23/08/2023 - 18:22 | última atualização em 23/08/2023 - 21:47

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Militantes na luta pelo direito à defesa abordam obstáculos da advocacia nos julgados de maxiprocessos

Cenário de guerra jurídica e desequilíbrio do processo penal entoou nas falas do painel

Biah Santiago



O direito à ampla defesa passa por um significativo momento que impacta diretamente o exercício profissional da advocacia. O extenso - e contínuo - volume nos processos criminais abarrota o Poder Judiciário. Amparar e legitimar a cidadania é o principal dever da advocacia criminalista, que, segundo referências desta área do Direito, empenha-se diuturnamente para manter esta garantia social frente a este cenário cada vez mais difícil de atuação.

O painel da área penalista na XII Conferência Estadual da Advocacia - apelidada pelo advogado e professor Felipe Novaes como ‘maxiconferência’-, realizada nesta quarta-feira, dia 23, num repleto pavilhão da Marina da Glória, contou, também, com o advogado e também professor Alexandre Dumans. A discussão potente dos convidados foi mediada pelo presidente da Comissão de Processo Penal da OABRJ, Diogo Tebet.

Dumans considera os maxiprocessos “imputações em uma extensa e complexa análise probatória”. O especialista citou os processos com longas jornadas de defesa e grande repercussão, como a Lava-Jato, o Mensalão e as Fake News.


“Falar dos mega processos é delicado e atual. A definição mais singela seria processos enormes, mas isso não basta para nomear essa prática. O conceito estabelecido destaca um gigantismo processual, o uso da mídia, e o rompimento com a legalidade penal”, analisou o advogado.



O cenário de guerra jurídica, a chamada lawfare, norteou a fala dos palestrantes. Dumans julgou a utilização das normas penais como instrumento usado numa espécie de ‘vale tudo’ do Judiciário. 

“A norma jurídica é um instrumento pela busca da verdade, e quando se empresta o espírito bélico, ela passa a ser um instrumento de guerra, destruição e aniquilamento do inimigo. Lawfare é uma coisa nefasta que impregna o nosso Judiciário com processos monstruosos e sem fim, cujo único objetivo é perseguir o opositor”. 

Para Dumans, o artigo 41 do Código de Processo Penal foi “mitigado pela Suprema Corte, que já admitiu os delitos coletivos prejudicando a defesa”.

“O STF denominou os maxiprocessos como ‘estado de coisa’ sem solução. Acho que devemos ser reticentes, combativos e buscar as nulidades que existirem nesses mega processos e lutar para que eles não continuem existindo. O direito da ampla defesa é, em todo momento, vilipendiado e sucateado nesses processos, e os advogados se transformam em verdadeiros inimigos da Justiça, e não os protagonistas dessa aventura judiciária. Querer nos tirar desta posição é inaceitável”.

A necessária força da comunidade jurídica foi relembrada por Diogo Tebet. Para ele, a conferência une advogados e advogadas em uma procura por conhecimento e qualificação dos temas centrais que moldam a atividade profissional da classe. 

“Este evento representa a força de toda a advocacia em nosso estado. Os colegas da área criminal precisam da luz para entender e participar desse debate. Somos a última barreira entre o estatal e o cidadão. O exercício da advocacia criminal exige o respeito às garantias constitucionais e o direito à defesa, que visam equilibrar a balança entre o acusador”, disse.

O presidente da Comissão de Direito Penal da OABRJ expôs casos em que denúncias nas peças acusatórias contam com mais de 850 páginas em julgamento de 62 acusados. Tebet ressalta que o Brasil enfrenta esse problema em uma sucessiva tentativa de diminuição do exercício advocatício.

“Um dos mais perversos efeitos dos maxiprocessos que temos vivido nas últimas décadas é a criminalização da advocacia criminal” declarou o professor Felipe Novaes.

“Não podemos admitir que confundam a defesa criminal como uma defesa do crime. Defendemos um processo em que se respeita as garantias para pena justa. A pressão midiática sobre os operadores de Direito nos obriga a ter uma ‘visão de túnel’, que nos revela um determinado objetivo para a atuação no processo”, manifestou Novaes, ao reforçar o papel do Poder Judiciário e do Ministério Público nesse escopo de pressão por posicionamento na mídia.


“Se formos pensar em grandes operações, como a mais famosa delas, a Lava Jato, temos a montagem dos elementos, que serviram para convencer o juiz na construção probatória. Nessa inversão de papéis, há uma violação clara do modelo de legalidade penal de fato. Aquele que é réu no processo passa a ser visto como inimigo da própria sociedade”.

Os extensos processos não cabem só aos julgamentos dos tribunais brasileiros. Felipe Novaes recorda o andamento processual do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O litígio corre na corte estadunidense com mais de 11 milhões de páginas acusatórias. Os advogados do caso pediram adiamento para 2026, com a justificativa de tempo viável para análise dos documentos. 

Ao concluir o painel, os palestrantes profiram votos de um futuro promissor para a advocacia, especialmente a criminal. Novaes destaca que “os advogados não devem ceder nem um milímetro da ética que esta atuação exige”. 

O advogado Alexandre Dumans fortaleceu o pedido, e declarou:

“O nosso protagonismo no processo penal não pode ser esquecido ou deixado de lado. Sem a advocacia, essa mágica na distribuição de Justiça não existe. Sem o advogado e a advogada criminalista, o que existe é a barbárie em nosso sistema”.

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