12/05/2008 - 16:06

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Precatórios: OAB/RJ vai à Corte Interamericana denunciar descaso

Precatórios: OAB/RJ vai à Corte Interamericana denunciar descaso

 

 

Do Jornal do Commercio

 

12/05/2008 - Em mais uma ofensiva contra a inadimplência de governos estaduais e municipais de diversas partes do País em relação aos precatórios, a Ordem dos Advogados do Brasil vai denunciar à Corte Interamericana de Direitos Humanos o descaso para com essas dívidas, que decorrem de decisões proferidas pela Justiça. A medida foi anunciada pelo presidente da Comissão de Defesa dos Credores Públicos da Seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ), Eduardo Gouvêa, durante seminário sobre o tema, realizado na última sexta-feira, na sede da entidade. Na ocasião, ele explicou que ainda está em estudo se a denúncia será feita pelo Conselho Federal ou pela própria Seccional. O fato é que a entidade ingressará com a reclamação independentemente da aprovação, pelo Congresso, da Proposta de Emenda Constitucional nº 12. A proposição, que visa à modificação das atuais regras de pagamento dos precatórios, é criticada pela advocacia por institucionalizar o calote público.

 

A denúncia deverá ser feita em conjunto com o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente. O fundamento será o descumprimento de decisões judiciais pelo Poder Público. A corte já procedeu contra outros países, não especificamente em relação ao precatório, que só existe no Brasil, mas em relação ao descumprimento de decisões judiciais. "Estamos estudando fazer a denúncia por meio de dois credores, que estão na fila há anos sem receber", afirmou Eduardo Gouvêa. De acordo com ele, o tribunal poderá impor sanções ao governo brasileiro, de forma a obrigá-lo a cumprir as determinações da Justiça.

 

 

Ato contra a pec

 

O seminário promovido pela OAB/RJ praticamente se tornou um ato contra a PEC 12. Na ocasião, Eduardo Gouvêa criticou o argumento utilizado por quem é favorável à proposta, de que os advogados não querem a aprovação do texto porque seriam credores de precatórios de valores consideráveis. Alguns governantes que defendem a PEC 12, principalmente os de São Paulo, alegam que essa não é uma bandeira das grandes bancas porque elas têm créditos a receber. "Mesmo que isso fosse verdade, digo que temos todo o direito de cobrar", afirmou o advogado, que apresentou um vídeo com depoimento de pensionistas e aposentados detentores de créditos e que ainda não haviam recebido, apesar do tempo que a determinação judicial foi proferida.

 

Eduardo Gouvêa disse que, além de inconstitucional, a proposição não tem base financeira e que, por isso, poderá agravar a situação da dívida no País - estimada pela OAB em mais de R$ 100 bilhões. Nesse sentido, o advogado apresentou uma simulação feita com base nas regras previstas na proposta. Se o texto for aprovado, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, por exemplo, deixará para seu sucessor, em janeiro de 2011, um estoque de dívida de aproximadamente R$ 3,2 bilhões. Quando ele ingressou no governo, o montante devido era de R$ 1,8 bilhão. E em São Paulo, o credor com precatório expedido a partir de 2003 provavelmente ficará sem receber, porque o percentual destinado ao pagamento dos créditos não seria suficiente sequer para pagar a correção monetária da dívida existente.

 

A PEC 12 prevê a utilização de até 70% dos recursos destinados à quitação dos precatórios na realização de leilões no qual receberia primeiro o credor que oferecesse maior desconto. Apenas 30% seriam destinados ao pagamento integral da dívida conforme estipulada na sentença. A proposição visa também à extinção da ordem cronológica de pagamento. Além disso, objetiva a modificação da taxa de correção monetária dos créditos, mesmo daquelas que foram estabelecidas por meio de decisões já com trânsito em julgado. Pelo projeto, a atualização ocorreria segundo a taxa da caderneta de poupança. O índice médio de correção aplicado hoje é de 16%.

 

Segundo Eduardo Gouvêa, a solução para o problema em que se tornaram os precatórios passa por outras vias, principalmente daquelas que visam ao pagamento efetivo do crédito, a redução do estoque e a padronização de procedimentos. Em relação ao primeiro ponto, se destacam as propostas para incrementar a cobrança da dívida ativa do Estado, para que parte dos recursos arrecadados seja destinada ao pagamento da dívida; para transferir verbas diretamente para a presidência do Tribunal de Justiça, para que ele próprio faça a liquidação dos créditos; para permitir a utilização dos depósitos judiciais; e para criar campanhas que permitam o aumento da arrecadação, em conjunto com outras entidades como a OAB ou associação de credores.

 

Em relação à redução do estoque da dóvoda, a proposta apresentada por Eduardo Gouvêa prevê a aprovação de legislação que permita a compensação dos precatórios vencidos com tributos; que autorize a utilização do precatório como garantia à execução; e que estabeleça a aprovação de lei de incentivo fiscal e de compensação permitindo o pagamento de parte do ICMS dessas operações com precatórios.

 

 

Securitização

 

"Outra solução seria o ingresso do mercado financeiro nesse sistema. Uma das idéias é criar uma ferramenta que nos permita pôr os precatórios em um fundo de investimento. Os investidores comprariam cotas desse fundo e se tornariam, de forma indireta, credores do Estado. Com isso, o Estado iria pagando com fluxo de recursos que ele estabelecesse e com uma taxa de juros que obviamente combinada", explicou Eduardo Gouvêa, destacando que a medida, chamada de securitização dos precatórios, daria certo sob uma condição. "É preciso que o governo acene ao mercado financeiro de que iria arcar com os juros, que obviamente são menores que os oriundos do acúmulo desses créditos", acrescentou.

 

Eduardo Gouvêa ressaltou ainda a importância de se padronizar os procedimentos de processamento e liquidação dos precatórios, para evitar que o governo utilize o argumento de que não tem dinheiro para protelar o pagamento. "No Supremo Tribunal Federal há um exemplo clássico. A corte decidiu que não caberia intervenção judicial no Estado de São Paulo porque ele estaria se esforçando para pagar a dívida. O Estado pagava 3% de sua receita. No ano retrasado, pagou R$ 2 bilhões. Então, vimos o esforço de se dar uma solução a esse problema. Só que a decisão da corte passou a ser aplicada a todos os Estados. O que não foi bom. No mesmo ano, o Rio de Janeiro havia pago apenas R$ 20 milhões", disse o advogado, que pretende levar proposta ao Conselho Nacional de Justiça para que promova essa uniformização.

 

 

Críticas

 

Participaram do seminário o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous; o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luiz Fux; o presidente da Comissão Especial de Assuntos Relativos aos Precatórios Judiciais da Seccional paulista, Flávio Brando; o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Agostinho Teixeira e o advogado Luiz Gouvêa, entre outros profissionais e autoridades.

 

Na ocasião, Luiz Fux fez duras críticas à forma como os governos têm lidado com a questão. De acordo com ele, parece que o interesse público não está sendo observado com a devida prioridade. "Não se pode tratar do assunto sem passar pela supervalorização da sociedade", disse o ministro, que expressou solidariedade para com as vítimas do chamado calote público.

 

Ainda no seminário, o advogado Flávio Brando destacou algumas iniciativas que tem permitido êxito no pagamento dos precatórios, como as câmaras de conciliação especializadas em funcionamento em Minas Gerais. "Poderíamos criar mecanismos que permitissem o credor pagar hospitais com os precatórios, que seriam utilizados, por sua vez, para quitar débitos tributários. Ou ainda, poderíamos permitir a utilização desses créditos no financiamento da casa própria", chegou a sugerir o advogado, em sua palestra.

 

O advogado Luiz Gouvêa cobrou mais atitude do Judiciário. "Falta às pessoas envolvidas nessa questão vergonha na cara. Essa é a expressão popular que mais se adequa a esse problema que ameaça o País. Se os juízes brasileiros tivessem desde logo um maior cuidado para permitir que as decisões ficassem sem ser cumpridas por tanto tempo, não teríamos esse problema", disse.

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