14/08/2019 - 09:41 | última atualização em 14/08/2019 - 16:08

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MP da Liberdade Econômica é aprovada na Câmara sob controvérsias

Especialistas da OAB/RJ analisam mudanças. Deputados votam destaques nesta quarta

Nádia Mendes

Voltada para a criação de um ambiente mais propício para o exercício da liberdade econômica, a Medida Provisória (MP) 881/2019 foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, dia 13. Vista como uma das principais tentativas do Governo Federal para alavancar o crescimento econômico, a MP ainda precisa ser aprovada pelo plenário do Senado até dia 27, quando perderá a validade.

O presidente da Comissão Especial de Estudos de Processo Constitucional da OAB/RJ, Rodrigo Brandão, explica que MPs são atos com força de lei, mas com uma tramitação diferente. “O processo legislativo das medidas provisórias é abreviado. Elas precisam tramitar em até 120 dias, se não caducam, perdem os efeitos. Não existem as diversas etapas do processo legislativo normal, como audiências públicas ou passagem por diversas comissões. É um ‘fast-track’, um processo mais rápido”, reforça.

Trabalho aos domingos e fim do controle de ponto

Foram aproximadamente 300 emendas apresentadas à MP e algumas questões geraram mais polêmica. Entre estas, estão a mudança em relação ao controle de registro de ponto, conforme explica o presidente da Comissão de Estudos de Direito Material e Processual do Trabalho da OAB/RJ, Leandro Antunes. “Atualmente, a legislação diz que, com mais de dez funcionários, o empregador tem a obrigação de fazer o controle de ponto. Após a aprovação da MP, a obrigatoriedade será somente com mais de 20 funcionários”, explica.

A MP também autorizou a marcação de ponto por exceção. "Ou seja, o empregado só vai registrar a presença em caso de horas extras. Se trabalhar a jornada normal, o trabalhador não precisaria marcar. Acredito que isso possa servir como um instrumento de coação, já que o funcionário pode se sentir retraído em marcar o horário que trabalhou a mais sob pena de ter uma possibilidade de ser demitido”, acredita Antunes, que ressalta que o controle de ponto também é uma prova do empregado, que continua contando com a possibilidade de testemunha, mas que a alteração reduziria as possibilidades.

O trabalho aos domingos e feriados também foi regulamentado, mediante pagamento em dobro ou folga em outro dia da semana. Para Antunes, a medida pode abrir precedentes para que todo e qualquer tipo de atividade funcione aos domingos. “O objetivo do dia de descanso não é o recebimento em dobro, é o descanso em si. Trata-se de uma questão biológica”.

Para Antunes, parece nítido que o objetivo é ter cada vez menos relações de emprego, com subordinação, habitualidade e pessoalidade, e ter cada vez mais relações de trabalho, ou seja, prestação de serviço sem focar nos direitos trabalhistas. “Estamos falando de liberdade econômica para gerar mais produção, de liberdade de contratação. Mas se o salário e os direitos forem sendo reduzidos, eu não consigo enxergar de que forma vão conseguir movimentar a economia. Não sei se a questão econômica se resolve apenas dando liberdade econômica”, pontua.

E os efeitos da reforma trabalhista?

Em vigor desde 2017, a reforma trabalhista alterou a CLT de forma substancial, modificando as rotinas de trabalho e, também, a organização sindical. Márcio Lopes, presidente da Comissão de Direito Sindical da OAB/RJ, explica que após a reforma, em 2018 e 2019, o número de acordos e convenções coletivas caiu sensivelmente. “Se os sindicatos precisavam participar para decidir questões fundamentais das relações de trabalho, após a reforma não há mais necessidade do sindicato para a prática de inúmeros atos, o que propicia a arbitrariedade do empregador e o agravamento da precarização das relações de trabalho”, afirma, citando os casos de demissões coletivas, em que a participação dos sindicatos não é mais obrigatória.

Para Lopes, a MP 881/2019 contribui ainda mais para essa precarização pois altera, mais uma vez, as relações de trabalho, autorizando o trabalho aos domingos e na anotação da jornada de trabalho por exceção, por exemplo. “A liberação do trabalho aos domingos sem necessidade de autorização prévia e para qualquer categoria reduzirá a convivência dos trabalhadores com seus familiares, piorando a situação de vida do empregado. O adoecimento da classe trabalhadora é uma triste realidade. As inúmeras ações, inclusive relacionadas à acidente de trabalho, que buscam reparações por danos físicos e morais se avolumam no Judiciário. Não há como ver nessa MP qualquer avanço ou benefício”, defende.

O presidente da Comissão de Justiça do Trabalho da Seccional, Sérgio Batalha, destaca que a MP deveria tratar meramente de uma questão econômica. Mas, segundo ele, estão a usando para tentar revogar princípios do Direito do Trabalho. “Estão querendo afastar a questão protetiva, o caráter público e que passe a considerar que a vontade das partes prevaleça aos direitos trabalhistas. O Direito do Trabalho não pode ser tratado como se fosse um contrato de compra e venda. Estamos tratando da dignidade humana, da força de trabalho de um cidadão”, resume.

Batalha reforça que os princípios do livre mercado não podem ser aplicados irrestritamente ao contrato de trabalho. “Em qualquer país civilizado existe uma proteção social”, pontua. Para ele, a liberdade econômica não é pretexto para tirar proteções do trabalhador. “Não podemos deixar o Brasil retroagir ao Século 18 ou 19, liberdade econômica não é isso. Isso é a selvageria e a ofensa à dignidade humana. Os países que inspiram essa legislação já superaram esse conceito há muitos anos”.

Veja as principais alterações

• Carteira de trabalho digital, emitida pelo Ministério da Economia

• Fim de alvará para atividades de baixo risco, como costureiras e sapateiros, por exemplo

• e-Social será substuído por sistema de informações digitais de obrigações previdenciárias

• Cria regras para fundos de investimentos

• Agilidade na abertura e fechamento de empresas

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