23/08/2023 - 18:56 | última atualização em 23/08/2023 - 21:46

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“Mandamentos constitucionais são libertação da ignorância terraplanista”, diz Nilo Batista em palestra

Clara Passi



Luminar do Direito Penal brasileiro, o ex-presidente da Seccional (1985-1986), ex-governador do Rio de Janeiro e professor-titular da Uerj e da UFRJ, Nilo Batista, proferiu uma palestra na porção vespertina da XII Conferência Estadual da Advocacia, que ocupa o pavilhão da Marina da Glória nesta quarta-feira, dia 23. 

Assim como as demais atividades do dia, a fala de Nilo pode ser vista pelo canal da OABRJ no YouTube.

O palestrante foi recepcionado com loas e deferência pelo colega de área de atuação, o professor-titular da Universidade Candido Mendes, Alexandre Dumans - ele próprio uma referência para a advocacia criminal. Dumans exaltou a produção intelectual de Nilo em 60 anos de carreira, que compõe um “rico arcabouço doutrinário”, e bradou:  “Viva Nilo Batista, que sua luz jamais se apague”.

NIlo resgatou a lembrança de um encontro como este, em 1985, quando o país vivia a reabertura política, para falar de práticas do estado de exceção que persistiram na redemocratização. Os aplausos à brutalidade policial, materializada nas chacinas do Alemão e do Jacarezinho, e a exaltação do personagem policial torturador de “Tropa de Elite” foram citados como exemplos da presença de um estado policialesco entre nós. Essa ‘policização’ das relações sociais representaria uma “adesão subjetiva à barbárie”, como conceituou a jurista Vera Malaguti, colega de Nilo na academia.


“Quando o mais modesto dos advogados bate à porta de um cartório, do gabinete de um juiz, ele está representando diretamente alguém ou mesmo toda uma categoria profissional. Daí provém a relevância política das prerrogativas profissionais (...) esta relevância não se limitou aos anos de chumbo”, disse. 



“Em 1988, elaboramos uma Constituição que tinha como objetivo construir uma sociedade livre. Havia no país algo como cem mil presos e, de lá para cá, prendemos 1 milhão de pessoas (...) quando eu era jovem, os mais engajados politicamente, sensíveis à luta de classe, escolhiam o DIreito do Trabalho. Hoje, escolhem o Penal”.

Os golpes de hoje, prosseguiu NIlo, têm participação policial, “como se viu na Bolívia e aqui no nosso 8 de Janeiro”. 

“Há uma transformação perigosa em curso. As forças armadas começaram a se politizar e as polícias, a se militarizar, como se vê nas operações de garantia da lei e da ordem. Quando o exército se ‘policiza’, lesões a civis deixam de ser efeitos colaterais, viram objetivos do emprego de força”, afirmou, citando as recentes ações autoritários da Polícia Rodoviária Federal.

“A OAB não pode deixar de participar do debate público. A missão de defender a ordem jurídica do Estado democrático de Direito só ser bem cumprida se estivermos atentos à legislação e à jurisprudência do STF, que não tem sido guardião da  Constituição”, criticou. 

Nilo referiu-se a decisões que afrontaram a legalidade e a presunção de inocência, bem como o ativismo judicial que faz com que o Supremo por vezes avance sobre a competência do legislativo, como ocorreu em matéria tributária. 

Questionou a dificuldade de se despachar pessoalmente com magistrados neste pós-pandemia, as limitações à livre expressão dos colegas na defesa dos seus clientes e a falta de diversidade nos quadros do Judiciário.

Sobre o cenário corporativo, defendeu que a habilitação da advocacia deveria ser setorial em vez de ser generalista. 

“O modelo democrata que compõe a ossatura da Carta está longe de ser realizada. Os primeiros artigos da Constituição podem ser guias para o futuro. Os mandamentos constitucionais são a libertação da ignorância terraplanista e da morte por doenças curáveis”.

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