03/08/2018 - 21:02

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Os transexuais e seus direitos

03/08/2018 - 21:02

Os transexuais e seus direitos

SANDRA REGINA BARBOSA*

Da vez primeira em que me assassinaram /Perdi um jeito de sorrir que eu tinha (Mário Quintana)

Passamos por um momento em que os direitos homossexuais estão sendo finalmente revistos. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu as uniões homoafetivas como entidades familiares equiparadas às uniões estáveis heterossexuais. Foi um grande passo.

Todavia, um longo caminho ainda falta ser trilhado, principalmente no que diz respeito aos transexuais. A medicina tem avançado com vários estudos e consequentes resoluções médicas, que justificam as operações e, portanto, legitimariam o direito maior dos transexuais — e de todos — à dignidade. Para os transexuais, a dignidade estará assegurada com a retificação no registro civil de seu nome e gênero, a partir de sua operação de redesignação sexual.

Apesar de ser dever dos agentes do Direito buscar a Justiça, esta tem sido morosa no que diz respeito aos transexuais. Em regra, ninguém procura saber o que é o transexualismo.

Para melhor compreendê-lo, mister se fazem algumas considerações: o transexualismo é uma síndrome — a síndrome do transexualismo. Existem vários conceitos; contudo, todos convergem para um ponto — o transexual é aquele que não compatibiliza seu sexo biológico com sua identificação psicológica, ou seja, seu reconhecimento psicológico é inverso ao seu sexo. Não se preocupando em conhecer o conceito, a maior parte da sociedade preconiza ou se prende a dogmas religiosos, esquecendo que somos um país laico.

A ilustre professora de Direito Civil da PUC e da Uerj Maria Celina Bodin de Moraes, em seu livro Danos à pessoa humana, assevera que “a personalidade humana é um valor unitário (...) sem limitações. Assim não se poderá (...) negar tutela a quem queira garantia sobre um aspecto de sua existência para qual não haja previsão específica, pois aquele interesse tem relevância ao nível do ordenamento constitucional e, portanto, tutela também em via judicial”.

Além disso, faz-se ressaltar que, por força do artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, é dever do Estado garantir a dignidade, protegendo este núcleo de lesões, pois de nada adianta ter direitos se não podemos exercê-los. E no caso dos transexuais? Eles têm seus direitos garantidos a partir deste princípio basilar?

Também deve ser ressaltado que é reconhecido, pelo artigo 6º da Constituição Federal e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que o bem-estar psíquico é fundamental para a saúde — mente sã em corpo são. Como podem os transexuais se sentir sãos em um corpo operado, mas não combinando com seu registro civil?

Em nossas vidas, a todo instante temos que fazer uma confirmação social, isto é, temos que comprovar quem realmente “somos”. Sendo assim, temos o registro de nascimento, o passaporte, documentos que afiançam quem somos, pois confirmam nossos nomes, nossos sexos. Isto não acontece com os transexuais, pois, como já foi mencionado, a retificação de seus registros é sempre uma via crucis — e quando acontece, diferentemente de muitos países.

No artigo O transexualismo e a alteração do registro civil, o oficial do RCPN do 1º Distrito de Três Rios, Rafael D’Avila Barros Pereira, afirma que “a Carta Magna brasileira possibilita tal alteração ao estabelecer a dignidade da pessoa humana como fundamento de nossa República. Consoante tal princípio constitucional, não é possível admitir que o transexual, após a cirurgia, não tenha seu registro civil conforme a sua nova realidade”.

Vários são os argumentos alegados para a não retificação do nome do transexual, como, por exemplo, a segurança jurídica. Contudo, esta estará preservada na manutenção do mesmo CPF, bem como na retificação averbada no Livro de Registros.

Já existem vários entendimentos favoráveis, como o Projeto de Lei nº 70/95, de autoria do ex-deputado José Coimbra, que “dispõe sobre as intervenções cirúrgicas que visem à alteração de sexo e dá outras providências”. Além disso, há alguns acórdãos favoráveis, como o de nº 0014790-032008.8.19.002, publicado em 20 de julho deste ano, que defendi e no qual, unanimemente, foi concedido o direito de L. A. da S. de se chamar Kailane. Todavia, muito ainda deve ser feito. Um exemplo: os juízes atenderem ao artigo 5º da LICC.

Enquanto isto não acontece, os transexuais continuarão sentindo-se, em uma paráfrase do verso de Quintana, “assassinados no seu jeito de sorrir” após suas operações.

* Advogada


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