21/12/2007 - 16:06

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MP não tem legitimidade ao questionar honorários, decide Justiça

MP não tem legitimidade ao questionar honorários, decide Justiça

 

 

Do site do Conselho Federal

 

21/12/2007 - O Ministério Público (MP) não em legitimidade ativa para processar advogados com base no questionamento dos honorários advocatícios cobrados. A decisão é do Juízo de Direito da comarca de Lauro Muller (SC), ao acatar tese da advogada e conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil por Santa Catarina, Gisela Gondin Ramos, que atuou na defesa de um colega em ação civil pública movida pelo MP. Na ação, com pedido de liminar, o MP pretendia a declaração de nulidade das cláusulas contratuais relativas à cobrança de honorários contratados entre o advogado e seus clientes, objetivando ainda limitar a 20% a alíquota da verba honorária.

 

"A questão em debate cuida de interesse nitidamente privado e individual, devendo, pois, ser dirimida no âmbito da relação que cada um dos clientes mantém com o requerido", sentenciou a Juíza de Direito de Lauro Muller, acolhendo a preliminar de ilegitimidade do Ministério Público levantada por Gisela Gondin em sua contestação à ação civil pública. A sentença declarou ainda extinto o processo sem entrar no mérito, ao acatar a tese da conselheira federal da OAB, invocando violação ao artigo 127 da Constituição, de que não se pode atribuir ao interesse do advogado, no caso dos honorários, a qualidade de homogêneo ou mesmo indisponível. "Trata-se na verdade de interesse referente a uma relação estritamente privada, estabelecida entre o profissional liberal e clientes quando da prestação de serviços advocatícios, ou seja, de interesse individual disponível, sem nenhum reflexo social", sustentou a decisão judicial.

 

 

A seguir, a íntegra da sentença da Justiça de primeiro grau de Santa Catarina negando legitimidade ao MP para questionar honorários advocatícios:

 

SENTENÇA

 

Vistos etc.

 

O, por meio de Promotor de Justiça em exercício nesta comarca, ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido liminar contra Galvani Souza Bochi, pretendendo a declaração de nulidade das cláusulas contratuais relativas à cobrança de honorários contratados entre o autor e seus clientes, sob o argumento de que estão em descompasso com o que preceitua o Código de Defesa do Consumidor e o Código de Ética e Disciplina da OAB.

 

Requereu a procedência da demanda para limitar em 20% a alíquota da verba honorária, com a condenação do réu à restituição em dobro do excedente e ao pagamento de multa.

 

Citado, o requerido apresentou contestação argüindo preliminares. No mérito, defendeu a regularidade da cobrança, defendendo, em resumo, que a tabela emitida pela Ordem dos Advogados do Brasil estipula os patamares mínimos de cobrança dos honorários contratuais.

 

Indeferida a liminar (fl. 240), veio aos autos nova manifestação ministerial.

 

É o relato do essencial.

 

DECIDO antecipadamente a lide porquanto a matéria em questionamento é essencialmente de direito (art. 330, I, do CPC).

 

Cediço que a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Ministério Público conferem legitimidade aos membros do Parquet para propositura de ação civil pública com a finalidade de defender interesses difusos e coletivos, e que em se tratando de direito individual, a legitimidade do Ministério Público está condicionada à indisponibilidade e à homogeneidade deste direito, a fim de garantir a prevalência do interesse público em relação ao individual.

 

A propósito, lição doutrinária:

 

"(...) quando for individual o interesse, ele há de vir qualificado pela nota da indisponibilidade, vale dizer, da prevalência do caráter de ordem pública em face do bem de vida direto e imediato perseguido pelo interessado. Até porque, de outro modo, a legitimação remanesceria ordinária, individual ou em cúmulo subjetivo."

 

(MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: Em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO

 

consumidores. 9ª ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004)Citando a obra de Hugo Nigro Mazzilli, Mancuso salienta que "a defesa de interesses de meros grupos determinados ou determináveis de pessoas só se pode fazer pelo Ministério Público quando isso convenha à coletividade como um todo, respeitada a destinação institucional do Ministério Público".

 

E arremata, afirmando:

 

"Essa, também, a tese acolhida na Súmula n. 7 do Conselho Superior do Ministério Público Paulista: 'O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para coletividade, como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso das crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico'. O que, na verdade, tudo reflui para o art. 82, III, do CPC, pelo qual compete ao Ministério Público intervir nas 'causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.'"

 

Pois bem. Após compulsar os autos, entendo que não há como atribuir ao interesse representado na inicial a qualidade de homogêneo ou mesmo de indisponível. Trata-se na verdade de interesse referente a uma relação estritamente privada, estabelecida entre o profissional liberal e clientes quando da prestação de serviços advocatícios, ou seja, de interesse individual disponível, sem nenhum reflexo social.

O Superior Tribunal de Justiça já teve inúmeras oportunidades de proclamar a ausência de legitimidade do Ministério Público em ações em que se busca a proteção de direitos individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, sob o fundamento de que a proteção de tais interesses, quando violados, deve ser reclamada pelos seus próprios titulares.

 

O então Des. Paulo Galotti, hoje Ministro da Corte Superior, traçou a seguinte ementa em Agravo de Instrumento de que foi relator:

 

"Ação civil pública. Índice de reajuste de prestações de contrato de compra e venda de unidades habitacionais. Alegação de cobrança de valores abusivos. Direitos individuais disponíveis. Ilegitimidade "ad causam" do Ministério Público reconhecida. Agravo do art. 12 da Lei n. 7.347/85 não conhecido. Recurso desprovido. O Ministério Público não tem legitimidade para promover ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis." (AI n. 96.003874-4, da Capital)

 

No mesmo sentido, o eminente Des. Newton Trisotto, quando integrante da Primeira Câmara Civil:

 

"PROCESSUAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ARRENDAMENTO MERCANTIL - LEASING - DÓLAR - ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO VARIAÇÃO CAMBIAL - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE ATIVA - DIREITOS DISPONÍVEIS - INTERESSE COLETIVO INEXISTENTE - AGRAVO - EXTINÇÃO DO PROCESSO 1. Se a 'defesa de um interesse, ainda que apenas coletivo ou individual homogêneo, convier direta ou indiretamente à coletividade como um todo, não se há de recusar o Ministério Público de assumir sua tutela. Quando, porém, se tratar da defesa dos interesses coletivos ou individuais homogêneos, de pequenos grupos, sem características de indisponibilidade nem suficiente abrangência social, pode não se justificar a iniciativa do Ministério Público. Por fim, na defesa de interesses estritamente individuais, de consumidores, raramente se justificará a iniciativa da instituição' (Hugo N. Mazzilli). Outra conclusão eqüivaleria a 'transformar o Ministério Público em defensor de interesses individuais disponíveis, quando sua atribuição institucional é mais relevante' (Kazuo Watanabe). Não interessa à 'coletividade como um todo' a demanda aforada em defesa dos que celebraram contrato de arrendamento mercantil com cláusula de reajuste das prestações de acordo com a variação do dólar. 2. 'Não tem o Ministério Público legitimidade ativa para propor ação civil pública para defesa de interesses individuais plúrimos, que não se confundem com interesses coletivos' (REsp n.º 59.164, Min. César Asfor Rocha), definidos, no Código de Defesa do Consumidor, como 'os transindividuais de natureza indivisível' (art. 81, II)." (Agravo de Instrumento n. 99.002426-1, da Capital)

 

Não é preciso dizer mais! A questão em debate cuida de interesse nitidamente privado e individual, devendo, pois, ser dirimida no âmbito da relação que cada um dos clientes mantém com o requerido.

 

Pelo exposto, acolho a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público e, em conseqüência, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, JULGO, EXTINTO o processo, SEM resolução do mérito.

 

Sem custas e honorários.

 

P.R.I. 

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