mário da Silva Pereira Neto

'"A história do The Post e seu paralelo com o Correio da Manhã ilustram a importância da garantia da liberdade de expressão para o contexto democrático. Mas também servem de alerta para a importância do contexto institucional no exercício dessa liberdade.  Jornalismo sério e independente requer uma proteção institucional. Na ausência de garantias constitucionais, o exercício da crítica àqueles que detêm o poder pode ser uma atividade de alto risco para os que se dispõem a exercê-lo. Para além da presença da garantia na Constituição, é fundamental que o Poder Judiciário desempenhe seu papel institucional, serviço de escudo contra a atuação estatal da imprensa"

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