15/09/2014 - 15:10

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Claudio Lamachia: ‘É preciso que a OAB tenha poder de veto a cursos sem qualificação’

15/09/2014 - 15:10

Claudio Lamachia: ‘É preciso que a OAB tenha poder de veto a cursos sem qualificação’

Vice-presidente da OAB Nacional, Claudio Lamachia vem atuando na coordenação da campanha empreendida pela valorização da advocacia. O trabalho parte do entendimento de que “os honorários estão para o advogado como os subsídios estão para os magistrados e o salário para qualquer trabalhador”. Ele saúda o compromisso assumido pelo novo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, de respeito às prerrogativas da advocacia, e reafirma a luta da OAB, junto ao MEC, para tornar vinculativo o parecer da Ordem na autorização de abertura de cursos de Direito.

PATRÍCIA NOLASCO


Como coordenador da Campanha Nacional pela Dignidade dos Honorários, como o senhor define a situação da advocacia que levou a OAB a empunhar essa bandeira? A que se propõe a campanha?

Claudio Lamachia – É, antes de mais nada, um trabalho conjunto da OAB Nacional com as nossas 27 seccionais. A OAB/RJ, por inspiração de seu presidente, Felipe Santa Cruz, tem sido um exemplo para todos nós nesta luta nacional. Temos a convicção de que a valorização da advocacia é fundamental para o fortalecimento da sociedade. Um profissional devidamente remunerado tem condições de aprimorar a cada dia o seu conhecimento e isso irá se refletir na defesa do cidadão, que terá os seus direitos buscados por um escritório bem estruturado e por profissionais bem preparados. Uma advocacia enfraquecida torna a defesa do cidadão também fragilizada. A quem interessa isso? Certamente não à sociedade. A campanha é uma das prioridades da atual gestão da OAB, por deliberação de seu presidente nacional, Marcus Vinicius Furtado, assim como do Colégio de Presidentes das Seccionais. Ela está focada na valorização do trabalho do advogado, no convencimento das partes e magistrados sobre a necessidade de uma remuneração digna a esses profissionais. E quando temos casos de aviltamento de honorários, buscamos intervir para restabelecer a justiça. Estamos falando de valores que vão além do aspecto financeiro. Trata-se da garantia da sociedade de encontrar um profissional que esteja plenamente estruturado para garantir ao seu cliente a melhor defesa possível. Os honorários estão para o advogado como os subsídios estão para os magistrados e o salário para qualquer trabalhador. Por esta razão são inaceitáveis decisões que aviltam os honorários dos advogados, exatamente por sua natureza alimentar. 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ)negou à OAB o acesso a informações sobre o Processo Judicial eletrônico, tais como arquitetura do projeto, valores e contratos para a implantação do PJe no país. A instabilidade do sistema continua a ser um problema, notadamente no Rio de Janeiro. Como está agindo a Ordem para ajudar a sanar os gargalos?

Lamachia – A negativa foi um episódio lamentável, não para a OAB, que estava lutando pela garantia dos direitos da advocacia e da sociedade, mas para o próprio CNJ. Os problemas do PJe são visíveis, enfrentados diariamente não apenas pela advocacia, mas também pelos magistrados e servidores do Judiciário.
 
Felizmente recebemos com muita satisfação a palavra do novo presidente, ministro Ricardo Lewandowski, que assumiu o compromisso de que nenhum novo passo será dado no sistema sem a participação efetiva da OAB. É importante frisar que a advocacia não é contra o processo eletrônico, mas sim a sua implantação açodada. Ele é uma promessa de celeridade no trâmite das ações e de uma advocacia mais focada no escritório, algo importante com os problemas de trânsito que enfrentamos nas grandes cidades. Porém, o que na teoria parece perfeito na prática evidencia uma preocupante realidade, em razão do atraso estrutural do Brasil na área das telecomunicações, que resulta em um enorme entrave para o exercício da advocacia. No mundo real, a sociedade padece com o péssimo serviço prestado pelas empresas de telefonia e internet. Se o “apagão” das conexões é algo usual nas capitais, nas cidades que integram as regiões mais distantes das metrópoles a realidade é ainda pior. A Ordem tem buscado junto aos tribunais e ao CNJ que ajustes sejam feitos de maneira permanente. Um bom exemplo a ser seguido é a declaração de Imposto de Renda. Antes de transformar o sistema, a Receita trabalhou por anos com a opção de declaração por meio físico. Ao longo do tempo, com os devidos ajustes, e com a confiança do contribuinte, o sistema eletrônico foi se tornando a opção para a imensa maioria. É um exemplo de transição segura. É isso que desejamos e é para isso que estamos trabalhando.

O senhor acredita que o diálogo da Ordem com o Supremo e o CNJ, sob a presidência de Ricardo Lewandowski, vá melhorar em relação à gestão de Joaquim Barbosa?

Lamachia
– Temos, sim, essa expectativa. A OAB foi a primeira entidade visitada pelo presidente Lewandowski após a posse. Ele esteve na sessão do Conselho Pleno e firmou um compromisso garantindo que em sua presidência haverá um trabalho dedicado ao respeito às prerrogativas. E, como disse antes, também garantiu que a OAB será ouvida e terá seus pleitos considerados quanto ao PJe. Não há dúvida da disposição de um diálogo de alto nível, que certamente resultará em avanços para a advocacia, magistratura e sociedade.

Por que a OAB Nacional se posiciona contra o projeto dos chamados paralegais, bacharéis que cumpririam funções de auxílio a profissionais em escritórios de advocacia?

Lamachia
– O projeto está totalmente dissociado de tudo o que a OAB tem defendido, é um verdadeiro equívoco legislativo. Trata-se de um passo atrás para a qualificação da carreira jurídica no Brasil. Acaba sendo um desestímulo à qualificação do bacharel para a aprovação no Exame de Ordem, que é balizador de conhecimento mínimo para a garantia da defesa dos direitos da sociedade. Entretanto, não deixo de considerar que hoje temos um verdadeiro drama social, diante do número de bacharéis que não passam no exame, com o que se faz necessária uma profunda reflexão sobre o tema. Mas o certo é que não vamos avançar criando uma subclasse de advogados.

O que o senhor espera em relação ao marco do ensino jurídico que vem sendo articulado no Ministério da Educação com a participação da Ordem?
 
Lamachia – Sabemos muito bem do drama que enfrentam os bacharéis. Tenho a convicção de que a grande maioria dos não aprovados no Exame de Ordem é, na verdade, vítima de um estelionato educacional, promovido por faculdades caça-níqueis, mais preocupadas com o lucro fácil do que com a devida formação dos alunos. A Ordem busca junto ao MEC uma grande reforma no ensino jurídico do país, para que alunos sejam verdadeiramente preparados para a advocacia. São muitos os critérios a serem alterados, como a análise periódica da qualidade do conteúdo e do corpo de professores, da quantidade de vagas disponíveis, do número de alunos por sala de aula, da qualidade das bibliotecas, da supervisão adequada do período de estágio. E, mais do que isso, é preciso que a Ordem tenha o poder de veto de cursos sem a devida qualificação, o que hoje está acontecendo diante de convênio firmado entre OAB e MEC para sustar a autorização para funcionamento de novas faculdades de Direito. Entretanto, precisamos tornar definitivamente vinculativo o parecer da OAB.  A Comissão Nacional de Educação Jurídica do Conselho Federal da OAB, ao longo dos últimos anos, tem opinado previamente nos processos de criação e reconhecimento ou credenciamento de faculdades junto ao Ministério da Educação. No entanto, esses pareceres têm caráter meramente opinativo, ou seja, o MEC pode ou não acatá-los. Apesar de a Ordem rejeitar, em média, 90% dos pedidos que dão entrada, em menos de 15 anos o Brasil passou de 150 para 1.260 faculdades de Direito, formando cerca de 100 mil bacharéis por ano.

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