09/06/2008 - 16:06

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O preço da justiça: brasileiro descobre o dano moral

O preço da justiça: brasileiro descobre o dano moral

 

 

Da Revista IstoÉ

 

09/06/2008 - Na sociedade capitalista, o valor de um bem pode ser mensurado pelo preço. Quanto mais raro, mais precioso. Quanto mais desejado, mais caro. Esta lógica costuma funcionar quando é aplicada a produtos com cotação de mercado. Mas quanto vale uma vida? Como reparar quem teve o nome difamado perante a família, os amigos, os colegas de trabalho? São perguntas como essas que os juízes têm de responder quando se vêem diante de uma ação por danos morais. E elas são cada vez mais freqüentes. Há 15 anos, apenas 23 processos chegavam à instância máxima, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2007, foram mais de 12 mil. Outros milhares foram resolvidos em varas comuns ou nos juizados especiais.

 

Os valores envolvidos em ações de danos morais geram muita controvérsia porque esbarram na delicada questão da subjetividade. "Cada vez mais essas indenizações navegam à deriva", diz o advogado Leonardo Castro. Dois casos semelhantes ilustram isso. A concessionária de água e esgoto de Aimorés (MG) foi condenada pelo STJ, no ano passado, a pagar R$ 600 aos moradores que entraram na Justiça por consumirem água de um reservatório onde foi encontrado um cadáver em decomposição. Em março passado, o juiz Yale Mendes, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, condenou a rede de lanchonetes McDonald's a indenizar em R$ 10 mil a publicitária Juliana Zéfiro. Ela encontrou uma formiga grudada na batata frita comprada em uma loja em Cuiabá. O McDonald's recorreu.

 

A questão se torna ainda mais polêmica quando envolve morte. A faxineira Lucinda dos Santos, de Santa Catarina, perdeu a filha de dez anos atropelada por um ônibus. Processou a empresa dona do coletivo por danos morais e venceu em primeira instância. Condenada a pagar R$ 50 mil, a empresa recorreu da decisão com o argumento de que a cifra deveria ser reduzida, pois tinha de ser compatível com a situação econômica e social da faxineira. No Tribunal de Justiça, o desembargador Newton Janke manteve o valor. Segundo ele, reduzi-lo por se tratar de uma faxineira seria discriminação. "O dano moral é um fator intrínseco. Não é maior ou menor dependendo do status social da vítima", diz Janke.

 

Dois princípios básicos norteiam as sentenças: não falir o processado e não enriquecer a vítima. A maioria dos juízes recorre à jurisprudência para estipular quantias, que costumam ser baixas. Nos Estados Unidos, processos por danos morais movimentam uma verdadeira indústria, com seguros e indenizações milionárias, especialmente em casos que envolvem invalidez ou morte. Lá, o montante é estabelecido por um júri popular. Aqui, a decisão fica a critério dos juízes - e cada cabeça é uma sentença. Por isso, há quem defenda o tabelamento dos valores em até R$ 180 mil. "É uma idéia ruim porque você acaba dando uma informação preciosa para o agressor", diz o professor Salomão Resedá, que defendeu uma tese sobre danos morais na Universidade Federal da Bahia.

 

O objetivo principal de uma ação por danos morais é punir e educar o agressor. É isso o que busca o casal de arquitetos Silvia Basile e Fernando Zacharias, que perdeu a caçula de três filhos nas férias, em 2002, em um passeio a cavalo em um resort de Maragogi (AL) por displicência do hotel. O resort foi condenado, em primeira instância, a pagar R$ 4 milhões. "Os valores hoje são aviltantes. É preciso haver um ressarcimento mínimo porque a minha família vai conviver a vida inteira com este fato", diz Silvia. Em decorrência da morte de Victoria, então com nove anos, todos foram fazer terapia, um dos filhos teve síndrome do pânico e remédios de tarja-preta ainda freqüentam as prateleiras da família.

 

Os campeões dos processos são as prestadoras de serviço de telefonia, os bancos e as operadoras de cartão de crédito. O consultor Felipe Lindoso decidiu processar a empresa de telefonia que vendeu as três linhas de celular usadas por ele, pela mulher e pelo filho, sem qualquer aviso. No primeiro julgamento, a empresa foi condenada a pagar R$ 7,5 mil. Além dos transtornos causados na vida profissional - ele estava fechando um projeto e ficou sem telefone por três dias -, após a condenação da empresa, o consultor descobriu que seu nome foi parar num cadastro nacional de devedores por conta das linhas que já não estavam mais em seu poder. Entrou com outro processo e também aciona judicialmente o cadastro, que falhou por não tê-lo informado da inclusão. "É preciso acabar com essa mentalidade de que tem lei que não pega. A lei não pega porque as pessoas não vão atrás de seus direitos", diz ele.

 

"Hoje é mais fácil para as empresas pagarem indenizações de R$ 1 mil, R$ 2 mil do que mudar a forma de agir", diz o professor Resedá. Na sua tese, ele defende uma idéia original: que em casos recorrentes seja aplicada uma multa elevada, mas que, para não enriquecer a vítima, a maior parte dos recursos seja destinada a um fundo público. "Assim, as empresas tomarão mais cuidado em não provocar danos morais."

 

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