31/03/2008 - 16:06

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Tribunais do tráfico: para Wadih, sentimento de fazer justiça com as próprias não é exclusivo de áreas pobres

Tribunais do tráfico: para Wadih, sentimento de fazer justiça com as próprias não é exclusivo de áreas pobres

 

 

Do jornal O Globo

 

31/03/2008 - Cenas como a do tribunal do tráfico reveladas pelo GLOBO ontem chocam, mas não surpreendem pesquisadores, advogados e pessoas que estudam a violência no Rio. A maioria deles afirmou que elas são fruto da ausência do poder público nas comunidades, que acabaram dominadas pelo narcotráfico.

 

O presidente da OAB/RJ, Waldih Damous, disse que o sentimento de se fazer justiça com as próprias mãos não é exclusivo de áreas pobres: "Tribunais de exceção acontecem como rito nessas comunidades, mas o sentimento de se fazer justiça com as próprias mãos aparece em outros lugares, até na classe média. Esse sentimento traduz uma desconfiança com as instituições públicas, uma descrença no poder do Estado, no Judiciário".

 

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, avaliou que o problema não é só policial: "É preciso uma ação da sociedade, das instituições públicas e privadas, investindo em educação, saúde, cultura, empregos, promovendo qualidade de vida".

 

Para o prefeito Cesar Maia, a situação começou a se agravar a partir dos anos 80. "Tenho insistido que a questão central da presença e do caráter ostensivo do tráfico de drogas se referem ao sistema de Justiça e segurança", afirmou o prefeito.

 

O secretário-executivo do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), Ronaldo Teixeira, condenou a ação dos tribunais do tráfico. Segundo ele, esse tipo de problema se dá pela falta do Estado em comunidades em que a polícia age como "radiopatrulha", ou seja, circulando apenas longe da comunidade.

 

"Vamos disputar esses jovens com o crime, e começaremos a mudar o quadro. Se o jovem citado na matéria estivesse no Pronasci, sua situação seria diferente", afirmou o secretário, reconhecendo, no entanto, que a situação não mudará tão cedo.

 

A cientista política Sílvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) da Universidade Candido Mendes, disse acreditar que a reportagem serve para abrir os olhos de toda a sociedade. "A Justiça criminal tem quatro elos: a polícia, que prende; o promotor, que indicia; a Justiça, que julga; e o sistema penitenciário, que executa a pena. Mas ali o traficante faz tudo e ainda tortura enquanto está julgando, é algo medieval", avaliou Sílvia.

 

O vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, deputado Marcelo Freixo (PSOL), lembrou que a realidade dos tribunais do tráfico se estende por outras áreas: "Tanto o varejo da droga quanto as milícias dominam esses territórios, porque o Estado abriu mão de sua soberania nesses locais. As pessoas são vítimas de um poder local arbitrário, que está nas mãos de jovens inconseqüentes, acostumados com um código de violência desde pequenos".

 

Para o sociólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário estadual e nacional de Segurança Pública, essa rotina do tráfico, que também acontece em áreas dominadas por milícias, demonstra que a transição democrática não aconteceu nas áreas pobres: "A democracia ainda não chegou a essas comunidades, que vivem em regime de exceção. Os candidatos a prefeito têm como desafio enfrentar essa ditadura, atuando com os governos estadual e federal para reverter o quadro", lembra.

 

O coronel da reserva da PM do Rio Milton Corrêa da Costa criticou órgãos de direitos humanos, que, segundo ele, "calam-se" ante a violência do tráfico a que estão expostos os moradores de favelas. Já quatro pré-candidatos à prefeitura disseram que o caso choca por mostrar que as políticas falharam. "É a injustiça paralela, a barbárie da qual os poderes públicos são cúmplices por omissão", afirmou o deputado federal Chico Alencar (PSOL).

 

Jandira Feghali (PCdoB) disse ter ficado chocada com a declaração da mãe de B., que afirmou não ter condições de enterrar o próprio filho: "É um registro muito marcante. Não adianta urbanizar, se você não entrar com geração de emprego. O Estado tem que entrar inteiro com educação, emprego, saúde".

 

Para o deputado federal Fernando Gabeira (PV), o Estado não pode entrar em confronto com os traficantes e, depois, deixar a comunidade: "Talvez o Rio seja a única cidade do mundo que tem o domínio territorial de grupos armados que não são de governo. Isso é uma anomalia e uma grande questão estratégica para a cidade".

 

Já para deputada federal Solange Amaral (DEM), o estado deve repensar a política de enfrentamento do tráfico: "A política enfrentamento não está produzindo os resultados esperados, e sim vitimizando mais inocentes".

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