24/04/2008 - 16:06

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OAB Mulher divulga sentença do júri simulado sobre Lei Maria da Penha

OAB Mulher divulga sentença do júri simulado sobre Lei Maria da Penha

 

 

Da redação da Tribuna do Advogado

 

24/04/2008 - A OAB Mulher divulgou a sentença do Júri Simulado sobre a Lei Maria da Penha - a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Realizado no dia 25 de março, o júri contou com a participação de Salete Maccalóz como juíza, Kátia Tavares Rubinstein como advogada de defesa, além de Márcio Barandier, que atuou na acusação.

 

Advogada de defesa, a vice-presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), Kátia Tavares, afirmou que se fala muito de princípio de isonomia, mas a igualdade entre homens e mulheres é apenas jurídica e não cultural. Segundo Kátia, a lei veio para que a mulher recupere sua dignidade, pois estabelece que ela tem o direito de fazer ocorrência na delegacia e ter acompanhamento policial, entre outras garantias. Caso haja retratação, explicou, deverá ser feita na presença do juiz e do promotor e não mais na Polícia. Isso evita, segundo a advogada, uma série de constrangimentos. "Hoje, há tratamento de respeito", afirma.

 

Para a acusação, representada pelo advogado Márcio Barandier, a lei possui alguns dispositivos inconstitucionais e outros inúteis, já que são específicos demais ou recepcionados por outras leis. Para Barandier, o principal problema da Lei Maria da Penha é o distanciamento com a realidade. "As medidas não vão ser adotadas. A Polícia não tem estrutura para isso", afirmou em relação às garantias estabelecidas na lei, como a proteção policial.

 

Depois de ouvir as "testemunhas" convocadas, como a relatora do projeto, a ex-deputada Jandira Feghali, o júri popular deu ganho de causa à tese da defesa. Em sua sentença, a juíza Salete Maccalóz, ressalta que o Júri Popular ditou a fundamentação do "julgado para declarar a Lei Maria da Penha é perfeita e válida na sua formulação e promulgação, em sintonia com o desejo, vontade e aspirações da mulher brasileira".

 

Confira a sentença na íntegra:

 

JÚRI SIMULADO PROMOVIDO PELA OAB/RJ

COMISSÃO OAB MULHER PARA JULGAR A LEI MARIA DA PENHA

 

DATA: 25 DE MARÇO DE 2008 - às 10:00 HORAS 

LOCAL: PLENÁRIO MINISTRO EVANDRO LINS E SILVA - OAB/RJ

JUÍZA PRESIDENTE: Dra. Salete Maria Polita Maccalóz

ACUSAÇÃO: Dr. Marcio Barandier

DEFESA: Dra. Kátia Tavares

RÉ: LEI MARIA DA PENHA

 

 

SENTENÇA:

 

1. Relatório:

 

A Lei Maria da Penha foi promulgada em 22 de setembro de 2006, sob o n° 11.340, tendo este nome em homenagem a biofarmacêutica cearense, Dra. Maria da Penha Maia Fernandes, vítima da violência doméstica que a deixou paraplégica, combativa e militante na luta contra qualquer forma de violência à mulher.

 

Após a promulgação da Lei Maria da Penha, a sociedade se manifesta sobre o seu conteúdo e finalidades em duas correntes: a majoritária é de apoio e a minoritária contesta, apontando imperfeições técnicas e pouca (ou nenhuma) efetividade prática; razões para a Comissão OAB Mulher, órgão auxiliar da OAB/RJ instaurar este Júri Popular, colocando-a no banco dos réus, relacionando entre os participantes o corpo de jurados.

 

Instaurado o tribunal: Juíza Presidente, acusação e defesa, foram sorteados os senhores jurados. Presente uma delegação colegial, que escolheu entre os alunos do Colégio Heitor Lyra Filho, especializado na formação de professores, a menor impúbere que retirou da urna os seguinte nomes, incontestes:

 

- LIGIA ALVES VIEIRA DE SÁ

- MARIA CONCEIÇÃO DOS SANTOS - Conselheira do CEDIM/RJ e Associação de Mulheres Beth Lobo de Volta Redonda

- MARIA APARECIDA SOUZA DA  CRUZ

- DANIELLE CAMARGO DE ALPINO

- MOZART ROCHA DA CONCEIÇÃO

- SHEILA ADELAIDE DE ARAÚJO

- ELIZABETH BESSA DE MATTOS

 

Foram ouvidas seis testemunhas; qualificadas e inquiridas:

 

- SRA. MARLENE DE TAL

- DRA. GLEYDE SELMA DA HORA

- DRA. JOSELICE ALELUIA CERQUEIRA DE JESUS

- PROFESSORA VITÓRIA GRABOIS

- MARIA VIRGINIA GARCIA SOARES

- DEPUTADA JANDIRA FEGHALI - Relatora do Projeto

 

Em síntese os depoimentos ressaltaram:

 

- a violência contra a mulher permeia todas as classes sociais;

 

- na fase de aplicação da Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais, os casos judiciais deram maior visibilidade à violência contra a mulher, agindo-se pontualmente em cada caso, banalizando-se as penas, criando a idéia da impunidade. A nova Lei n. 11.340/06 - Lei Maria da Penha, não somente agrava a pena, em algumas hipóteses, mas cria uma rede maior de assistência e atendimento à vítima, sob responsabilidade objetiva dos poderes executivos;

 

- a Lei Maria da Penha avançou, inclusive, nas relações de trabalho, resgatando uma proteção específica, embora ainda não implementada;

 

- a mulher, vítima da violência doméstica, tem como porta de entrada os hospitais, em que os profissionais não estão capacitados para encaminhá-la ao atendimento mais amplo, relativo à assistência jurídica no âmbito da Justiça criminal. As militantes precisam trabalhar junto a esses profissionais, ainda que politicamente, para de fato se avançar neste combate;

 

- hoje as vítimas, familiares e advogados têm mais condições de noticiar a violência para iniciar-se o processo de apuração do fato;

 

- a dúvida é quanto à denúncia que não pode  ser retirada;

 

- a Relatora do Projeto depôs afirmando ser o conteúdo da Lei Maria da Penha o resultado de 14 audiências públicas por todo o Brasil, sugestões de instituições, ONG's, pesquisas, levantamentos, consultas a profissionais, JECRIM, Judiciários, delegados(as) de polícia, Ministério Público, Defensorias Públicas, advogados(as), etc. Todos os tópicos, renovados ou inéditos, foram sugestões populares, amplamente debatidos e cotejados com a legislação existente: Constituição, Acordos Internacionais, atentando-se para a formulação de um Direito Penal Mínimo.

 

A lei passou por um período mais longo de formulação por conta desse método: amplas consultas e debates populares, mostrando-se que a lei pode ser a resposta aos anseios e necessidades populares:

 

- com novos conceitos de violência e do agravamento da pena para a violência contra os portadores de deficiência;

- a vítima mulher quer a proteção para si e sua família;

- se o "perdão pode matar", os formuladores quiseram que a notícia fosse irretratável, porque em Juízo pode ocorrer a transação penal;

- a Lei Maria da Penha demanda preparação e capacitação no amplo atendimento à mulher, crianças e jovens que vivem em lar violento;

- entre as inovações: a celeridade processual, a especialização do órgão judicante, mais de um ano de pena, o inquérito policial com defesa do agressor...

- a lei busca prevenir; assegurar medidas protetivas, a punibilidade (impede pena pecuniária); estimular atitudes diferenciadas das mulheres.

 

Dada a palavra ao Ilustre Patrono, funcionando na acusação, Dr. Márcio Barandier e, após a Ilustre causídica, Dra. Kátia Tavares, pela defasa, cujos argumentos contrários e favoráveis, além de percucientes, técnicos, sociais e políticos, foram brilhantes e são examinados, na fundamentação.

 

2- Relatado, decide-se.

 

2.1. Preliminarmente: da legitimidade do Tribunal.

 

Este é um júri popular e não simulado. Não é o simulacro do Júri formal.

 

O Júri popular é político por excelência, também excepcionalmente constitucional. É a constituinte real, sem delegações e mandatos, em que  a cidadania, em nome próprio, em seu pleno exercício, toma a JUSTIÇA em suas mãos para dizer como ela deve ser feita e assim condicionar a atuação dos magistrados, da Justiça formal à opinião pública, aos limites do justo, moral e bom.

 

A Justiça institucional também é política, não apenas porque cumpre a lei da polis, mas porque exercita as regras legais da pequena polis, em seu favor, em detrimento e limitando da grande polis.

 

Qualquer decisão judicial deveria ser submetida à compreensão e tolerância populares, mas por seus complexos mecanismos e pedantes caprichos, aliena a população de uma autenticação política.

 

2.2. No mérito:

 

1°) O cidadão, por não se sentir contemplado na ordem jurídica e nas sentenças, levanta o seu derradeiro clamor por direitos humanos. Invoca apenas a sua humanidade e ainda assim não é ouvido. Na sua caminhada por respeito e consideração, na incansável luta pela igualdade, tem aflorado apenas a superfície dos casos mais graves e contundentes de insegurança e violência.

 

O exemplo mais expressivo dessa luta, por cidadania e humanidade é a atuação política das mulheres, em todas as injustiças sociais, para si, para seus filhos, para seus homens...

 

A maior desumanidade, tolerada por todos os senhores da lei, da justiça, da ordem, a par da cidadania secundária, é a violência doméstica: física, moral e psicológica; perpetrada em todos os lares, em maior ou menor gradação.

 

Diante de ações políticas, educacionais e judiciárias menos efetivas, é preciso considerar a Lei Maria da Penha um passo adiante. Ela não foi uma doação. O seu conteúdo é avançado, ainda que incipiente; com pequenas falhas técnicas em seu começo, mas soberanamente universal por suas raízes: a experiência e vontade das mulheres e suas famílias.

 

Ela é o começo de outra jornada, continuidade de luta e reivindicações.

 

É o início de campanhas: educativa, na família, na escola, trabalho e imprensa; política, nos poderes públicos para que cada um cumpra o seu papel, comprometidos  com as mulheres e o povo; social, na constante necessidade de não se admitir atitudes omissas, distorcidas e escamoteadas de qualquer pessoa; judicial,  pois esse Poder só se efetiva quando se legitima na aceitação popular de suas decisões; quando utiliza os seus mecanismos e procedimentos na valorização da mulher, do homem, da cidadania.

 

2°) "Nenhum membro da sociedade tem o direito de defender doutrina contrária ao que a sociedade tem como válido. O magistrado se reconhece, pode estar equivocado no que pensa; mas, enquanto crê estar correto, pode e deve fazer cumprir o que acredita." Oráculo de BOSWELL (1773).

 

Talvez, neste momento, a sociedade brasileira ainda não apóie integralmente a Lei Maria da Penha, mas este Júri, no exercício de sua magistratura política e humanitária, decreta e fará cumprir o que acredita, como JUSTIÇA.

 

A Lei Maria da Penha, por seus objetivos:

- prevenir para que não ocorra a violência contra a mulher no ambiente doméstico ou sua extensão;

- assegurar medidas de proteção à vítima e outros personagens do fato;

- estimular atitudes diferenciadas das mulheres, vítimas de violência;

- é uma lei especial, imperfeita ainda tecnicamente, mas absolutamente constitucional, por tentar a isonomia e igualdade, entre homens e mulheres, sempre buscada e jamais conseguida, por todas as nossas oito Constituições.        

 

A história é a prova perene e indelével do tratamento discriminatório contra a mulher na sociedade e no Judiciário: a mulher sempre foi a vítima preferencial do homem, em casa ou fora dela, passando impune até hoje, em muitos povos, dependendo de sua cultura. Se no início do terceiro milênio, apenas quanto a violência, em todas as suas modalidades; existe um tratamento diferenciado para o homem-autor, o equilíbrio do tratamento isonômico ainda não foi alcançado.

 

Serão necessárias muitas décadas, ao contrário dos séculos e milênios, para as mulheres conquistarem o respeito e a dignidade, com um rito processual distinto para si e seus agressores.

 

A isonomia constitucional hoje impõe tratamento diferenciado à pessoas e grupos  para que atinjam a igualdade fraterna do Estado Moderno, daí porque a Lei Maria da Penha está em consonância com os princípios constitucionais e suas normas.

 

Por ser uma lei constitucional é e será de observância obrigatória por toda a estrutura policial e Judicial do país, devendo, no menor tempo, todos os seus integrantes ESTAR preparados para a sua aplicação efetiva e ampla.

 

3°) A realidade brasileira ditou essa lei: a participação popular , através de consultas e audiências, ditou o seu conteúdo, concretas normas da Constituinte Real a sanear as eventuais falhas técnicas, passíveis de correção no seu percurso.

 

A avaliação técnica só tem sentido no seu aperfeiçoamento gradativo, resultante de sua aplicação prática, jamais para invocar a inconstitucionalidade, vez que todo o poder emana do povo. Por sua origem, objetivos e finalidades, possui, até hoje o melhor e mais perfeito conteúdo;

 

4°) A eficácia da Lei Maria da Penha depende de sua inovação, de todos e quanto a isto não tem imperfeição.  Todas as leis fazem essa trajetória, diferentemente esta Lei nasceu em movimento, dos fatos, das idéias, da luta social e parlamentar, da certeza de que só será verdadeira pela vigilante cobrança das mulheres, em todos os estamentos sociais.

 

O corpo de Jurados, em seus votos expressos, no quorum de seis, pelo de acordo, a um, pela impropriedade técnica, e o Júri Popular ditaram a fundamentação deste julgado, para:

 

Declarar, a Lei Maria da Penha é perfeita e válida na sua formulação e promulgação, em sintonia com o desejo, vontade e aspirações da mulher brasileira;

 

Condenar a todos quantos, pelo seu estado, trabalho e funções, especificamente as autoridades, a imediatamente desencadear as ações necessárias ao efetivo combate à violência contra a mulher, com medidas integradas de prevenção, assistência a vítima e família, capacitação dos profissionais; a fazer do sistema educacional o principal caminho para um futuro mais próximo, de relações humanas respeitosas e fraternas.

 

Pelo referendo popular - CUMPRA-SE

 

Na cidade do Rio de Janeiro, 25 de março de 2008.

 

Salete Maria Polita Maccalóz

Juíza Presidente

 

 

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