02/03/2009 - 16:06

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Videoconferência em questão

Videoconferência em questão


Da redação da Tribuna do Advogado

02/03/2009 - O jornal O Globo desta segunda publicou artigos que expressam opiniões contrárias sobre a lei da videoconferência, já sancionada pelo Governo Federal.

Leia abaixo os artigos.


Troca para melhor
Editorial do jornal O Globo

É possível que a preocupação com a necessidade de não haver mudanças constantes de legislação, para preservar a estabilidade jurídica na sociedade, condicione em parte a cultura do Poder Judiciário de se ater a normas e costumes consolidados. Não se trata propriamente de um defeito da Justiça - é saudável, em princípio, a perenidade das leis -, a não ser quando esta visão começa a atrapalhar a atuação eficiente dos tribunais e, de alguma forma, a contribuir para o aumento da insegurança pública.

Um exemplo é a adoção de novas tecnologias. Não se pode colocar em dúvida que, quanto maior a informatização dos tribunais, mais ágil e de melhor qualidade fica o trabalho dos magistrados.

Uma divergência, porém, surgiu na adoção do sistema de videoconferência, para permitir a tomada de depoimentos de presos sem a transferência deles de presídios aos fóruns, uma operação cheia de riscos e custosa para o contribuinte.

Uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo - estado em que, pelo tamanho, o trânsito de presos é intenso - instituiu a tomada eletrônica de depoimento. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, suspendeu a lei, por inconstitucional. Apenas o Congresso poderia incumbir-se da tarefa, decidiu. Assim foi feito, e, no início de janeiro, o presidente Lula sancionou a lei federal.

As vantagens são inúmeras, sem que direitos dos presos sejam desconsiderados. Além de mais pessoas poderem ser ouvidas pelos juízes, evita-se que presos perigosos se locomovam pelo país, sempre uma chance para tentativas de resgate, quando não só policiais correm risco.

Há, também, o problema dos custos. Estimava-se, em 2007, um gasto anual de R$ 1,4 bilhão, em todo o país, apenas no transporte de presos para os fóruns. Agora, esse dinheiro pode financiar despesas mais necessárias na segurança pública. O mesmo acontece com o efetivo de policiais mobilizados por esses comboios: em uma das várias viagens de Fernandinho Beira-Mar do presídio federal de Catanduvas, no Paraná, ao Rio, para depor, chegaram a ser mobilizados 25 agentes apenas da Polícia Civil. Cada policial deslocado para essas missões é menos um nas ruas, em ação ostensiva, ou em investigações. E se há uma deficiência crônica em várias cidades do país, é a falta de policiais onde eles são necessários


Direitos do preso
Katia Tavares, advogada

Foi sancionada pelo presidente da República a lei 11.900/2009, que modifica a legislação para admitir a realização de interrogatório do preso no estabelecimento prisional, sem a presença física do juiz, por meio de um sistema audiovisual em tempo real. As principais justificativas da lei são a preservação da segurança pública e evitar a fuga dos presos com o deslocamento entre presídios e fóruns.

A repulsa ao interrogatório virtual deita raízes nos princípios constitucionais do processo legal, do contraditório (art. 5º , incisos LIV e LV). Ademais, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário, também o Código de Processo Penal (art. 185), preveem o direito de o réu ser conduzido à presença física do juiz natural.

Além disso, como o sistema punitivo é demasiadamente falho, essa mudança poderá acirrar as polaridades sociais no âmbito do processo e os erros judiciários já existentes.

Não é novidade que o perfil básico da população carcerária é constituído de jovens pobres, predominantemente negros, semianalfabetos, aprisionados com menos de 30 anos de idade, sem advogado, com antecedentes criminais, cumprindo pena que varia entre quatro e quinze anos de prisão.

O interrogatório é a grande oportunidade que tem o magistrado para formar o juízo a respeito do acusado.

É nesse momento que o juiz poderá pessoalmente extrair as impressões necessárias para o julgamento do caso e, ainda, observar se o réu está em perfeitas condições físicas e mentais. O interrogatório realizado pela videoconferência compromete o exercício do direito à autodefesa. Dificilmente serão resguardados ao preso segurança e liberdade para que ele possa denunciar maus-tratos sofridos ou apontar os verdadeiros culpados.

O Estado deveria ter como prioridade investir concretamente e com eficiência numa política criminal de segurança pública, garantindo os direitos fundamentais e o princípio da isonomia. É bom lembrar, por fim, que é função do Poder Judiciário tutelar a liberdade humana e não socorrer o Poder Executivo em suas falhas e omissões.

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