08/02/2023 - 13:29 | última atualização em 08/02/2023 - 13:34

COMPARTILHE

O papel da Ordem dos Advogados do Brasil: tudo e nada além disso

Fernanda Tórtima e Ulisses Rabaneda*



Não raramente, e particularmente nos últimos meses, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil vem sendo instado a se manifestar acerca de ilegalidades supostamente ocorridas no âmbito de determinados casos concretos, notadamente relativos à matéria penal. Há quem sustente até mesmo que caberia à OAB atuar em tais situações com representação nos autos, zelando por interesses individuais de investigados e acusados que estejam sofrendo violações a direitos e garantias processuais e constitucionais.

É preciso, impreterivelmente, compreender qual é o papel institucional da Ordem. Definitivamente não é atuar, por meio de advogados designados por seu presidente, em casos concretos, defendendo interesses de investigados em inquéritos ou acusados em ações penais. Esse será sempre o papel de advogados contratados para tal mister, ou mesmo da Defensoria Pública, que, na ausência de advogado constituído, atuará obrigatoriamente em favor de quem esteja no polo passivo de ações penais, independentemente da constatação de hipossuficiência. Neste último caso, registre-se, poderá o acusado ser obrigado a ressarcir os cofres do Estado, caso tenha recursos para tanto. De qualquer forma, fato é que ninguém será processado, muito menos condenado, sem que tenha tido direito à defesa técnica.

Discussão semelhante já se travou no âmbito da cognominada operação "lava jato". Inúmeras foram as violações a garantias penais e processuais publicizadas por profissionais que atuaram no caso. E não há notícia de atuação da Ordem na ocasião que não fosse zelando pelas prerrogativas advocatícias, por exemplo em casos de Departamentos Jurídicos de empresas que haviam sido alvo de medidas cautelares ou mesmo de investigação de advogados em razão do exercício da profissão. Por mais questionáveis que tenham sido as medidas tomadas no bojo do referido grupo de processos, eram os advogados neles constituídos que tomavam as providências judiciais cabíveis em benefício de seus clientes, sendo possível recordar até mesmo de recursos a órgãos e Cortes Internacionais contra o Estado brasileiro, nenhum deles manejado, por óbvio, pela OAB.

Com efeito, a OAB exerce relevante função institucional, reconhecida, em certa medida, no texto constitucional, e fundamentalmente pelo legislador ordinário. Assim é que a Constituição Federal insere a advocacia no capítulo das funções essenciais à Justiça, atribuindo ainda ao Conselho Federal da entidade legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade (artigo 103, VII da CRFB) [1].

É bem verdade ainda que a Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), em seu artigo 44, inciso I, estatui que é papel da OAB defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça (...). Sim, como já afirmou o STF, o papel institucional da OAB transborda aquele que normalmente tem uma entidade de classe.

Mas isso não autoriza a atuação da entidade em prol de interesses privados, por mais legítimos que eles sejam, e por mais ilegais que possam ser as decisões que violem os direitos de investigados e partes processuais. Novamente, é papel do advogado constituído nos autos lançar mão de todos os remédios processuais existentes para fazer valer os direitos de seus clientes. À OAB, no cumprimento de sua missão institucional, cabe a atuação em abstrato, sem se deixar instrumentalizar para o atendimento de interesses individuais em casos concretos.

Situação absolutamente distinta, e aí sim a autorizar a atuação concreta da entidade de classe, por meio do Conselho Federal ou de suas Seccionais, se dá quando advogado tem suas prerrogativas violadas, seja em razão de ser impedido ou turbado ao exercer sua função, seja quando ele próprio é alvo de medidas de natureza criminal igualmente em razão do exercício da profissão.

A OAB, entenda-se de uma vez por todas, não é e jamais poderia ser um grande escritório de advocacia. Como entidade de classe, tem o dever de, concretamente, zelar pelos interesses de todos os seus inscritos naquilo que se refira ao exercício da profissão de advogado, e aí sim, por meio de todas medidas judiciais cabíveis. Como instituição que exerce função essencial à Justiça, tem a obrigação de, abstratamente, defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis e pela rápida administração da justiça.

Tudo isso. Nada além disso.



[1] Em ação direta de inconstitucionalidade em que se abordou a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, o STF afirmou que "a Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional". ADI 3026, relator ministro Eros Grau, DJ 29/09/2006.


* Fernanda Tórtima é criminalista e conselheira federal da OABRJ. Ulisses Rabaneda é criminalista, conselheiro federal da OABMT e procurador-geral do Conselho Federal da OAB. Artigo pulicado na Revista Consultor Jurídico nesta quarta-feira, dia 8.

Abrir WhatsApp