04/05/2009 - 16:06

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No lugar da Anatel, Justiça é quem decide telefonia

No lugar da Anatel, Justiça é quem decide telefonia


Da Folha de S. Paulo

04/05/2009 - Ao mesmo tempo em que é acusada pelo MPF (Ministério Público Federal) de favorecimento às teles, a Anatel, agência responsável pela regulamentação das telecomunicações no país, virou ré em uma série de ações judiciais movidas por associações e pelas próprias operadoras. Todas contestam medidas da agência que, segundo elas, está espalhando insegurança no setor.

"Essa situação enfraquece a agência e cria uma insegurança jurídica para os investimentos", afirma Juarez Quadros do Nascimento, ex-ministro das Comunicações, hoje consultor da Órion. "A Lei Geral de Telecomunicações existe para que ela tome decisões que não abram brechas para questionamentos judiciais."

Há duas semanas, a Justiça Federal em Brasília deu ganho de causa à Pro Teste, associação que representa os consumidores. Em sua ação, ela exigia garantias de que a rede por onde as teles prestam o serviço de acesso à internet em banda larga seja devolvida à União após o fim dos contratos, em 2025. "Seria um prejuízo enorme para a União e aos consumidores porque essa é uma rede construída com recursos públicos", afirma Flávia Lefèvre, ex-integrante do Conselho Consultivo da Anatel e advogada da Pro Teste.

A Anatel teve de negociar com as teles em diversas reuniões, porque isso significaria refazer os contratos incluindo uma cláusula prevendo a devolução. Enquanto isso, a agência ficou impedida pela Justiça de cobrar das operadoras pelo cumprimento das metas de expansão da banda larga, uma das prioridades do governo federal. Existe um cronograma para que elas levem essa rede a todos os municípios do país até 2010.

A controvérsia mais recente é o fim da cobrança pelo ponto extra dos assinantes de TV por assinatura. As operadoras fizeram investimentos para prestar o serviço, têm custos na oferta do ponto extra e, por isso, decidiram travar uma disputa judicial com a Anatel caso ela não altere a decisão.

Para os investidores, a "judicialização" do setor também é ruim. Um exemplo: em meio ao impasse sobre a questão do ponto extra, as ações da NET caíram cerca de 7% com o fim da cobrança pelo ponto extra. Estima-se que 20% de sua receita é proveniente da cobrança pelos pontos adicionais.

A ABTA, associação que representa as TVs pagas, também pode recorrer à Justiça para tentar resolver um problema criado a partir de uma disputa entre a Oi e a GVT - outro caso que parou na Justiça.

Concorrente da Oi, a GVT teve cabos telefônicos cortados por funcionários da Oi em Salvador e Brasília, em fevereiro passado. Na ocasião, Gustavo Gachineiro, vice-presidente jurídico da GVT, reclamou na Anatel, mas teve de ir aos tribunais porque não obteve resposta da agência em tempo hábil.

Resultado: foi a Justiça quem impôs à Oi a proibição imediata dos cortes, determinando à Anatel que resolvesse a disputa entre as operadoras em, no máximo, dez dias. O prazo venceu e, segundo a GVT, a questão ainda não foi resolvida.

A Oi confirmou os cortes alegando ser proprietária das caixas que ficam nas ruas por onde passam os cabos das operadoras (de telefonia e TV paga) antes de entrarem nos condomínios residenciais e empresariais. Por isso, ela também quer cobrar aluguel das TVs pagas pelo uso dessa infraestrutura.

A atuação da Anatel também é questionada pelo MPF. O procurador federal Duciran Farena, coordenador do Grupo de Trabalho em Telecomunicações do MPF, considera que a agência favorece as operadoras ao converter em investimentos futuros o pagamento de multas aplicadas devido ao descumprimento de obrigações. Segundo ele, esses investimentos deixam de ser feitos e não há fiscalização. A acusação virou representação protocolada no TCU (Tribunal de Contas da União). O caso está sendo investigado.


Investimentos sob risco

As próprias operadoras afirmaram à Folha que estão preocupadas com essa situação. Elas não quiseram se pronunciar abertamente porque têm processos contra a agência em andamento. Um dos temores é o de que essa instabilidade criada pela "judicialização" do setor comprometa o retorno dos investimentos realizados.

No caso da rede de acesso à banda larga, algumas fizeram investimentos adicionais em diversas cidades do país só para atender às empresas por meio de contratos privados (oferecendo, por exemplo, conexões mais rápidas).

O que essas teles reclamam agora é de que não seria justo devolver essa rede à União sem receber uma indenização pela parte privada do investimento na rede que foi considerada pública com a ação da Pro Teste.

Essa situação abre precedente para a revisão dos investimentos de longo prazo. "Isso porque a agência não esclarece as diretrizes do setor. Foi aprovado o novo PGO [Plano Geral de Outorgas], mas onde está o PGR [Plano Geral de Regulamentação], que define as regras em detalhes, dando segurança para os investimentos futuros?," diz Luis Cuza, presidente da TelComp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas).

A Folha solicitou entrevista ao presidente da Anatel, Ronaldo Sardenberg. Sua assessoria disse que ele se pronunciaria, mas, até o fechamento desta edição, não houve resposta.

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