24/03/2008 - 16:06

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Projeto visa revisão da Constituição

Projeto visa revisão da Constituição

 

 

Do Jornal do Commercio

 

24/03/2008 - Passados quase 20 anos desde a promulgação da Constituição, tramita no Congresso um projeto que visa a revisão do seu texto. De autoria do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), a Proposta de Emenda Constitucional nº 193 prevê a realização de um plebiscito sobre a necessidade ou não de se atualizar a Lei Maior do País. A proposição foi apresentada em novembro do ano passado, portanto a 11 meses do aniversário da Carta. O objetivo era obter o aval para que a consulta popular fosse realizada em conjunto com as eleições municipais deste ano. Não foi possível. Agora, o parlamentar trabalha para que o texto seja aprovado até o final do ano. "A idéia é a de que a revisão seja feita em 2011 pelos deputados e senadores eleitos no próximo pleito. Os trabalhos se restringiriam a dois tópicos: reforma política e tributária. Tivemos muitas mudanças na Constituição, mas em relação a esses dois pontos não conseguimos formar a maioria necessária para a aprovação", justificou o deputado o porquê da proposição.

  

Segundo Flávio Dino, a proposta é importante para sanar a crise institucional que acomete o Brasil. Uma é a crise do próprio poder decisório legislativo. "O parlamento decide pouco e com muita lentidão. Outra é o excesso de medidas provisórias, que faz com que o presidente da República acabe exercendo o poder de editar leis. A terceira é o ativismo do Poder Judiciário com a judicialização das políticas públicas. São três fenômenos que dizem respeito a essa dificuldade de os Poderes encontrarem os papéis que lhes são próprios e conseguirem bem desempanhá-los", explicou o parlamentar, que já integrou a magistratura e foi presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe). Na avaliação do deputado, essa judicialização só retrocederá na medida em que os outros Poderes do Estado conseguirem cumprir bem as suas funções. "Daí a importância da revisão", afirma. Confira a entrevista concedida ao Jornal do Commercio.

 

 

Por que a revisão da Constituição é necessária?

Tivemos muitas mudanças na Constituição nos últimos 20 anos, mas em relação a dois tópicos, a chamada reforma política e tributária, não conseguimos formar a maioria necessária para a aprovação. E sempre houve tentativas, propostas são lançadas, o governo Lula acabou de apresentar uma proposta de reforma do sistema de tributação. A finalidade do plebiscito é fazer com que, a partir de 2011, os deputados e senadores eleitos em 2010 possam fazer mudanças na Constituição. Isso não mais por três quintos, mas por maioria absoluta, portanto um quorum mais simples, que possa assim levar à conclusão dessas reformas. O plebiscito também é para que não se questione, inclusive judicialmente, se essa assembléia revisora ou Congresso constituinte seria possível. Na medida em que a sociedade fosse consultada, evidentemente, esse questionamento, na minha visão, perderia o sentido.

 

 

A revisão seria feita por meio de uma nova constituinte?

Na verdade seria pelo próprio Congresso Nacional, ou seja, os deputados e senadores eleitos em 2010. Teríamos três momentos. O primeiro seria o plebiscito para saber se o povo concorda ou não com a realização da revisão constitucional, que ocorreria neste ano ou em 2009. Se a sociedade autorizar, teríamos um segundo momento que seria a eleição de 2010, em que todos os eleitores, por meio dos parlamentares que forem eleitos, iriam participar dessa revisão. O terceiro seria a revisão propriamente dita, já em 2011. Por seis meses, deputados e senadores, além de continuar com suas tarefas normais, se reuniriam para fazer essas modificações nesses dois tópicos. A finalidade (da proposta) é evitar os impasses. Esses são temas que estão permanentemente na agenda. Os pontos polêmicos das propostas não chegam à deliberação porque o quorum é muito alto, e isso dificulta a formação de maiorias.

 

 

Qual ponto da reforma política o senhor defende uma reformulação?

A crise institucional do Estado brasileiro tem três faces que estão entrelaçadas. Uma é a crise do próprio poder decisório legislativo. O parlamento decide pouco e com muita lentidão. A segunda é o excesso de medidas provisórias, que faz com que o presidente da República, o atual e os anteriores, acabem exercendo, de modo ordinário, aquilo que seria extraordinário, ou seja, o poder de editar leis. E a terceira é o ativismo do Poder Judiciário com a judicialização das políticas públicas. São três fenômenos que dizem respeito a essa dificuldade de os Poderes encontrarem os papéis que lhes são próprios e conseguirem bem desempanhá-los. Quando falo em reforma política, falo do enfrentamento desses três aspectos. O parlamento recuperando sua capacidade de formar maiorias e, portanto, de deliberar sobre os projetos, forcará o Poder Executivo a não abusar das medidas provisórias. A partir daí, não há dúvida de que o Judiciário deixará de exercer seu papel político de forma tão pronunciada e destacada como tem exercido, fazendo com que tenhamos uma permanente situação de confronto com os demais poderes do Estado.

 

 

Em relação à judicialização das políticas públicas, que mudanças o senhor propõe?

Esse fenômeno da judicialização só retrocederá na medida em que os outros Poderes do Estado conseguirem cumprir bem as suas funções. O Judiciário avança porque o Legislativo e o Executivo não conseguem dar as respostas aos problemas da sociedade com agilidade necessária. Exemplo foi a fidelidade partidária. Havia um reclame contra as trocas excessivas de partidos, algumas delas, infelizmente, por motivos fisiológicos. O Congresso não elaborou uma lei sobre o assunto. Coube ao Judiciário, então, de modo inadequado, instituir um regime de fidelidade partidária que, embora acertada pela definição conceitual, na prática está causando problemas. Mais recentemente, tivemos o exemplo da Lei de Imprensa. O Congresso discute, há 20 anos, projetos voltados a revogar ou a reelaborar a legislação. Como não houve uma deliberação, o Supremo Tribunal Federal acabou emitindo uma decisão sobre o assunto. Considero a lentidão no processo decisório no parlamento o principal fator de estímulo dessa judicialização excessiva das políticas públicas no País.

 

 

Que objetivos tem a reforma tributária?

Em primeiro lugar a simplificação do sistema tributário. Hoje as empresas gastam dinheiro para conseguir cumprir a lei. Elas têm a necessidade de manter um setor de contabilidade para dar conta de tantos impostos. Esse sistema faz com que estruturas imensas sejam montadas e isso, evidentemente, gera impacto no chamado custo Brasil. A reforma, em segundo lugar, deve visar a tornar o sistema de tributação mais progressivo, conectado com o princípio da capacidade contributiva: os que ganham mais devem pagar mais. O terceiro ponto deve ser o chamado pacto federativo. Temos que encontrar mecanismos pelos quais não haja a chamada guerra fiscal, praticada nos anos 90 e em que estados e municípios, visando a atrair e empresas, às vezes de modo irracional, reduziram os tributos. Isso gerou uma situação de competição predatória entre os entes federados. Esses três pontos, me parece, são fundamentais.

 

 

Na PEC há sugestões para essas reformas ou elas seriam feitas por meio dos projetos já em tramitação no Congresso?

A revisão constitucional está ganhando terreno. Já temos definição do PT a favor da tese. Além de mim, elaboraram proposta nesse sentido os deputados Miro Teixeira (PDT-RJ) e Michel Temer (PMDB-SP). Parlamentares de vários partidos vêm se posicionando sobre isso. Agora o necessário é fazer com que da discussão passemos à ação. Existem propostas prontas para votação. Estamos em uma fase que eu diria ser a número dois. A primeira era a da elaboração das propostas. Elas foram elaboradas, tramitaram e estão prontas para deliberação no plenário. A segunda é a de difusão da proposição e a busca de apoios. E a terceira, é tentar a votação. Estamos fazendo movimento articulado, buscando essa revisão.

 

 

A Constituição foi promulgada há 20 anos. Desde então, recebeu mais de 60 emendas. Por que, então, não propor uma revisão completa da Constituição?

A revisão completa da Constituição, embora, a meu ver, seja desejável, se chocaria contra muitas resistências, pois iria gerar uma insegurança nos atores econômicos e também da sociedade, que veriam nisso uma instabilidade institucional. Então, não há uma situação que justifique, aos olhos deles, uma revisão completa da Carta. Estamos diante de um quadro de mudanças paulatinas. Já houve modificações expressivas na ordem econômica, provocadas por uma série de emendas aprovada quando Fernando Henrique Cardoso era presidente. Depois disso, ocorreram alterações no sistema previdenciário, relativas à ampliação de direitos, que foram importantes. Porém, se olharmos todas as emendas, quase nada foi feito a respeito do sistema político e tributário. Como as emendas até agora não tocaram nesses assuntos, estamos dando prioridade a eles. Eles são importantes e não foram objetos de nenhum tipo de atualização nos últimos 20 anos.

 

 

Porque a revisão da Constituição é necessária?

Precisaríamos fazê-la em algum momento. Agora, certamente não é nesse porque necessitamos formar maiorias políticas. Refiro-me a maioria não apenas aqui no parlamento. Na sociedade também não há essa concepção difundida. Há, de fato, uma série de contradições na Constituição. Grande parte dela não foi adequadamente regulamentada. Portanto, existe uma situação que demanda um esforço de permanente atualização e de reforma do texto constitucional visando com que ele seja cada vez mais praticado e observado. Embora, no plano abstrato, eu reconheça que isso talvez seja bom, reconheço também total inviabilidade de uma revisão completa do texto nesse momento. Daí porque acho que temos que ter foco para, identificando as prioridades temáticas que têm importância e ainda não foram objeto de adequado processo deliberativo, possamos fazer uma revisão limitada, deixando para outro instante da história brasileira a reelaboração da Constituição. Realmente, agora, seria uma tese que não teria nenhuma viabilidade prática.

 

 

Qual é a tramitação da proposta?

Precisa ser votada, agora, no plenário da Câmara. Uma vez aprovada, vai ao Senado. Se o Senado aprovar, o plebiscito é convocado. Do contrário, a proposta será arquivada.

 

 

Qual é a previsão quanto à votação?

Estamos fazendo um esforço para ver se conseguimos votar até o fim do ano. Até porque se ela não for votada, aí estará inviabilizada. Na minha visão, é imprescindível a realização do plebiscito antes da eleição de 2010, pois será ele que legitimará a proposta. E para que se realize o plebiscito, é preciso que haja tempo. Daí porque temos que votar até o final do ano. O esforço é no sentido de buscar adeptos à idéia. Já há muitas pessoas se pronunciando a favor.

 

 

Com essa revisão da Constituição, o senhor acha que seria possível reduzir um pouco da demanda do Judiciário que chega justamente por conta da falta de clareza acerca do papel do Executivo e Legislativo?

Uma diminuição do número de processos na Justiça deve ser o objetivo permanente de todos os atores institucionais, inclusive do próprio Judiciário. Agora, o ciclo de solução da morosidade judiciária mediante a criação de novos cargos, prédios e órgãos se esgotou. Tivemos uma fantástica ampliação do número de magistrados e servidores no Brasil. Foi um processo correto, mas não onde o céu é o limite. Temos limites orçamentários e práticos. Não podemos, por exemplo, imaginar que um tribunal que tenha 600 julgadores irá funcionar. Então, não podemos olhar apenas para a velocidade com que os juízes julgam e a estrutura disponível. É preciso também olhar para a demanda. Como conseguir reduzir essa pressão permanente sobre as estruturas judiciárias. Isso tem a ver com o comportamento do Judiciário, das empresas e do parlamento. Na medida em que temos uma ordem jurídica insegura e contraditória, com propostas inadequadas ou que demoram a ser feitas, tudo isso obviamente alimentará a apresentação de processos na Justiça. Portanto, se conseguirmos avançar nessas temáticas, com ou sem revisão constitucional, conseguiremos dar uma contribuição positiva à redução dos conflitos na sociedade e, por conseguinte, no número de processos levados ao Judiciário.

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