15/09/2014 - 15:55

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Guarda Municipal armada

15/09/2014 - 15:55

Guarda Municipal armada

Iniciativa de armar agentes parece contraproducente

JOSÉ CARLOS TÓRTIMA*
O debate não é novo. Seria conveniente o porte de armas de fogo pelos integrantes das chamadas guardas municipais? A questão pode ser discutida tanto pelo ângulo do embasamento jurídico, como pela ótica da política de segurança.

Quanto ao primeiro, ou seja, o amparo legal para a iniciativa de armar tais instituições, a nova Lei 13.022/14, sancionada no dia 8 de agosto pela presidente Dilma, prevê esta possibilidade em seu artigo 16. O problema é que essa lei, embora de forma não muito clara, também confere aos guardas municipais, já agora armados, e como se policiais fossem, incumbências que seriam, por desígnio constitucional, privativas dos órgãos de segurança pública, como a de “prevenir, inibir e coibir infrações penais”.

De fato, a Constituição Federal, em seu artigo 144, exclui as guardas municipais do rol taxativo das instituições às quais se atribui o exercício dos atos destinados à preservação da segurança pública. São estas, e tão somente, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, as polícias civis, as militares e os corpos de bombeiros. Às guardas municipais foi reservada, na Lei Maior, apenas a competência de proteção do patrimônio dos respectivos municípios (artigo 144, parágrafo 9º). Logo, sua utilização em serviços tipicamente da alçada dos órgãos de segurança pública feriria as mencionadas normas constitucionais que regem a matéria.

Já sob o prisma da política de segurança pública, a iniciativa de armar esses corpos municipais me parece contraproducente. Numa época em que a tendência é restringir o emprego de armas letais nas mãos dos próprios membros das instituições policiais, como nos dão edificante exemplo as polícias da Inglaterra e do Japão, a expansão considerável do número de agentes armados circulando pelas ruas, a maioria completamente despreparada para as complexas funções da atividade policial, provavelmente concorreria para agravar o problema da já dramática falta de controle dos abusos e transgressões cometidos pelos integrantes das corporações envolvidos no policiamento ostensivo, em serviço ou fora dele.

Nada obstante, podem, e devem os membros das guardas municipais, e sem necessidade do porte de armas de fogo, prestar relevantes serviços coadjuvantes no controle urbano da criminalidade. Assim, apenas como exemplo, exercendo vigilância planejada e sistemática nas áreas onde atuem, em estreita sintonia e colaboração com as forças de segurança propriamente ditas, a quem alertariam, em tempo real, sobre as ocorrências, por eles detectadas, que careçam de intervenção policial. Ou ajudando a mapear os locais de maior incidência de determinados crimes, com a descrição dos suspeitos e de seu modus operandi, informações de grande relevância para o eficiente combate à delinquência.
 
*Ex-conselheiro da OAB/RJ

Um novo arranjo institucional da segurança pública

RENATO SÉRGIO DE LIMA*
A Lei 13.022, de 8 de agosto de 2014, ainda é muito recente, mas, associada à aprovação da Emenda Constitucional 82, de 16 de julho deste ano, que inclui o parágrafo 10 ao artigo 144 da Constituição Federal, para disciplinar a segurança viária no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, deve mudar o quadro institucional da segurança pública brasileira e não se limita a autorizar o uso de armas de fogo pelas guardas municipais.

De acordo com essas duas modificações legislativas, o município assume oficialmente forte protagonismo na segurança pública e desloca interpretações que defendiam que esta era uma atribuição apenas dos estados e do Distrito Federal. Pela nova legislação, atribuições que eram exclusivas das polícias militares passam a ser compartilhadas com as cidades e, por meio das guardas ou das instituições encarregadas da segurança viária, há o reforço da ideia de que a manutenção da ordem está associada à preservação da vida e à garantia de direitos fundamentais.

Para o exercício destas atividades, as guardas são explicitamente autorizadas a portar armas de fogo e, com isso, passam a deter na prática poder de polícia. O Brasil inaugurou uma fase de municipalização da segurança pública. Por certo, ainda há uma zona de insegurança jurídica muito grande, mas a questão de fundo é como os municípios desenharão novas práticas institucionais e novas organizações.

Hoje, por força mimética, muitas das guardas são estruturadas à semelhança das polícias militares e o desafio será definir regras e requisitos mínimos para o cumprimento dos novos termos legais. Faz-se necessária a criação de mecanismos de transparência e prestação de contas poderosos para não cometermos o erro de primeiro dar armas para depois indicarmos quando e como elas podem ser usadas.

É verdade que faz anos que os municípios atuam na área, muitas vezes aportando recursos consideráveis para a manutenção de viaturas, prédios e combustível para as polícias estaduais. Porém, agora, a atribuição ficou mais clara e os prefeitos terão a responsabilidade efetiva de contribuírem na prevenção da violência.
Seja como for, a avaliação que pode ser feita é que ainda é muito cedo para avaliarmos o acerto dessa mudança no que diz respeito à eficiência de políticas e ações de redução das altas taxas de violência que vergonhosamente ostentamos. Todavia, da forma como a nova legislação foi encaminhada, já é possível saber que enfrentaremos sérios desafios de coordenação, articulação e integração das forças policiais em torno de um projeto comum de redução da violência.
 
O risco é que, ao invés de garantirmos direitos, paz e ordem, estejamos dramatizando o quadro da segurança pública brasileira e tornando muito mais complexa a tarefa de oferecermos respostas mais eficientes a esse que é, segundo várias pesquisas, o segundo maior tema de preocupação da população do país.
 
*Doutor em Sociologia da USP, vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, professor e pesquisador da EAESP/FGV e da FGV Direito SP

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