21/12/2017 - 17:56

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Setor elétrico – um modelo que nã o previu a retração no consumo

21/12/2017 - 17:56

Setor elétrico – um modelo que nã o previu a retração no consumo

RAFAELA ROCHA*
 
Da leitura sistemática das normas que regem o setor elétrico brasileiro constata-se que o modelo instituído a partir de 2004, ressalvadas algumas modificações, não previu brechas para momentos de recessão do país, muito menos do porte da que estivemos enfrentando recentemente.

Ao contrário, quando da sua implementação, previu-se um país de forte crescimento econômico e desenvolvimento social, dependente de um sistema elétrico confiável e abrangente.

As medidas adotadas partir da edição da Lei 10.848/04 e que indicavam um novo marco no setor elétrico brasileiro viriam “ao encontro da necessidade de estimular o aumento do investimento no setor elétrico, estratégico à sua expansão e à sua modernização, tornando-o mais competitivo e de mais qualidade”. (exposição de motivos da lei). 

Um dos exemplos disso está na indução à supercontratação de energia por meio de leilões regulados pelo poder concedente, realizados com antecedência de até cinco anos, para evitar qualquer problema na oferta.
O próprio decreto regulamentador da Lei 10.848/04, quando da sua edição (Decreto 5.163/04), trouxe a instituição de penalidade para os casos nos quais a obrigação das distribuidoras de contratar nesses leilões energia suficiente para atendimento a 100% do seu mercado consumidor não fosse atendida, permitindo, por outro lado, que, quando houvesse aquisição de energia para 105%, os custos desse excedente fossem repassados na tarifa. Ou seja, o incentivo era à contratação de mais energia pelas distribuidoras, ainda que em montantes que superassem sua necessidade.

Pela mesma razão, prevendo também que as demandas de energia seriam sempre crescentes, dispôs-se sobre a realização de leilões específicos para que os agentes recontratassem a energia elétrica que deixasse de fazer parte do seu portfólio em razão do término na vigência de contratos.

Tudo porque, a partir de 2004, após a “crise do apagão”, objetivou-se criar um Brasil que privilegiasse farturas, principalmente no que dizia respeito ao fornecimento de energia.

Ocorre que, ao se pensar em um modelo que assegurasse maior qualidade e confiabilidade, se previu apenas os impactos que a falta de energia poderia trazer para a economia brasileira, mas não que efeitos exógenos negativos ao setor elétrico também pudessem impactá-lo tão seriamente. 

Esses só se fizeram enxergar com a maior crise econômica no Brasil, quando milhares de fábricas encerraram suas atividades no país e o número de desempregados chegou aos 12 milhões, levando à mais inesperada queda de consumo de energia, com impactos para o setor por anos. 

Como a maior parte das contratações de energia fora feita com antecedência, quando não se previa a crise e nem as suas consequências, os montantes constantes das carteiras dos agentes mostraram-se desproporcionais à demanda que vinha e vem se realizando. 

Um dos maiores obstáculos que se passou a enfrentar para, então, mudar o cenário foi a própria legislação do setor elétrico brasileiro. 

Ao se constatar o inchaço na carteira de contratos em 2015, pouco podia ser feito para correção imediata. Apenas para o último leilão do ano era possível considerar a nova demanda de energia e tentar corrigir, ao menos em parte, o problema que se vinha constatando.

Ocorre que, embora já conhecidos os efeitos da crise e mesmo cientes das sobras que tinham, o Decreto 5.163/2004, àquele tempo, trazia para as distribuidoras, ao final de 2015, obrigação de contratar montantes mínimos de energia.

E como se percebeu antes do encerramento do ano, ao cumprir tal obrigação, as concessionárias de distribuição aumentaram ainda mais as suas sobras.

Algumas providências passaram a ser tomadas ao longo do ano seguinte para solucionar esse problema, tendo sido criados, por exemplo, mecanismos que permitem o repasse de energia para distribuidoras deficitárias e até mesmo a devolução dela para os geradores que com isso concordassem.

Mais à frente, distribuidoras e geradores também foram autorizados a reduzir temporária ou permanentemente a energia contratada. Mas aquelas passaram a depender da intenção desses geradores de receber de volta o que já fora vendido.

Verificando, então, que o modelo vigente não previa cenários de retração da economia, o Ministério de Minas e Energia propôs alterações no Decreto 5.163/2004, especialmente no artigo 40, que trazia consigo forma de penalizar as distribuidoras pelo não cumprimento da obrigação de contratar energia nos leilões realizados ao final do ano, induzindo a uma contratação além do necessário. 

Passou a constar daquele decreto que, com a sua publicação, tal obrigatoriedade não mais se aplicaria às distribuidoras que estivessem com excesso de energia; o que, obviamente, não pôde resolver o problema dos anos anteriores, tendo essas chegado ao final de 2016 ainda sobrecontratadas.  

Para o período anterior, reconhecendo os incentivos do modelo vigente, após longas discussões, a Aneel esclareceu que poderia haver a consideração dessas sobras de energia como involuntárias, desde que comprovados a excepcionalidade (para o que a própria recessão histórica deveria ser suficiente) e o máximo esforço de cada distribuidora para mitigar a sua situação. Isso, no entanto, seria analisado ao longo de 2017.
Quanto ao futuro, outras modificações na legislação passaram a ser implementadas e continuam o sendo, tendo o próprio Decreto 5.163/2004 sido mais uma vez alterado para se adequar à nova realidade do país, considerando-se agora, nele e em outros regulamentos, o risco de retração econômica, com queda no consumo de energia, e a necessidade de outros mecanismos, mais imediatos, para a gestão das atividades desenvolvidas pelos agentes.

Essas e outras inovações devem ser finalizadas até meados de 2018, quando se prevê, se não todo um novo modelo, um menos ideológico e mais adequado à realidade dos novos (nem tão bons) tempos.
 
*Advogada, membro da Comissão Especial de Energia Elétrica da OAB/RJ

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