08/04/2014 - 12:27

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Calheiros Bomfim dá seu depoimento ao projeto que registra a história dos grandes advogados

08/04/2014 - 12:27

Calheiros Bomfim dá seu depoimento ao projeto que registra a história dos grandes advogados

VITOR FRAGA

Dando sequência ao projeto Memórias da Advocacia, que visa a registrar em vídeo o depoimento de advogados que ajudaram a escrever a história da profissão, foi entrevistado no dia 26 de fevereiro Benedito Calheiros Bomfim. O relato foi acompanhado pelo vice-presidente da OAB/RJ, Ronaldo Cramer; pelo conselheiro federal pelo Rio de Janeiro Wadih Damous; pelos presidente e vice-presidente da Comissão da Justiça do Trabalho (CJT), Marcus Vinícius Cordeiro e Paulo Vilhena, respectivamente; além da integrante do núcleo Bianca Bomfim e do conselheiro seccional Vinícius Bomfim, netos de Calheiros.

O projeto Memórias da Advocacia é inspirado em modelos de preservação histórica de outras instituições, como a Fundação Getúlio Vargas e o Museu da Imagem e do Som. Os testemunhos serão exibidos em sessões especiais do Conselho Seccional e editados no formato de internet para o site e as redes sociais da Ordem. A estrutura de áudio e vídeo foi montada na sala-estúdio da Escola Superior de Advocacia (ESA). A lista com os próximos nomes a serem ouvidos está pronta, embora as datas não estejam definidas. Sérgio Fisher, João Baptista Lousada Camara, Condorcet Rezende, Marcelo Cerqueira, Ricardo Lira e Eduardo Seabra Fagundes serão os convidados seguintes.

Aos 98 anos, o alagoano Calheiros Bomfim relatou sua trajetória como advogado, militante político e até como jornalista. Ele se formou pela Faculdade Nacional de Direito em 1938, no Rio de Janeiro. Presidiu o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB); foi conselheiro federal e seccional da OAB/RJ, além de membro do Tribunal de Ética e Disciplina; presidente da Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas (Acat) e vice-presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat). Lecionou Direito Comercial Internacional da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas (atual Cândido Mendes); ministrou palestras em todas as conferências nacionais da OAB realizadas entre 1983 e 2005. É membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e da comissão de Direito do Trabalho do IAB. O Dicionário de Decisões Trabalhistas é sua obra mais conhecida (já está na 36ª edição), considerada imprescindível aos que escolhem advogar na Justiça do Trabalho.

Leia alguns trechos do depoimento.
 
  • De Alagoas para o Rio
“Nasci em Maceió em 1916. Em Alagoas, eu ainda era um ser humano em formação. Vim de lá em 1933, para fazer um curso preparatório para o vestibular da Faculdade Nacional de Direito. Levei o estudo e essa experiência muito a sério”.
 
  • Escolha do Direito
“Escolhi o Direito porque era a opção que se compatibilizava com os meus sentimentos, com as minhas ideias, minha motivação social, política, pessoal, e até econômica. Sinto-me realizado. A advocacia não me leva apenas a ganhar querelas, a ficar no escritório e ganhar bons honorários, a servir a clientela. Leva, principalmente, a honrar e exercer com dignidade a profissão, elevando a advocacia cada vez mais à condição de importante função social, política e cultural. O advogado não é um ganhador de causas, é um ser humano que busca a justiça social”.
 
  • Faculdade e política
“Logo que entrei para a faculdade, comecei a participar do movimento político, de forma ativa e consciente dos problemas sociais do país. Queria me empenhar para que a justiça fosse um bem que beneficiasse a todos. Entendia a advocacia como uma função, acima de tudo, social. Sempre fui socialista mesmo antes de nascer, e não mudei. Isso me levou a diversas situações, cheguei a ser preso pelo regime militar.”
 
  • Jornalismo
“Trabalhei como jornalista aqui no Rio, com intervalos, entre 1933 e 1956. E com Graciliano Ramos, que era um grande amigo, um grande escritor, um homem modesto, simples. Era um pouco eriçado, não exatamente alguém de convívio fácil”.
 
  • Militância
“Concluí o curso de Direito em 1938, mas só fui advogar em 1946. Nessa época, estava muito preso à militância política e ao jornalismo, que muito me entusiasmavam. Mas isso me ajudou bastante, porque me permitiu viver muito próximo da sociedade, do povo, com visões de cultura que se aproximavam da minha. Inicialmente, atuei nas áreas cível e criminal. Fui advogado de Luís Carlos Prestes. Conheci muita gente de peso, de saber, de consciência nessa época, como o Graciliano”.
 
  • Advocacia na ditadura
“Era uma insegurança advogar naquela época. Você estava sujeito à perseguição, à discriminação pelo regime, era preciso ter visão, ideal e, sobretudo, coragem. Os juízes se deixaram intimidar, a Justiça trabalhista se deixou subjugar. Imagine o que representava condenar, por exemplo, órgãos governamentais. Havia um medo de mexer em certas áreas, de ser prejudicado profissionalmente. Os trabalhadores também ficavam receosos de procurar a Justiça. Os empregados não tinham outra escolha senão aceitar as propostas dos juízes, mesmo tendo cerceada parte de seus direitos. Não apenas os advogados e as partes, mas os próprios juízes viviam um clima de receio das consequências de qualquer sentença desfavorável aos interesses do Executivo”.
 
  • Justiça trabalhista
“Quando iniciei na área, a Justiça Trabalhista era um caos. Era uma área da qual os advogados se afastavam, porque era mal vista, como se fosse uma advocacia de segunda classe. Até atingir o patamar que temos hoje, foi uma caminhada grande. A Justiça do Trabalho era quase uma justiça administrativa. Depois da Constituição de 88 passou a ser respeitada e prestigiada”.
 
  • Recado aos jovens advogados
“Primeiro, devem se conscientizar da sua função social, política e cultural, de seu papel relevante e insubstituível na sociedade. Já tivemos momentos ruins, hoje vivemos um momento democrático. A vida não gira em torno dos honorários, embora isto seja importante porque é o fruto do trabalho. Mas é preciso que os advogados vejam a sua atuação não só em seu meio, na classe, mas sobretudo naquilo que diz respeito ao papel social da advocacia. Eles são também os protetores da sociedade, especialmente dos mais oprimidos e discriminados”.  

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