08/04/2014 - 12:40

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Lei anticorrupção

08/04/2014 - 12:40

Lei anticorrupção

Maior fator de risco é a falta de regras claras

Janaina Paschoal*
 
A Lei 12.846/13 foi editada para combater a corrupção, punindo civil e administrativamente empresas. Em virtude da generalidade das condutas previstas como ilícitas, da amplitude das sanções e da falta de definição das autoridades competentes, pode ter efeito inverso.

O maior fator de risco para a corrupção é a falta de regras claras. Para não ficar suscetível à pressão, o particular precisa saber o que não pode fazer, as penas a que está sujeito e quem são as autoridades competentes para puni-lo.
 
Sem relacionar infrações às respectivas sanções, a nova lei permite que a empresa sofra multa de até 20% do faturamento bruto ou de até R$ 60 milhões, além de medidas judiciais cumulativas.
 
No artigo 8º, a lei estatui que a instauração e o julgamento do processo administrativo cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que poderá agir de ofício e delegar atribuições.

O Executivo e o Legislativo possuem esferas federal, estadual e municipal, sendo certo que o Judiciário contempla Justiça federal, estadual e as especializadas. No âmbito do Executivo federal, a lei ainda confere à Controladoria Geral da União competência concorrente.
 
Para ter ideia da insegurança do particular, basta pensar que são órgãos do Executivo nos municípios todas as secretarias e subprefeituras. A lei foi publicada com a promessa de que seria regulamentada antes de entrar em vigor. A Presidência da República não cumpriu esse compromisso e os estados que o fizeram não conseguiram cerrar essa enorme porta para o arbítrio. 

Muitos têm fechado os olhos para esses graves defeitos da Lei 12.846/13, apegando-se ao fato de ela estimular a implantação de setores de compliance [procedimentos para evitar a prática de ilícitos], bem como a “entrega” de corruptores, por meio de acordos de leniência. A adoção do compliance é positiva, mas sua presença não garante que a empresa deixe de ser constrangida com a necessidade de pagar para obter documentos e serviços básicos, aos quais teria direito. 

Quanto aos acordos de leniência, se as autoridades realmente alimentam esperanças de que tenham efetividade, faz-se necessário começarem a dar valor à palavra, respeitando as negociações feitas, ainda que em outras instâncias, com outras autoridades. Não é raro o particular confiar em um agente público (policial, membro do Ministério Público, ou juiz), firmando um acordo, crendo que ficará isento de futuras persecuções e, tempo depois, outra autoridade alegar que o acordo não a vincula. Tratando-se, no caso da lei anticorrupção, de acordos firmados em esfera administrativa, o risco de, depois de negociar, sofrer processo crime com base na confissão é bastante elevado. 

É importante punir corruptos e corruptores, mas lei mal feita, no lugar de ajudar a modificar uma terrível cultura, pode reforçá-la.
 
*Advogada e professora livre-docente de Direito Penal na USP

A importância do devido processo legal punitivo
 
Fábio Medina Osório*
 
A corrupção pode ser definida desde muitos ângulos: o sociológico, o filosófico, o jurídico. O mais recorrente, sem dúvida, é o sociológico, segundo o qual seria o uso de poderes públicos para obtenção de benefícios privados. Porém, tal definição peca por sua excessiva abertura: qualquer comportamento pode enquadrar-se em tal conceito, até mesmo o uso de carro oficial por autoridade pública para ir a um compromisso envolvendo representação inerente ao cargo.

No Brasil, a exposição de motivos do Projeto de Lei nº 6.826/10, que dá origem à Lei nº 12.846/13, tem o propósito de atender aos compromissos internacionais “assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção das Nações Unidas contra a corrupção (ONU), a Convenção Interamericana de combate à corrupção (OEA) e a Convenção sobre o combate da corrupção de funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”.

A Lei nº 12.846/13 enquadra-se nessa linha da prevenção e repressão da corrupção no setor público e privado, a partir do critério da responsabilização objetiva das pessoas jurídicas que pratiquem atos lesivos à administração pública nacional e estrangeira. Entendo que a responsabilidade objetiva ofende o devido processo legal substancial inerente ao direito administrativo sancionador que preside as normas tipificatórias das condutas ali proibidas e sancionadas.

As penalidades contempladas nesta lei são passíveis de aplicação na esfera administrativa ou judicial e podem ser regulamentadas em todas as esferas da Federação. E a multa administrativa pode ir de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo ou até R$ 60 milhões, caso não seja possível utilizar o critério do faturamento bruto.

Além disso, publicação extraordinária da decisão condenatória, com inclusão dos condenados num rol de culpados antes do trânsito em julgado; suspensão ou interdição parcial das atividades da pessoa infratora; dissolução compulsória da pessoa jurídica através de decisão judicial proferida em ação civil pública; proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas pelo prazo de um a cinco anos. Pode haver o perdimento de bens ou valores, ou direitos havidos ilicitamente, além de ressarcimento ao erário, e tudo paralelamente à incidência de outras sanções.

A ressaltar a importância do devido processo legal punitivo como fórmula para coibir o arbítrio dos poderes públicos na aplicação desta nova lei, vista, ao contrário, abrir-se-á o caminho à sua desmoralização e ineficácia.
 
*Advogado, doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri

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