16/03/2009 - 16:06

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Projeto de lei pode tornar crime a emissão do cheque pré-datado sem fundo

Projeto de lei pode tornar crime a emissão do cheque pré-datado sem fundo

 

 

Do Jornal do Commercio

 

16/03/2009 - De autoria do deputado Celso Maldaner (PMDB-SC), a proposta altera o inciso 6º do parágrafo 2º do artigo 171 do Código Penal, que trata do estelionato, e estabelece pena de reclusão de um a cinco anos, mais o pagamento de multa, para quem emitir cheque sem suficiente provisão de fundos, ainda que pré ou pós-datado, em poder do sacado.

 

Esse não é o único projeto em tramitação no Congresso sobre o assunto. Muitos outros visam à solução, principalmente na esfera cível, dos problemas relacionados à apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estabelecido, pelo comerciante, ou à emissão deste quando sabido que não há fundo, pelo consumidor. No que depender dos autores e relatores dos projetos de lei em tramitação no Congresso visando a sanar essas questões, o assunto ganhará celeridade neste ano. A deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP), autora da proposição mais antiga em tramitação na Câmara, por exemplo, quer vê-la incluída na pauta da casa o quanto antes. Ela disse que tentará convencer as lideranças partidárias sobre a necessidade de agilizar a votação.

 

Essa mobilização se deve, em parte, à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de editar, no mês passado, uma súmula que reconhece o direito à indenização por dano moral em caso de depósito antecipado de cheque pré-datado. Apesar de os projetos irem no mesmo sentido que a orientação da corte superior, advogados ouvidos fazem críticas. Na avaliação deles, os textos, se aprovados, trarão mais prejuízos do que benefícios ao comércio.

 

No projeto que tipifica como estelionato a emissão de cheque pré-datado sem fundo, seu autor reconhece que o título sempre foi definido na doutrina brasileira como uma ordem de pagamento à vista. Todavia, modernamente, tornou-se uma prática no comércio a utilização de cheque pré-datado como forma de pagamento, afirmou Maldaner, destacando que boa parte dos cheques emitidos atualmente não tem fundos.

 

Segundo afirmou, como a jurisprudência não considera tal prática como sendo crime, os comerciantes acabam tendo sérios prejuízos. O comércio precisa ter uma garantia de que os compromissos assumidos por essa modalidade de emissão de cheque serão honrados, sob pena de se estabelecer total insegurança para as relações comerciais, afirmou o parlamentar.

 

 

Equívoco

 

O criminalista Filipe Schmidt Sarmento Fialdini - do escritório Fialdini, Guillon Advogados - afirmou que é um equívoco tratar a questão envolvendo o cheque pré-datado sem fundo do ponto de vista criminal. Hoje em dia, temos outras formas de resolver esse problema. O comerciante dispõe de meios para verificar se o cliente tem ou não crédito, por meio dos sistemas de controle como o Serasa e o SPC, afirmou o especialista, lembrando que a legislação brasileira não admite a prisão civil por dívida, a não ser em caso de não pagamento de pensão alimentícia.

 

Nesse sentido, ele destacou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida em dezembro do ano passado e que veda a prisão do depositário infiel. O entendimento foi firmado durante o julgamento de dois recursos extraordinários por meio dos quais dois bancos questionavam decisões judiciais que equipararam o contrato de alienação fiduciária em garantia ao contrato de depósito de bem alheio (depositário infiel) para efeito de excluir a prisão civil. Na ocasião, os ministros rejeitaram as teses e estenderam a proibição da prisão civil por dívida à hipótese de infidelidade no depósito de bens, como previsto no artigo 5º, inciso 67 da Constituição.

 

Pesaram nessa decisão os tratados internacionais sobre direitos humanos que proíbem a prisão civil por dívida e dos quais o Brasil é signatário. Entre eles, está o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Se analisarmos a questão do cheque pré-datado, veremos que é muito semelhante. O cidadão não pode ser preso por dívida. Então, se o projeto for aprovado, poderá até ser declarado inconstitucional pelo STF, disse Fialdini.

 

O advogado lembrou ainda súmula editada pelo STF sobre o cheque para pagamento à vista. Segundo a orientação, o pagamento de cheque emitido sem previsão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta o prossegui mento da ação penal. Esse entendimento é antigo, mas vem no sentido da descriminalização, pois, se a pessoa paga o que deve antes do oferecimento da denúncia, não há o prosseguimento da ação, afirmou.

 

David Rechulski, do escritório Rechulski e Ferraro Advogados, também é contra o projeto de lei que criminaliza o cheque pré-datado sem fundo. De acordo com ele, o estelionato se caracteriza com a indução da vítima a erro, mediante ardil ou qualquer outro expediente fraudulento que for empregado no processo de convencimento. Na avaliação do especialista, o Direito Penal não deve ser banalizado. O Direito Penal é a última alternativa. A criminalização desse tipo de situação, que pode ser resolvida por meio de uma ação de cobrança e de execução, não têm sentido. Vai contra a política criminal. Um dos elementos que pressupõem o estelionato é o prejuízo. E nesse caso, ao pagar o valor devido, mesmo com o inquérito requerido, elide-se o crime, disse Rechulski.

 

Na esfera cível, são muitos os projetos de lei que visam a dar uma solução para os problemas envolvendo o cheque pré-datado. Um deles, que tramita na Câmara sob o número 1.029/91 e foi proposto pela deputada Fátima Pelaes, tramita apensado a outras 22 proposições e objetiva resguardar o consumidor do depósito antes do prazo. Esse projeto visa a alterar a natureza jurídica do cheque, que deixaria de ser um título de pagamento à vista. Se a proposta for aprovada, o cheque somente poderá ser descontado após o dia que estiver indicando.

 

Para isso, o projeto de lei original modifica o artigo 32 da Lei 7.357, de 1985, que dispõe sobre os cheques e estabelece: É vedado o pagamento de cheque apresentado antes do dia indicado como data de emissão. No parágrafo único, fixa: Após o prazo indicado como data de emissão, o cheque é pagável à vista, sendo considerada não escrita qualquer menção em contrário. Na justificativa, a parlamentar afirma que as relações de consumo são maleáveis e que o cheque pré-datado se tornou popular porque facilita o parcelamento para a maior parte da população em comparação aos crediários comuns, cujo trâmite para obtenção é mais burocrático.

 

Devido à atual sistemática da Lei do Cheque, que considera o cheque uma ordem de pagamento à vista, podendo ser apresentado e pago independente do dia indicado como de sua emissão, alguns comerciantes têm locupletado à custa da boa-fé dos consumidores. Tal situação ocorre devido a essa falha na legislação, que permite que sejam realizados acordos nos quais os comerciantes, mesmo comprometendo-se a não apresentar o cheque para o pagamento antes do dia mencionado, fazem-no, não possuindo o consumidor qualquer meio jurídico que o proteja, diz a deputada, na justificativa do projeto.

 

A tributarista Angela Martinelli, do Advocacia Celso Botelho de Moraes, é contra a proposta. Para ela, o texto contraria os tratados internacionais dos quais o País é signatário, entre os quais a Convenção de Genebra. Por essa convenção, o Brasil se compromete a dar tratamento uniforme ao cheque, reconhecendo que esse é uma ordem de pagamento à vista. Então, se o País aprovar alguma lei modificando a norma em âmbito interno, vai acabar alterando o tratamento dado ao cheque e denunciando (rompendo com) o tratado internacional. E quando você descumpre um acordo internacional está sujeito a sanções, afirmou a advogada, destacando que as consequências disso seriam nocivas para o mercado brasileiro.

 

Na avaliação da advogada, a solução mais adequada para resguardar o consumidor, para que não tenha o cheque depositado antes do dia acertado, e o comerciante, para que não fique sujeito a receber cheque pré-datado sem fundo, seria o aperfeiçoamento e a desburocratização dos instrumentos de crédito existentes.

 

Pelo projeto, o cheque pós-datado seria um título de crédito para pagamento futuro. Caso seja depositado antes da data convencionada, poderia acarretar indenização correspondente a dez vezes o valor do cheque. É importante lembrar que o cheque pós-datado faz tanto sucesso justamente por causa de facilidade em administrá-lo, pois não há toda uma burocracia para concedê-lo. Se o projeto vingar, causará efeitos negativos à economia interna, afirmou.

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