10/03/2008 - 16:06

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Tortura contra suspeitos: OAB e outras entidades avaliam pesquisa

Tortura contra suspeitos: OAB e outras entidades avaliam pesquisa

 

 

Do jornal O Globo

 

10/03/2008 - A constatação de que um em cada quatro brasileiros admite a tortura contra suspeitos de praticar um crime é o resultado de uma série de fatores que estimulam esse tipo de prática no país. Na opinião de ativistas em direitos humanos, contribuem para isso o clima de impunidade e a falta de credibilidade nas mais diferentes instituições, além do trabalho inquisitorial das policiais, que, segundo eles, sobrepõe estratégias de inteligência capazes de ajudar na elucidação dos casos.

 

O dado foi revelado por pesquisa realizada pela agência Nova S/B em parceria com o Ibope e divulgada pelo Globo ontem.

O levantamento tratou ainda sobre a forma como o brasileiro lida com questões de raça e sexo, meio ambiente e o tratamento dispensado a idosos.

 

"O raciocínio é o de que, para se proteger do perigo, o jeito é se antecipar a ele. Aí que é entra a tortura, que virou um ritual no país. As pessoas não reconhecem no outro um ser humano igual a ele", avalia a presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Rose Nogueira. "O único desejo é o da punição e da vingança, e isso acontece porque as escolas também não preparam as crianças para uma educação humanista", diz Rose.

 

 

Para advogado, lado emocional afeta análise

 

Em relação à tortura, o lado emocional tem feito com que os brasileiros dêem margem para que esse tipo de ação seja aplicada mesmo sem julgamento.

 

"A tortura tem a aclamação da sociedade, que, nesses casos, age com a emoção. Principalmente quando o torturado não tem relação com a sua família. Caso contrário, aí sim, ele é contra a tortura, e defende os direitos humanos, o que é uma grande incongruência", analisa o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador-geral da Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura, com sede na França. 

 

Segundo a pesquisa, 26% dos entrevistados usariam práticas violentas para obter informações de suspeitos, pois seria o único método que funciona no país. Outros 68% dizem que não usariam o mecanismo, a não ser para se defender. Para Adriana Loche, coordenadora do Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, as contradições verificadas na pesquisa (a maioria se diz favorável aos direitos individuais) são decorrentes da falta de um projeto de Nação: "A sociedade carnavalizou demais o país".

 

A aceitação da tortura também encontraria explicações em países mais desenvolvidos que defendem a prática, diz o deputado Renato Simões (PTSP), que presidiu a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo: "A tortura é o grande argumento da direita internacional. O próprio George W. Bush (presidente dos EUA) regulamentou o uso de técnicas de afogamento em interrogatório".

 

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, disse que a pesquisa reflete um sentimento autoritário a partir do fortalecimento do Estado policial. "Infelizmente, um dos graves reflexos do Estado policial que vive o Brasil atualmente é criar a cultura autoritária e de uso da violência como solução dos problemas que atingem a sociedade. Apoiar métodos de tortura é conseqüência desse clima autoritário de fortalecimento do Estado policial que se espalha não apenas no Brasil, mas por vários países, inclusive de primeiro mundo", afirmou.

 

 

Dirigente da OAB do Rio vê desconfiança do brasileiro

 

Britto disse que nos EUA e na Inglaterra as autoridades admitem que práticas de tortura são necessárias no combate ao terrorismo. E lembrou a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes pela polícia inglesa: "Esse dado da pesquisa serve de alerta, impondo criar uma cultura para a paz, antes que essa minoria se torne uma grave e preocupante maioria".

 

Para o integrante da Comissão de Direitos Humanos da seção paulista da OAB, Lúcio França, a tortura ganhou aceitação por conta da impunidade: "A lei da tortura não é respeitada, não pegou, e isso faz com que a impunidade se torne algo reinante no país".

 

Já o dirigente da OAB do Rio, Wadih Damous, afirmou que a pesquisa mostra o grau de desconfiança do brasileiro: "A pesquisa mostra que é alto o grau de desconfiança entre os cidadãos, ou seja, a 'virtude' está comigo e o 'erro', com o outro. Como é baixo o grau de cultura cívica, o que traduz, também, a profunda desconfiança dos brasileiros em relação às instituições públicas".

 

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