24/03/2009 - 16:06

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Novo regramento autoriza Câmara e Senado a ignorar existência de MPs na fila

Novo regramento autoriza Câmara e Senado a ignorar existência de MPs na fila


Do Jornal do Brasil

24/03/09 - Um novo entendimento a respeito da influência das Medidas Provisórias (MPs) sobre a pauta de votação das duas casas do Congresso foi construído pelos presidentes do Senado e da Câmara, José Sarney (PMDB\/AP) e Michel Temer (PMDB\/SP), com a assistência do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB\/RS). Ao contrário do que se poderia imaginar, o novo regramento não gera grandes repercussões de ordem prática nos trabalhos do Legislativo. Ele autoriza Câmara e Senado a ignorar a existência de MPs na fila, aguardando o momento de serem apreciadas pelos legisladores, e continuar a discutir e votar propostas de emendas constitucionais, projetos de lei complementar, projetos de decreto legislativo e resoluções. O entendimento tem respaldo constitucional, pois o governo está impedido de tratar de tais assuntos pela via expressa das MPs.

O trancamento continuará, porém, a existir em relação aos projetos de leis, individuais ou coletivos, que respondem pela maior parte da pauta de votação do Congresso.Encarado por esse prisma, o instrumento interpretativo criado por Temer e Sarney é tão inútil quanto o proverbial furo n´água.

Não fora isso suficiente, sua aceitação não é pacífica nem mesmo no território da oposição, cujo interesse em estabelecer limites ao uso das MPs é maior que o do PMDB.

Integrantes do Democratas viramno como uma costura entre grupos do maior partido da base governista, cujo objetivo real seria aumentar, de forma desmedida, o controle peemedebista sobre o Legislativo.

Seu líder na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), anunciou a intenção de bater às portas do STF para derrubar a interpretação. Mas não é no terreno da praticidade que o drible jurídico construído pela trinca do PMDB deve ser analisado, ao menos por enquanto. O poder concedido ao presidente da República de contornar o debate e a oposição no Congresso, solucionando questões de todo tipo pelo recurso às MPs, está na Constituição da República há mais de 20 anos. As limitações estabelecidas pelo próprio texto constitucional à sua utilização têm sido ignoradas, nessas duas décadas, com maior ou menor amplitude, por todos os presidentes da República. Isso, em si, não surpreende.

Qualquer que seja o chefe do Executivo, é do interesse daquele poder ter, nas MPs, uma ferramenta jurídica de uso universal. O estranhável é que não tenha existido, em momento algum, uma reação apreciável do Congresso visando fixar limites menos nebulosos às Medidas Provisórias.

O deputado Ronaldo Caiado convive com o PMDB na Câmara desde 1991 e deve ter lá as suas razões para concluir que, a construir o instrumento que limita as possibilidades de trancamento das MPs, Temer, Sarney e Jobim estão pensando mais nos interesses de seu partido que nos da Nação. Mas o novo instrumental, até como decorrência do questionamento a que será submetido, no Judiciário e, de certo, no próprio Congresso, tem o mérito inegável de abrir uma discussão que há muito deveria ter se iniciado. Bem conduzida, ela poderá nos levar ao ponto de equilíbrio entre a necessidade que tem o Executivo, no mundo contemporâneo, de contar com instrumento capaz de produzir efeitos imediatos, como as MPs, e o imperativo de decantar os abusos e as más utilizações a que sua existência tende a dar causa. O novo entendimento está recheado de ambigüidades.

Ele amplia o risco de que as MPs percam sua validade, por não terem sido apreciadas e aprovadas pelo Congresso até 120 dias após sua assinatura. Quem conhece o modo como as coisas funcionam no Brasil sabe que o PMDB fará tudo quanto esteja ao seu alcance para extrair dessa cláusula todas as vantagens possíveis.

São os riscos do percurso. Cabe aos demais partidos impedir que isso ocorra e fazer com que tal dispositivo funcione em favor dos interesses da Nação e da democracia.

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