05/08/2022 - 16:06

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OABRJ discute perigos da intolerância religiosa

Evento apresentou sugestões de medidas para reduzir tensões na sociedade

Felipe Benjamin

Realizado na manhã de sexta-feira, dia 5, o encontro organizado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIRE) da OABRJ, no Plenário Carlos Maurício Martins Rodrigues, na sede da Seccional, discutiu as tensões religiosas no país. O evento foi comandado pelo presidente da comissão, Arnon Velmovitsky, e contou com a presença da vice-presidente da Seccional, Ana Tereza Basilio, do deputado estadual Átila Nunes; do vice-presidente da comissão, Gilberto Garcia, e da delegada titular da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), Debora Rodrigues.

Ana Tereza Basilio apontou o histórico de tensões religiosas no país e pregou a convivência harmoniosa entre membros de diferentes religiões.

"Eu digo que temos um problema cultural, porque esse tipo de movimento só acontece se tivermos um solo fértil e o Brasil sempre foi um solo fértil para discriminações religiosas", afirmou a vice-presidente da Seccional. "No Império, éramos um país legalmente católico, e tudo o que não fosse católico era mal-visto. Acho que temos um grande consenso aqui, de que excessos são reprováveis e acontecem de todos os lados. Os excessos serão sempre excessos e sempre serão inadequados. O que precisamos é de uma convivência pacífica e respeitosa, e do diálogo que estamos tendo aqui. Essa é a função da OABRJ, promover debates, ainda que sobre temas delicados, porque a razoabilidade sempre prevalece".

Com uma longa trajetória na luta pelos direitos dos praticantes de religiões de matriz africana, o deputado estadual Átila Nunes (MDB) falou sobre a relação tempestuosa com as igrejas evangélicas, que se intensificou a partir do crescimento do neopentecostalismo no país.

"Nasci e fui criado dentro da umbanda", afirmou o deputado. "Mas fui criado num lar no qual nunca foi permitido contar piadas contra negros, porque minha avó era negra. Muito menos contra judeus, porque meu pai, como jornalista, cobriu a Segunda Guerra Mundial e viu os horrores do Holocausto. Cresci sem esse tipo de estigma e agradeço a Deus por isso. Passei isso aos meus filhos, que por sua vez, passaram aos filhos deles. É óbvio que muitos evangélicos não me veem com bons olhos, mas minha mente trabalha com muito respeito pelos evangélicos aqui presentes, como tenho muito respeito pelos judeus. Algumas denominações causaram muito mal à imagem da comunidade evangélica. Fui criado soltando pipa com crianças evangélicas. Nunca houve esse tipo de problema. Até que nos anos 1980, começaram a atacar impiedosamente os membros dos cultos afro-brasileiros. E isso me chateia muito porque chegou ao ponto de termos que lutar pela criação de uma delegacia especializada para combater a intolerância religiosa, algo que em alguns anos será visto como uma absurdo dentro dos padrões civilizatórios".

O deputado exortou membros da comissão a lutarem por um maior diálogo inter-religioso numa tentativa de conter hostilidades entre as diferentes religiões.

"Nos últimos anos, sinto uma diminuição dessas tensões no Rio de Janeiro, mas peço que algum de vocês consiga fazer um seminário objetivo, assumindo um acordo de respeito mútuo", afirmou. "Não podemos reproduzir o antagonismo que existe em outras partes do mundo. Onde isso nos levará? Em Macaé esfaquearam uma filha de santo e a cegaram em um dos olhos por razões religiosas. O que antes ficava restrito a simples xingamentos já escalou para agressões. A maior vitória que tivemos nesse sentido foi a proposta do presidente da Comissão de Direito Sanitário e Saúde da OABRJ, Luiz Felipe Conde, para se estudar a possibilidade da criação de uma promotoria de combate à intolerância, não apenas religiosa, mas em todas as suas manifestações".

Participando da plateia, o advogado Gustavo Proença, membro da comissão, sugeriu que os eventos do grupo discutam teses de forma técnica, numa tentativa de encontrar maiores consensos sobre os limites do proselitismo religioso.

"Além de membro da comissão, sou advogado para a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), para o grupo LGBT+ Arco-Íris e para a ONG Criola, que representa mulheres negras. Sou o advogado do caso da senhora que foi esfaqueada em Macaé e de outros casos lamentáveis. Proponho que a partir daqui, façamos outros encontros para debater teses jurídicas de forma técnica. Há essa confusão na sociedade. Até onde estamos falando de proselitismo religioso e onde esse proselitismo passa a ser intolerância? E quando o proselitismo religioso faz parte da dogmática de uma determinada denominação? Como isso pode ser acomodado dentro da laicidade, da liberdade de consciência e de expressão? Temos uma série de doutrinadores da teoria e da filosofia do Direito que se debruçam sobre esses temas. É importante que façamos workshops para que possamos debatê-los de forma profunda. Não alcançaremos uma visão única, é claro, mas podemos melhorar o argumento".

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