10/09/2007 - 16:06

COMPARTILHE

OAB/RJ se posiciona pró-descriminalização do aborto

OAB/RJ se posiciona pró-descriminalização do aborto

 

 

Do site Mulheres de Olho

 

06/09/2007 - Mulheres de Olho conversou com as advogadas Ana Paula Sciammarella, integrante da Rede Jovens Brasil Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, e Maíra Fernandes, Membro da Comissão OAB Mulher e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ. Ambas assistiram a Audiência Pública na Comissão de Constituição e Família da Câmara dos Deputados, que debateu o PL 1135/91, desarquivado em abril deste ano tendo sido nomeado relator o presidente desta Comissão, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM/SP).

 

O debate contribui para orientar o conjunto de parlamentares em sua decisão a respeito do PL 1135?

 

A.P. Sciammarella - Acredito que esta é a oportunidade dos parlamentares ouvirem especialistas e sanar dúvidas. Isso ficou nítido com as perguntas feitas ao procurador Daniel Sarmento acerca da constitucionalidade do PL. O procurador opina pela constitucionalidade do projeto de Lei, explicando os argumento jurídicos para esta possibilidade. Além disso, acredito que a Audiência Pública é a oportunidade de pontuar que este debate deve sair da esfera da discussão religiosa para um debate técnico, sem apelativos fundamentalistas.

 

M. Fernandes - É louvável a iniciativa de realizar esta audiência pública, na medida em que traz para a Câmara um debate democrático, com a presença de especialistas no tema, capazes de analisar os aspectos jurídicos da questão, trazer informações sobre as diversas legislações e decisões judiciais mundo afora, apresentar dados e pesquisas estatísticas sobre o assunto. A audiência cumpre o papel de informar e subsidiar os deputados, esclarecendo-lhes as dúvidas ou incentivando a reflexão. Para os deputados indecisos, não pode haver melhor oportunidade para formar sua convicção a respeito do projeto de lei e decidir seu voto. Entretanto, não podemos deixar de observar que muitos deputados já chegam à Audiência com sua convicção plenamente formada. Não se abrem ao diálogo e não toleram posição divergente da sua. Mesmo nesses casos, a realização do evento é importante, seja para que o parlamentar colha ainda mais elementos para fundamentar, internamente, seu voto, seja para plantar a semente da dúvida em um convicto deputado, levando-o à reflexão e, quem sabe, fazendo com que, tempos depois, ele altere sua posição anterior.

 

Como foi o ambiente na platéia que assistiu a Audiência?

 

A.P. Sciammarella - O que se percebeu foi um plenário composto por um grupo de pessoas contrárias à lei, uniformizadas com um chapéu contra o PL, porém aparentando não saber muito o que de fato estava sendo discutido ali. E apesar disso, mantinham um comportamento sempre agressivo com relação à parte da favorável ao PL. O grupo favorável me pareceu tímido diante da massa de pessoas aparentemente "convocadas" pelos contrários ao projeto. Havia muitos lugares vazios, talvez pelas diversas diversas discussões que aconteciam simultaneamante na Câmara.

 

M. Fernandes - O ambiente era de extraordinária tensão. Palmas e vaias alternavam-se continuamente a cada manifestação mais empolgada de um palestrante ou de um deputado. Na platéia, além dos parlamentares, estavam presentes grupos autodenominados "pró-vida", os quais usavam faixas na cabeça com dizeres contra o aborto e distribuíram livrinhos contra sua descriminalização. De outro lado, muitas feministas, representantes da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, jovens de grupos em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos que também buscavam manifestar sua opinião através de palmas e vaias. Não vi muitos repórteres e fotógrafos. Havia, basicamente, os profissionais de imprensa da própria Câmara dos Deputados.

 

Uma advogada da OAB/SP fez na Mesa a defesa contra a legalização do aborto. Sua fala reflete uma posição do órgão?

 

M. Fernandes - A manifestação da advogada pode representar o posicionamento da OAB de São Paulo, mas não reflete uma opinião da OAB Federal. Muitas seccionais possuem posição divergente, como é o caso do Rio de Janeiro. Essa distinção ficou bastante clara na audiência pública, através de registro feito pela deputada Cida Diogo, quando destacou, com muita satisfação, que a Presidência da Ordem dos Advogados de seu Estado, o Rio de Janeiro, a Comissão OAB Mulher e a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ posicionavam-se em favor da reforma da legislação penal, com a descriminalização e regulamentação do aborto. Essa é uma bandeira antiga da OAB Mulher, hoje encampada também pela Comissão de Direitos Humanos e, ineditamente, manifestada de forma pública na grande imprensa, reiteradas vezes, pelo atual Presidente da OAB/RJ, Dr. Wadih Damous.

 

 

Leia abaixo alguns argumentos apresentados na Audiência Pública, realizada na Câmara dos Deputados:

 

Na última quinta-feira, 29, aconteceu a segunda Audiência Pública de 2007, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, para discutir o PL 1135/91, que retira do Código Penal o artigo que descriminaliza o aborto. A primeria aconteceu em junho. Desta vez falaram contra o projeto a advogada Gisela Zilsch (Comissão de Defesa da República e da Democracia da OAB-SP) e Cláudio Fonteles (sub-procurador-geral da República). A favor, falaram a socióloga Maria José Rosado (ONG Católicas pelo Direito de Decidir) e o professor de Direito Constitucional Daniel Sarmento (UERJ). O clima dos debates foi tenso, como relataram, em entrevista, as advogadas Ana Paula Sciammarella e Maíra Fernandes.

 

Daniel Sarmento defendeu a descriminalização e declarou que os melhores instrumentos de proteção à gravidez não devem estar no Código Penal, mas em áreas como a proteção social às mulheres, a educação e a saúde de qualidade. Para ele, a proteção à gravidez tem de ser progressiva, ou seja, o direito do feto cresce à medida que transcorre a gestação. Um aborto espontâneo nas primeiras semanas não costuma ser visto como "uma tragédia", diferentemente do "trauma" provocado quando a interrupção da gestação ocorre próxima dos nove meses. "A vida deve ser mais protegida na medida em que avança com a formação, por exemplo, do córtex cerebral", explicou.

 

Para ele, a maioria das pessoas contrárias à descriminalização do aborto se apega a argumentos morais, mas a elaboração de políticas públicas não deve se ater a crenças ou religiões: "O estado laico deve se pautar por razões públicas. É antidemocrático excluir os grupos religiosos do debate, mas eles devem traduzir sua opinião em argumentos científicos".

 

Cláudio Fonteles tratou do caso de gestantes "abandonadas" defendendo a criação de programas sociais de acolhimento para permitir que elas tenham uma gestação saudável e com bom atendimento social, e com isto evitando a prática do aborto. Afirmou também ser favorável à preservação da gravidez de fetos anencéfalos, lançando mão do exemplo - raríssimo - da menina Marcela, que nasceu há cerca de nove meses com esta anomalia e sobrevive com assistência permanente e ajuda de máquinas ( Clique aqui para ver matéria do Mulheres de Olho sobre este caso).

 

Contrapondo-se a Sarmento, Gisela Zilsch afirmou a inconstitucionalidade do Projeto de Lei 1135/91. Para ela, o projeto fere o artigo 4º da Constituição que "impede a restrição de direitos fundamentais, como o direito à vida". A advogada afirma que o projeto "beneficia clínicas clandestinas e médicos que fazem aborto e (que) irão ganhar um pouco mais de dinheiro". Zilsch aponta ainda para o fato de que o PL 1135 não define prazo para a prática de aborto, alegando que, uma vez aprovado, estará autorizada "a morte de um bebê com nove meses de gestação".

 

Maria José Rosado refuta esta afirmação, lembrando que o período a ser autorizado no Brasil será definido pelos legisladores a partir de debate com a sociedade, e que não existe um país que admita a prática do abortamento em idade gestacional tão avançada. Os dados apresentados por Rosado - provavelmente tendo como fonte estudo recente desenvolvido pelo Minsitério da Saúde e Ipas - apontam a realização de aproximadamente 1 milhão de abortos por ano no Brasil. A socióloga enfatizou: "Eu me recuso a acreditar que 1 milhão de mulheres sejam criminosas ou incapazes de julgamento moral". Segundo a reportagem da Agência Câmara, Rosado repudiou o fato da Câmara estar sendo utilizada como espaço para se fazer "conspirações de caráter religioso", alegando que mesmo que os parlamentares tenham suas crenças pessoais, o espaço para dar vazão a elas não seria aquele: "O Estado laico deve respeitar a opinião de cada um, mas um representante do povo não deve deixar que suas convicções pessoais atuem contra o interesse público".

 

Próximos passos

 

A reportagem conta também que o relator Mudalen anunciou que irá divulgar seu parecer assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) definir sua interpretação a respeito do início da vida humana, e que esta decisão deve sair em setembro. Nas próximas audiências públicas será ouvido o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Abrir WhatsApp