15/09/2008 - 16:06

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STJ avalia habeas corpus para chimpanzés

STJ avalia habeas corpus para chimpanzés

 

 

Da Folha de S. Paulo

 

14/09/2008 - As irmãs Megh, 3, e Debby, 4, disputam incansáveis o carinho dos pais. Principalmente, quando a irmã mais velha Joyce, 27, está perto. É um tal de pular, gritar e jogar coisas. Nem precisava. As duas são objeto de atenção total da família, desde que foram adotadas no fim de 2004. A competição entre irmãs seria normal se a dupla não fosse de chimpanzés.

 

No sítio em Ibiúna (70 km de São Paulo), elas vivem como gente. E foi na condição de "quase humanas" que se tornarem objeto de uma ação inédita no STJ (Superior Tribunal de Justiça), onde será julgado pedido de habeas corpus em benefício "das meninas".

 

Para o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso, 48, bichos não são sujeitos de direito, mas, sim, pessoas. "Não me parece que o habeas corpus seja o mecanismo jurídico apropriado nessa discussão. É uma medida adotada com a intenção de sanar um constrangimento imposto a um ser humano. Ou seja, seu destinatário final é alguém, não um bicho."

 

Indiferentes à polêmica jurídica que a ação desencadeou desde que a desembargadora Alda Bastos, da 3ª Região do Tribunal Regional Federal, determinou que elas sejam devolvidas ao habitat natural, Megh e Debby se divertem em um playground de 600 m.

 

O lugar foi construído para abrigá-las pelo empresário Rubens Fortes, que se apaixonou por elas quando ficaram "órfãs" após a interdição do Paraíso Perdido Park, zôo de Fortaleza.

 

Megh e Debby contam com 20 brinquedos ao ar livre, entre escorregadores, balanços, casinhas e uma piscina lotada de bolinhas coloridas. A diversão continua em uma sala de 300 m com jogos pensados para estimulá-las. Além de skates e de redes, um laptop infantil faz a alegria das meninas.

 

Elas dormem, em média, 11 horas por dia, em camas separadas, com direito a cobertor e travesseiros. O dia começa cedo para as babás Nena Machado, 28, e Camila Leite, 16, que acordam às 5h, em ponto para preparar as mamadeiras de achocolatado ou suplemento alimentar para bebês.

 

Nena e Camila passam o dia por conta das chimpanzés. São elas que preparam as cinco refeições diárias com cardápio igual ao de um ser humano.

 

As atividades são acompanhadas de perto pela "mamãe" Claudia, que praticamente se mudou de São Paulo, onde vive a parte humana da família, para o santuário de Ibiúna. Tanto mimo é retribuído com muito carinho. As primatas abraçam, beijam e até penteiam os cabelos de "pais", "irmã" e babás.

 

"As meninas não têm rotina fixa. São elas que escolhem quando e o que vão fazer", garante Rubens, que mantém as chimpanzés com todo o conforto, em um amplo terreno de mata e com um rio ao fundo. São cerca de 1.000 m2 construídos e cinco ambientes.

 

 

Sentença de morte

 

Rotina tão próxima à dos humanos torna a situação legal de Megh e Debby ainda mais complexa. Devolvê-las à natureza, como determinou a desembargadora, seria uma sentença de morte. "Eles vivem em situação humanizada. Nasceram em cativeiro", explica Antônio Ganme, coordenador da divisão de fiscalização de fauna do Ibama.

 

Se o habeas corpus for negado, o instituto terá que cumprir a decisão judicial. O imbróglio jurídico é ainda maior pelo fato de os primatas não serem nativos da fauna brasileira. O biólogo Luiz Fernando Leal Padulla, que preparou um parecer apresentado à Justiça sobre o caso, conta que soltá-las na natureza é inviável: "A ação colocaria a vida desses animais em risco e causaria desequilíbrio ecológico, já que são naturais das florestas africanas com patologias específicas e necessidades alimentares diferenciadas".

 

O habeas corpus foi uma saída do empresário que não mede esforços para manter os animais perto de si e da sua família. Há um ano e meio, as chimpanzés vivem em um santuário particular, como são chamados os criadouros de animais exóticos autorizados pelo Ibama.

 

 

Só falta falar

 

Em São Paulo desde 2005, elas já mudaram de endereço três vezes. Os dois primeiros locais não receberam aprovação do Ibama. A decisão do TRF saiu quando a dupla já estava no santuário Caminhos da Evolução, que naquele momento ainda não havia sido homologado pelo instituto.

 

"O santuário de Ibiúna hoje é credenciado pelo GAP e está homologado pelo Ibama. Esta decisão judicial não faz o menor sentido", afirma Pedro Alejandro Ynterian, presidente do GAP Internacional (Great Ape Project), sigla em inglês para Proteção aos Grandes Primatas. "Estamos provocando a Justiça brasileira para que ela se pronuncie e confirme que os chimpanzés têm direito constitucional à vida."

 

A alegação é a de que eles têm 99,4% do material genético humano, mesmo sangue, são seres inteligentes e vivem em comunidade. "Só não sabem falar. E não tem humano que não sabe falar?", provoca Pedro.

 

Hoje, Megh e Debby não seriam bem-vindas ao meio dos seus semelhantes na África. A humanização das primatas chegou a um ponto que elas não conseguem mais dormir no chão nem se alimentar sozinhas. "Elas não são só duas crianças. São duas crianças mimadas", diz Selma Mandruca, do Projeto Grandes Primatas.

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